quarta-feira, 27 de maio de 2015

Maria e Virgo.

Quarta-feira, 29 de Junho de 1938.

Eu acho que eu perdi a habilidade de ser rápido no gatilho, ser hábil com as palavras e com as pessoas. Já não sou mais conhecido pelos meus bordões brilhantes, pela minha atitude ao liderar um bando na próxima caçada, sabe? Estou ficando velho e sóbrio, sóbrio e velho, velho e velho. "Haha sei" Ah! Maria, não sabia que você estava aqui. "Você nunca sabe." Talvez. O que eu estava falando? Não consigo terminar o que eu começo que na minha linha de pensamento logo me vem outra coisa. Quê? Ah! A aguardente! Meu único e verdadeiro amor: a bebida. "Ah é?" Penso que não, tem o chapéu, mas não faz diferença agora. "Você e esse maldito chapéu, deixa eu lavar ele!" Não me interrompe, estou no meio de algo importante! "Ô grosso!" Grosso... Onde eu estava? Ah sim! Foram tantos que se foram que eu já perdi a conta de tanto rum que foi-me junto. Esses cangaceiros não me suportam, ta todo mundo cansado da guerra. Isso é uma guerra, certo? Não sei. Estou ficando burro, Maria, vou morrer logo. "Pare de bobagem, Virgo, cê só ta ficando chato!" Você não tem medo não? "Não, por que teria?" O governo ai chegar na gente, a gente ta liderando uma, uma... "Revolução." Isso! Revolução! O sargento ta na nossa cola, faz dois dias que invadiram uma casa de onde tínhamos acabado de sair, acho que foi um sinal de Deus pra gente ir embora. "Agora você ta ficando louco mesmo." Por que? "Deus não ta aqui." Ah é? E ta aonde? "Não sei, mas aqui não ta. Você vê deus aqui? Eu só vejo gente pobre morrendo de fome." Para e falar isso, você é sempre tão pessimista... "Mas é verdade." É... Talvez seja, mas eu acreditava no Padre Cícero. "Eu tenho que falar contigo, Virgo..." Tanta gente boa que já se foi... "Virgo..." O que foi? Pode dizer. "É importante, assunto sério." Ta, mas deixa eu terminar o que eu tava falando antes então, ok? "Ahn..." Onde eu estava? Ah é! A aguardente...

terça-feira, 19 de maio de 2015

Utopia.

Clona-me, domina-me e decifra-me no vazio das tuas pupilas, mergulha-nos nos teus sonhos, comete-me em delírios, começa-me e me termina em fogos, em pizza, em sonho,
Sossega.
Descansa-te no meu ombro, respira longa e amorosamente dos meus ares de amor eterno, me ajuda a contar estrelas, moedas e os segundos até que nos encontremos de novo, até que nossos corpos se batam como as ondas batem nos rochedos. Mata em mim a minha vontade, esconde minhas certezas no seu corpo e respira fundo meu perfume,
Para.
Me esquece, me abandona. Me deixa pra lá e aqui, sozinho e fútil, atordoado e inútil, sem saber o que me atingiu. Deixa-me com meus caprichos, com minhas manias, minhas dores, deixa quieto tudo aquilo que nos uniu,
Mas volta.
Eu quero um trago de amor e outro trago de desprezo.

Triste.

Eu tenho acordado triste. O café tem ficado fraco e as manhãs tem sido escuras, sabe? O sapato também tem arrastado muito no chão enquanto eu ando e eu to andando muito curvado. Meu médico diz que é só postura, mas a gente sabe que não é, né? E a casa ta numa calmaria que eu nunca vi. Não tem passos, risadas, gritos ou música alta... haha! Ta tão quieto que às vezes eu me espanto com um barulho que eu mesmo faço, mas já to me acostumando... Voltei a beber depois do trabalho. Aconteceu logo depois que eu voltei a escrever, mas não podia te contar antes, sabe como é. Antes eu tava frequentando aquele bar da esquina, mas as bebidas estavam acabando rápido demais, então agora eu vim beber em casa. As bebidas duram menos ainda, mas eu gasto menos dinheiro. Fiquei sóbrio pra escrever essa carta e escrevi porque to com saudade já. Se quiser eu passo aí qualquer hora... ou você passa aqui pra tomar café e falar das novidades, sei lá. Mas já aviso que o café tem ficado fraco...

Míngua.

Seguro a garrafa, solta
Gargalhada e volta
Volta a beber da pinga
Melhor que viver na míngua
Melhor que morrer sozinho
Faz um brinde a mim
Segura o copo assim
Bebe do copo assim, olha
Molha a boca na garrafa
Molha o bico n'outro bico
Beija a moça inteira, ri
Mas segura a garrafa
Não deixa cair de lado, caí
Mas ainda tem pra mim
Tem rum pra mim?
Tem rum pra mim?
Bebe indo e voltando
Bebe andando e transando
Cagando e andando, mas
Não derruba a garrafa
O copo, o pote, o cantil
Esquece tudo que é senil
Deita aonde? Deita lá, vai
Na calçada, no asfalto
Deita no baixo ou no alto
Eu não tenho preconceitos
Eu não possuo conceitos
Chega de birra, bebe mais
Bebe a minha companhia
Só mais um golinho, vai
Melhor do que viver na míngua
Do que morrer sozinho.

Bóreas e Aurora.

Que de Ana, Bruna e Amanda
Despertou, em mim, essa criança?
Que atingiu a minha alma branda
Ou que fez-me derramar lembrança?

(Ah! Aurora...)

De doente, não me recordo
Ter sido antes sofrido de amor
Mas hoje, quando então acordo
Percebo essa mais nova dor

(Ah! Aurora...)

Que pena fim tão previsível!
Que doce amargo essa fome!
Despertara-me do insensível
Só no som de um simples nome!

(Ah! Aurora...)

Assim te fez-me ser e sofrer
Da falta que tua voz me faz
Deixara-me a desfalecer
Me trocara por outro rapaz

(Ah! Aurora...)

Enquanto a solidão cobria
A mulher que foi, por mim, amada
Tristes foram meus bons dias
Que não me cresceram em nada

(Ah! Aurora...)

Senti-me esvaindo em pena (De mim! Por mim!)
Temi me acabar sem nós
Enquanto a esperança amena
Mudou-se do meu ser atroz

(Ah! Aurora...)

Vazias foram tais semanas
Em que não causei-te dor alguma
Tive tantas Julias e Julianas
mas de Aurora eu só tive uma.

segunda-feira, 18 de maio de 2015

Conversas de Ônibus (II)

(Sento-me do lado dela)
-  Olá.
              -  Oi.
-  Que coincidência nos encontrarmos aqui, não?
              -  Não sei, eu te conheço?
-  Não.
              -  Então por que seria uma coincidência?
-  Todas as histórias são coincidências e improbabilidades.
              -  E o que é improvável?
-  Que eu fale com uma mulher estranha no ônibus.
              -  E por que falou?
-  Porque eu também sou estranho.
              -  Bastante.
-  Já que somos estranhos, posso tentar adivinhar seu nome?
              -  Pode.
-  Tenho três chances, ok?
              -  Ok.
-  Pâmela.
              -  Não.
-  Juliana.
              -  Também não.
-  Priscila?
              -  Não. Perdeu.
-  Sua vez.
              -  Ah, eu não quero tentar adivinhar.
-  Zeca.
              -  É o seu nome?
-  É.
              -  Priscila.
-  É o seu?
              -  É.
-  Mas eu disse Priscila.
              -  Eu sei.
-  Você é estranha.
              -  Hahahahaha eu!?
-  Eu e você, você e eu, nós.
              -  O que isso quer dizer?
-  Nós?
              -  Tudo.
-  Que talvez nos conheçamos.
              -  Mas você disse que não nos conhecíamos.
-  Talvez nos conheçamos a partir de agora.
              -  Do nada?
-  É.
              -  E o que te faz pensar que eu quero conversar com você?
-  O fato de já estar conversando.
              -  Mas eu poderia estar conversando qualquer um.
-  Você é qualquer uma, eu sou qualquer um.
              -  Isso foi rude.
-  Me desculpe.
              -  ...
-  Vai me ignorar pra sempre?
              -  Só até chegar o meu ponto.
-  Ou só até chegar o meu.
              -  Onde você desce?
-  Aqui. (Levanto-me)
              -  Aqui? Mas já?
-  É. Nos vemos por aí?
              -  Vou pensar.
-  Me liga!
              -  Você não me deu seu número.
-  Eu sei!
(Ando em direção à porta)
              -  Mas espera, não vai assim!
(Salto do ônibus)
-  Até qualquer dia.

sexta-feira, 8 de maio de 2015

Vestido velho.

Hoje mais cedo te vi
Com aquele vestido velho
Com o mesmo sorriso sério
E esses cabelos de fogo

Hoje eu passei e olhei
Aqueles tornozelos brancos
Trocando os meus passos mancos
Trôpego que estive ali

Bêbado que mal senti
A tua alegria em outro
Lembro-nos tanto pouco
Quando, ao te ver, nos vi.

Coração partido.

Bate, bate, bate coração partido
Bate que é minha a tua dor
Afunda e me engole de amor
Chora no meu corpo endurecido
Chora aqui graciosamente
Enquanto eu te cubro a boca
Chora em mim até ficar rouca
Até eu chorar na tua garganta
Onde minha criança canta
E o silêncio se faz presente.
Abre pra mim tuas portas
Deixa eu te fazer sentido, vai
Deixa sentir, sente, senta
Abre essas pernas tortas
Enquanto minha criança tenta, vai
E enquanto a criança aguenta
Meus doces carinhos de pai.

Consonância.

Eu acredito - como escritor e crente na escrita - que a narração dos fatos seja mais importante do que a verdade. A verdade, tão enganadora e tendenciosa, não costuma ser mais do que um dos possíveis pontos de vista. É fato, senhoras e senhores, que alguns discordarão de mim nesse quesito. Mas quantos de vocês, dissimulados e simuladores, nunca desenvolveram a verdade a seu favor? Quantos não acrescentaram ou distorceram palavras de outro alguém pelo simples prazer de possuir uma credibilidade que não os cabe? Que não os deveria pertencer? E quantas mentiras foram contadas pelo bem das verdades que defendem, caros senhores? Eu não só os declaro hipócritas por agora como citarei, um pouco mais pra frente, um exemplo claro para defender minha tese. E espero que, ao final dessa narrativa, eu já os tenha convencido de que a mentira, assim como a verdade absoluta, é uma parte essencial para a realidade em que vivemos, e que negá-la é o modo mais fácil de se perder.
Pois bem. Certa ocasião, mais ao norte do estado, um negro foi julgado e condenado à forca pelo assassinato de um conhecido Charles Hampton. O negro, como era de costume, trabalhava para a família de Charles há muitos anos. Sua mãe foi levada à fazenda ainda cedo, onde deu luz a ele e mais um - ambos livres da corrente da escravidão, liberdade estabelecida pela lei do ventre livre.

[...]

Me desculpem, fui fumar um cigarro.

(Ad continuum...)
O negro, portanto, era um homem independente, de livre escolha e de livre pensamento. Os elos que o mantinham trabalhando para o Sr. Hampton poderiam ser puramente simbólicos - alguns diriam que havia até um certo nível de camaradagem, na medida que lhes é possível, entre um negro e um branco, caso essa história não possuísse um desfecho tão dramático.
Mas por que, em nome da bendita lógica que habita todo ser pensante, o maldito negro haveria de querer matar seu suposto camarada? Alguns afirmam - e coloco aqui este por mera curiosidade, já que não há evidência científica de que tal afirmação seja verdade - que os pardos e de cor escura possuem um cérebro menos desenvolvido do que nós, os brancos, racionais e tementes a Deus. Alguns diriam, inclusive, que tal ato cometido por esse negro em particular não possui nada de particular. Diriam que tal ação, dentre outras, representa a selvageria desses animais escuros com os quais brincamos de dominar por tanto tempo e de forma tão cruel. A essas últimas constatações, senhores, não só afirmo que existem aqueles que as fazem, como afirmo existirem os que a apoiam. A estes e àqueles, guardo-lhes somente desprezo. Não só pela racionalidade que os falta, mas por ter tido Charles Hampton duas filhas, Aurora e Lucíola, de 5 e 7 anos respectivamente, com as quais brincava da forma mais repugnante, segundo boatos que circulavam na fazenda. Ainda segundo tais boatos, o nobre Charles não apenas abusava das filhas, como fazia questão de não parar até que todos os trabalhadores pudessem ouvir os gritos sofridos das crianças. Era aí então que o Sr. Hampton, entorpecido por sexo e ópio, abria a porta do quarto em que estivesse e saía cambaleando até o depósito de bebidas para, algumas horas depois, recomeçar o processo.
Mas aí entra a tal verdade, meus caros senhores, pois boatos são apenas boatos, mas a certeza é incontestável. Eu imagino, portanto, que os hematomas encontrados em Aurora e Lucíola sejam, também, apenas boatos de hematomas, e espero que meus olhos tenham sido vítimas do meu próprio delírio ao ver, eu mesmo, as marcas roxas nos braços e pernas das meninas. Espero também que minha paranóia tenha chegado ao seu limite quando vi, nos olhos delas, uma sensação de alívio quando próximas ao corpo do pai. Eu espero, sinceramente, que os fatos tenham se distorcido na minha cabeça pois, caso contrário, em nome da verdade e da justiça, eu deixei que um homem inocente fosse levado para a forca.
Eu não venho aqui ludibria-los com minhas fantasias, muito persuadi-los à culpa por tantos crioulos maltratados. Minha escrita não é de cunho social e não acredito que venha a se tornar, portanto somente destaco um ponto aqui, dentre as enormes atrocidades narradas nesse texto:
Qual de vocês, defensores da justiça e da bondade, estaria disposto a enfrentar a forca para defender o justo?
E quantos vocês mandariam à forca pela mesma causa?

Procura-se.

Você está sozinho?
    To procurando alguém.
Quem?
    Não sei ainda.
Como assim? Uma pessoa qualquer?
    Não, um alguém específico.
E essa pessoa tem nome?
    Tem... Qual o seu nome?
Vitória.
    Ahn.
Sou eu quem você procura?
    Não sei. Acho que poderia ser você, ou eu, ou outra pessoa.
Mas não qualquer outra pessoa.
    É.
E se a gente fingisse que eu sou esse alguém?
    E então?
Aí você me diria por que estava me procurando.
    Eu queria conversar...
Ah é? Sobre o que?
    Sobre nós.
Explique-se.
    Queria perguntar por que nós não temos nos falado.
Mas eu não te conhecia antes.
    O porquê disso seria a minha segunda pergunta.
Mas como nos falaríamos se eu não te conhecia?
    Não é isso que estamos fazendo?
Hipoteticamente?
    Também.
Eu sou quem você procura?
    Não sei, você é?
Não sei.
    Você se incomoda em não saber?
Não. Por que me incomodaria? Ninguém sabe de nada mesmo.
   Eu também acho, mas não tenho certeza.
A certeza caminha junto com a ignorância.
    E a ignorância é o caminho mais fácil pra felicidade.
Não.
    Sim.
Então você não é feliz?
    Não... Você é?
Não.
    Ahn.
O que?
    Acho que você não é a pessoa que eu procuro.
Eu sei que não.
    Como sabe?
Porque eu já te encontrei.
    Então eu não preciso mais procurar.
Por que?
    Porque eu também já te encontrei.

segunda-feira, 4 de maio de 2015

Noite fria.

I.
Relembra-me da noite fria
No doce lar dos teus amores
De quando a sanidade esguia
Me levou a derramar torpores

II.
Relembro dos teus doces seios
Do âmago da tua companhia
Mas a paixão pelos meus receios
Dominou a escuridão vazia

III.
Bebi o amargo do vício
Tomei o meu porre de horror
E ofereci, em sacrifício
A vida do meu grande amor

IV.
Perdoa, perdoa, Aurora!
Que eu não te acabei por maldade
Eu não quis deixar-te ir embora
Eu não soube amar de verdade

V.
Tirei-te a vida, criança
Chorei-te nessa noite fria
Matei-te por insegurança
No calar da escuridão vazia

Aurora:
Eu sinto por não ter deixado
Certeza do quanto te amei
E por tanto ter-te amado
Pergunto-me onde eu errei...

domingo, 3 de maio de 2015

Elle voulait.

Eu queria ter-te querido
E ser-te querido eu quis.
Eu queria ter te sentido
E ser, por ti, sentido
E ver, em ti, sentido
Mais do que o querer sentir.
Eu queria sentir que quero
E sentir-te, em mim, espero.
Por querer-me sentir em ti,
Eu fui sem querer partir,
Eu quis não querer sorrir,
Por receio de me descobrir
Menos do que eu quero ser,
Mas foi-se o amanhecer
E o anoitecer das vontades
E ludibriei-me em beldades
Que eu nunca quis possuir,
Mas aí era tarde demais,
Mas aí tu me deixaste ir
Sem querer me tentar amar
E a certeza te deixou calar
E o silêncio se deixou fazer.
Em ti eu tentei me esconder,
Por ti eu tentei melhorar
E por ti eu quis não querer;
Quis-te em tudo um tanto
Para calar-me o pranto,
Para secar-me o rosto,
Pois não me encontro disposto
A deixar quem me deixou partir.
Se me amas, que me queira,
Se me queres, que me diga,
Que me espere ou que me siga
Mesmo eu sendo mais um tolo
À caminho da perdição!
Pois, no negrume da paixão,
Eu guardei os teus lábios vis
E, enquanto minha boca mente
E te diz como indiferente
Eu almejo secretamente
Esse alguém que já me quis.


(a)