segunda-feira, 11 de abril de 2016

Don't.

Life is a joke.
Laugh about it,
Talk about it,
It won't get better
untill you find a
( ) better
( ) bitter
           way to tell it.

quinta-feira, 7 de abril de 2016

Tomás Roberto Saraiva

Ainda tinha um tanto de pó não vendido no bolso de moedas da minha calça jeans, alguns gramas do verde-mais-verde e um punhado de notas amassadas. Joguei tudo sobre o móvel enquanto fazia as contas do quanto eu ainda poderia beber.
Muito.
Abri uma garrafa de Dreher e entornei-a sobre o copo. Bebi um gole e me arrependi instantaneamente. Peguei o telefone e tentei ligar pra Priscila.
- Oi.
- Oi!
- Como você ta?
- Ah eu to bem, por onde você tem andado?
- Tenho trabalhado demais.
- Hahaha. No que exatamente?
Desligo.
Não há nada a ser explicado, não existe desculpa plausível e eu sou perfeitamente capaz de desperdiçar meus esforços bebendo ao invés de inventar alguma. Caso comecem a investigar, eu tenho vendido gelo. Gelo não gera lixo, não gera notas fiscais e, como poucos sabem, não gera lucro. Mas a ideia do gelo não veio de mim não, veio de um outro eu que eu conheci. Nessa profissão, a gente acaba conhecendo outros, sabe? Faz parte de saber o que está acontecendo no mercado. Felizmente, pra mim, poucos desses outros sabem o que eu faço de verdade.
E eu não estou falando sobre vender gelo.
Pego o telefone de novo, dessa vez ligo pra Anna.
- Alô?
- Olá.
- Oi, quem é?
- Thiago aqui. Rosa.
- Ah, oi! Tudo bem?
- Meh... tudo indo, e por aí?
- Ah aqui ta tudo normal, muito serviço e muito calor, sabe?
- Sei sim. Mas pelo menos ta ganhando bem?
- O de sempre. E você, ainda naquilo?
- Sempre, né.
- Aliás, eu tava precisando falar com você mesmo.
- Já?
- É, ta acabando...
- Olha, Anna, você tem que tomar cuidado... Desse jeito vai acabar se descontrolando.
- Eu sei, eu sei, mas não é pra mim... Olha, você pode me encontrar amanhã?
- Posso sim, que horas?
- Três.
- Ok.
- Coffee Shop?
- Coffee Shop.
Desligo.
Anna é uma dessas pessoas legais de transar, mas que nunca vão chegar a lugar nenhum na vida. A minha presença não é lá uma grande ajuda nesse aspecto, mas não há muito a ser feito. Se não for eu, serão outros, tanto na droga quanto no sexo. "Rosa" não é o meu sobrenome de verdade. É só uma junção da primeira sílaba de cada um dos meus dois outros nomes "Roberto" e "Saraiva". Thiago também não é real, mas não é junção de merda nenhuma.
Meu nome é Tomás. Sem H.
Bebo mais um gole de Dreher tentando não pensar no gosto. Aspiro o resto de pó sobre a mesa e começo a me sentir absolutamente bem.


Apago.



Acordo de manhã no hospital. Um médico se encontra do lado da minha cama fazendo anotações sobre outro paciente. Olho pros meus pulsos: não estou algemado. Isso deve ser um bom sinal. Viro de volta pro doutor:
- Ei!
- Olá, senhor... - breve pausa enquanto olha o caderninho - Tomás. Como o senhor está se sentindo?
- Com uma puta dor de cabeça, mas o que houve?
- Olha, não sou eu cuidando do seu caso, mas a ficha diz que você teve um princípio de ataque cardíaco.
- Ah é? E quem me trouxe aqui?
- Não sei - disse ele, já se afastando - mas vou chamar o Glaucio.
Glaucio devia ser o médico encarregado, porque logo depois ele chegou com uma cara amarrada e me explicou o que tava acontecendo. Aparentemente, eu comecei a me sentir mal depois de beber e chamei por socorro. O vizinho me ouviu gritando, arrombou a porta e me touxe até aqui.
- E onde estão as minhas roupas, doutor?
- Elas estavam cheias de vômito e bebida, então as colocamos em um saco pra que o senhor possa lava-las em casa.
- Vocês não tem lavadora aqui?
- Infelizmente, senhor Tomás, só vão pra máquina os uniformes médicos e afins, para evitar riscos de infecção.
Infecção é o meu ovo.
- E quando eu vou ter alta?
- Logo logo, senhor Tomás, vamos só fazer algumas perguntas sobre o que houve e já já estará livre.
No hospital, ainda tive que inventar explicações patéticas de como eu era um desses viciados que não conseguem se livrar da droga, porque minha vida era muito triste e minha mulher tinha me deixado, etecétera e tal. Mas o que eu queria dizer era o seguinte:
"A grande verdade, senhor Glaucio, é que eu vendo drogas para as pessoas que passam por essa situação e, se eu acabei aqui, é por mero descuido, afinal, sei bem com o tipo de substância que estou lidando. Agradeço a preocupação, mas preciso que o senhor me dê alta logo porque tenho clientes importantes me esperando."
A essa altura, Glaucio já teria discado o "9" de "190" no telefone.
Mesmo não tendo clientes me esperando, consegui alta e peguei um taxi pra voltar pra casa. O taxista exalava cigarro de todos os seus poros, mas os únicos cigarros em minha posse estavam, nesse momento, parcialmente vomitados e cuidadosamente embrulhados em uma sacola plástica dada de bom grado pelo Hospital Maria Tereza.
Chegando no apartamento, tudo estava quase exatamente como eu deixei, mas um pouquinho mais bagunçado. Aparentemente, alguém chamou a polícia - os boatos espalhados aqui no condomínio sobre a minha profissão estão ficando cada vez mais alarmantes, mas não posso fazer nada a respeito, afinal, se o porteiro noturno não fuma, ele não dorme e, se ele não dorme, ele também não me deixa dormir. É uma questão de sobrevivência e praticidade, sabe? Ele me dá dinheiro pra não fazer o próprio trabalho, eu aceito o dinheiro dele por estar muito feliz fazendo o meu.
O TELEFONE TOCA MUITO ALTO E PERCEBO QUE a minha dor de cabeça ainda não passou.
- Alô?
- Porra, você ainda ta em casa? - é a voz de Anna - To te esperando há quarenta minutos aqui.
- Puts, desculpa, eu esqueci.
- EU NÃO ACREDITO que você fez isso de nov-
- Calma, calma, eu to indo praí. Coffee Shop, certo?
- Certo.
- Chego em dez.
Cheguei em vinte. A cara dela não estava nem um pouco bonita e nem era pelo mau humor.
- Aonde você tava, porra? Eu to te esperando aqui há séculos! Trouxe a parada?
- Calma aí, Anna, o que aconteceu com você?
- Lhe pergunto a mesma coisa, senhor alcoolismo. Isso na sua cara é resto de vômito?
- Vômito? - Pergunto, passando a mão na bochecha - Muito provavelmente sim. Mas não foi isso que eu perguntei. Você anda comprando de mais alguém?
- Não. - Ela responde, desviando o olhar. - Só de você, sempre foi assim.
Olho pros seus olhos. Se eu acreditasse que existe um momento específico em que a esperança deixa alguém, como se uma lâmpada se apagasse no fundo da sua alma e deixasse tudo cinza escuro, eu diria que isso aconteceu com a Anna desde a última vez que nos vimos.
- Quer saber? - digo - Mudei de ideia.
Que? - Instantaneamente, seus olhos se arregalam como se fossem saltar de suas órbitas e suas mãos começam a tremer. - Não, você não pode fazer isso.
(Como assim não posso?)
- Eu posso e vou.
- Não!
- Sim.
- Eu PRECISO disso, Thiago, olha pra mim - ela responde, me agarrando com mãos frias e finas - eu PRECISO que você me dê só mais um pouco, eu vou morrer!
- Me solta, Anna! Sai daqui, porra!
Tento puxar minhas mãos, mas isso só faz com que meus pulsos doam. Olho pro rosto de Anna e algo não está certo. Então, sem mais nem menos, sua pele começa a derreter e sangue brota da sua boca e nariz. Tento me soltar, inutilmente. Todos estão olhando pra mim agora. Todos sabem que fui eu quem vendeu pra ela. Todos sabem quem eu realmente sou.

Acordo gritando.
Estou no hospital. Tudo aquilo não passou de um sonho. Olho pro meu pulso esquerdo e estou algemado. Não muito distante de mim, um médico responde algumas perguntas a um policial.
Dessa vez não é o Glauco.