quarta-feira, 30 de maio de 2012

Algo.

O amor já me cansou, e a religião já me entediou. A idade me entristeceu, e a morte ainda não veio. Talvez algo me acerte em cheio antes mesmo que eu perceba. Talvez um sentido me apareça antes mesmo de procurar. Não preciso de um sentido. Não preciso de um conforto, não preciso de solução. Eu preciso de uma nova ideia, que me ajude a ter os pés no chão. Eu quero algo a mais da vida, quero um novo caminho, quero uma nova ilusão. Não quero mais inventar, eu quero existir. Quero algo que me deixe sem ar pra depois me devolver todo o ar que me tomou todo esse tempo. Quero algo pra me livrar do vazio, e substitui-lo com uma cor. Quero a cor da felicidade, que ainda não apareceu no meu desenho.

segunda-feira, 28 de maio de 2012

Doce.

Pequei, Padre.
Ela estava sozinha, andando rápido com medo da noite. Eu fui a noite que ela temeu, vagando entre as sombras até o momento.
Ela não percebeu a minha presença a tempo, pobre garota. Andava de vestido pela rua, talvez voltando de uma comemoração. Talvez não tivesse dinheiro para voltar de outro jeito, pois andou mais de três quarteirões de salto sem reclamar ou parar para descansar. Seria melhor se tivesse parado.
Com minha mão direita, calei-a antes que pudesse gritar por socorro. Com a esquerda, segurava a faca que lhe mostraria a verdade sobre quem eu sou. Despi seu olhar, que me olhava com desgosto. Joguei seu corpo no muro e olhei suas bochechas, que ficavam mais rosadas quando começava a chorar. Eu não pude sentir, não pude parar.
Talvez essa fosse uma boa hora para perguntar por que ela se foi, mas eu não quis. A faca indagou sobre o sentido de tudo aquilo antes de chegar ao seu coração. Seus olhos não eram de medo e suas mãos não tremiam. Ela queria que algo acontecesse, então não aconteceu.
Continuei andando pela rua até o quarteirão de sua casa. Me apresentei como alguém velho e tudo mudou. Ela faleceu naquele dia, mas continua andando por aí. Nunca foi a pessoa que pensou que fosse, e eu nunca fui a pessoa que quis ser. Fui forte o suficiente para levantar e ser mais do que uma sombra; eu fui a escuridão em si, e daquele momento em diante a escuridão passou a me temer. Limpei a faca na barra de seu vestido, que já se encontrava sujo. Pobre garota, poderia ter sido alguém.
Corri em direção à praia, pois estava atrasado para a festa. Bebi, comi e gozei, voltei pra casa e dormi.
Sonhei que tinha acabado, mas não acordei decepcionado.
Ainda temos muito o que viver, eu e você.
Doce lâmina, alegre e prestativa.

domingo, 27 de maio de 2012

12 Horas.

Acordo meio desnorteado, sem saber pra onde fui e pra quem voltei. Para quando eu falei, e como eu disse que seria. Acordo sem saber ao menos com o que estou, ou quem me deixou assim. O papel da noite passada é como uma luz ofuscante vindo do passado em direção ao presente. É como se eu estivesse na linha do trem, e este se encontrasse pronto para acabar com a história. Talvez já tenha acabado, mas olhei para a luz o suficiente para não perceber. Talvez tenha sido suficiente o tombo para aquilo que não desejei, talvez não haja volta. Me perdoe, eu não queria. Talvez quisesse. O meu erro foi não querer, ou querer demais. Me queimar e continuar querendo. Você dói. De onde cheguei? Sinto por não sentir menos do que eu deveria. Me disseram apenas que eu poderia ser qualquer coisa, então virei uma coisa qualquer. Sou apenas mais uma ilusão idiota.

sábado, 26 de maio de 2012

Vida.

Uma teia de laços afetivos com o amor sistematizado entrelaçado ao ódio que corrompe cada um conforme os segundos se passam e nada é como lhes é ensinado, a morte se torna cada vez mais presente e todo aquele que duvidou de sua existência passa a se curvar perante o tempo, que se passa rápido demais. A repetição consome o homem, e o homem consome tudo que vê, enquanto a máquina não ocupou seu lugar nessa última tarefa. A industrialização se torna uma reindustrialização, que se torna o não-fazer de qualquer coisa imaginável. O ócio corrompe as idéias, que se concentram em maneiras diferentes de não se fazer o que aquele alguém sempre fez. A insanidade é tamanha que ao fim, todos estarão se alimentando sentados vendo programas estúpidos enquanto o mundo se movimenta sozinho, e a vida ganha engrenagens, que só morrem ao sinal do botão de desligar.

quinta-feira, 24 de maio de 2012

Não Sou Eu.

Sonhei que estava contigo, e estive. A noite devorou a saudade e trouxe a calma. O dia trouxe o medo de não poder mais te ver, alimentado pela luz do sol que invadia meu quarto. Seu corpo, conforme abria os olhos, se transformou no travesseiro, que segurava firme comigo como se fossem tentar arranca-lo de meus braços a qualquer segundo. Meu sorriso se transformou em seriedade, conforme o choque fazia efeito. Você não estava lá. Você já esteve, mas está em outro lugar. Em outro lugar, com outro alguém, acordando decepcionada por não estar ao lado de outra pessoa, que não sou eu.

quinta-feira, 17 de maio de 2012

Sofá.

O dia estava com cheiro de cama vazia, roupa amarrotada e chocolate quente.
A chuva não parava de cair do lado de fora e do lado de dentro o silêncio tomava conta do lugar.
A depressão, ausente, descansava em algum outro cômodo não visitado da casa antiga.
Sua pele estava mais cinza do que de costume e sua barba estava por fazer.
Nenhuma lágrima foi derramada em vão.
Permaneceu no sofá
e de lá saiu.
Andou pro lado de fora, mas no sofá permaneceu.
Pegou o carro e foi dar uma volta, não tinha muito o que fazer.
Chegou a um restaurante e sentou-se. Pediu a comida mais cara de lá.
Não estava preocupado com o preço, nada mais lhe interessava, ele só queria saber do sabor.
O prato chegou e o gosto era esplêndido. Terminou de saborear a janta e voltou para casa.
Cansado, se deitou na cama e pegou o telefone.
De repente, se lembrou do que estava tentando ignorar a tarde inteira e colocou o telefone de lado.
Ela não iria atender.
Levantou da cama, que agora parecia grande demais para uma pessoa só.
Procurou algo na televisão que não o lembrasse do presente, mas o próprio presente fazia isso sozinho.
Desligou a TV, pegou um cigarro. Foi para o lado de fora e observou a chuva.
Ela odiaria vê-lo fumando.
Esperou o cigarro acabar e voltou para dentro.
Procurou as chaves do carro, estava se contendo para não murchar.
Encontrou-as e saiu de casa. Dirigiu até uma estrada de barro e acelerou só depois de ter certeza de que não havia ninguém por perto.
Virou a primeira curva, virou a segunda. Na terceira continuou reto e caiu.
Caiu e continuou caindo.
Fechou os olhos e o tempo parou.
Os momentos mais marcantes de sua vida se passaram diante de seus olhos, até que ela chegou.
Com as lágrimas caindo, sorriu.
Viu seu rosto por uma última vez e caiu.
Mas no sofá permaneceu.

domingo, 6 de maio de 2012

Cansaço.

Estou cansado de não ter voz, estou cansado de não ter mais vez. Estou cansado de não ter mais solução, e cansado de pagar para ver que nada vai acontecer... De novo. Estou cansado das ruas cobertas por gente suja, suja de merda, de cocaína. Estou cansado de ver o amor sendo comercializado como o resto das idéias sem sentido que surgiram de pessoas sem criatividade. Estou cansado do ódio que sinto por não sentir o ódio necessário para fazer algo a respeito. Estou cansado de músicas ruins e de classificar pessoas pelo tipo de roupa que usam. Estou cansado de ser classificado como igual ou como diferente, cansado de ser ridicularizado. Estou cansado de ridicularizar a vida e foder com ela em todos os sentidos possíveis e imagináveis. Estou cansado de me conter com a norma culta da língua e de escrever redações que não representam nada do que penso. Estou cansado de receber notas de quem eu não conheço, e estou cansado de ser melhor ou pior de quem eu não conheço. Estou cansado de não poder dizer o que sinto por não saber o que sinto, e estou cansado de críticas pelas costas. Estou cansado de críticas no papel, na tela. Estou cansado de tanto estar cansado, mas dormirei. Dormirei, pois amanhã é um novo dia para a decepção de sempre.

Inverno.

Perdi a calma que me abatia, e perdi a vida que me entristecia. Acabei com meus semelhantes, e matei toda a consciência. Roubei a felicidade de outros que não tinham tanto dela a oferecer. Usei a máscara de personagens que tanto me fizeram amadurecer. Fingi para meu coração bater, e fingi que conseguiria fingir, mas nada me restou além do sorriso falso, que tanto lutei para manter. Gargalhei de piadas fúteis para a profundidade não me atingir. Corri do Diabo, e a mão do Diabo me tornei. Estendida, ofereço o mesmo que tive, esperando que minha solidão se acabe ao ter um monstro semelhante a mim. Larguei aqueles que me prendiam ao que era bom desse mundo, e percebi que de bom nunca ele teve nada. Vivi no ócio, que me corroeu até me deixar pálido como a morte. Bati na porta da escuridão, que me convidou para entrar como uma velha amiga. Encontrei abrigo, e deixei-a preencher meu ser. Minhas mãos trêmulas aos poucos tomaram coragem para abrir a porta e deixar mais alguém entrar. Era tarde demais, e aqueles que se faziam presentes não estavam mais lá para me confortar. A porta se fechou, e daquele inverno se fez meu lar.

sexta-feira, 4 de maio de 2012

Interior.

Seus olhos azuis aos poucos se escureceram, e a maldade não se conteve dentro dele. Seu andar ficou cada vez mais sombrio, seu olhar, cada vez mais frio. Sua voz não tinha o som melódico de antes, era agora rouca. Seus ouvidos foram parando de funcionar, de tanto que ouviu o que não devia. Dentro dele cresceu um monstro. Um monstro que quebrou o coração de outros por inveja, por não ter onde apoiar suas dores. Apodreceu a alma, corroeu a consciência. Tudo por dentro parecia um pântano. Olhou-se no espelho, e seu reflexo se fechou. A vida o deixou ainda jovem, e morte não o acompanha como fazia antes. É a ausência de tudo que o deixou assim: vazio. Sozinho, morreu como todo homem de fé: desafiou a si mesmo, e sua existência o destruiu.