segunda-feira, 30 de setembro de 2013

Infernal.

Todo pecado, por ser pecado, seduz a vontade.
A escuridão toma o homem como a o algodão absorve a água, induzindo-o à sua vontade primordial: Não obedecer.
E então, ao não obedecer, o homem perece diante à vontade divina.

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É uma tarde nublada, como todas as outras tardes naquele lugarzinho infernal.
Aquela secretária idiota está fazendo o mesmo trabalho de sempre, levando duas vezes mais tempo do que deveria.
Como sempre.
Ela não é particularmente bonita, mas tem um par de coxas grossas e lisas, daquele tipo que seduz a vontade.
Um homem, provavelmente seu chefe, vai de encontro a ela e a faz corar. Sussurra algo no ouvido dela que não é digno de um homem de aliança e paletó. A moça, diante disso, para de escrever por um instante enquanto o patrão caminha de volta para a sua sala.
Com seu olhar de inocente malícia, a secretária passa a escrever mais rápido do que antes enquanto tenta esconder um sorriso que mereceria um prêmio para pessoas especialmente burras, se houvesse um.
De repente, seu olhar atravessa a sala e encontra sua bolsa. A mulher corre em direção a esta, tira de lá um frasco e borrifa em si mesma algumas vezes. Pega alguns papéis e uma pasta e se dirige para a sala do bem apessoado canalha, que a espera enquanto quebra uma bala de menta na boca.
Os dois, por mais distantes que sejam intelectualmente - a primeira, uma estúpida secretária que mal conseguiu completar o ensino médio. O segundo, um bem sucedido filho da puta. - seus corpos se atraem com a rapidez de duas cargas fortes e opostas, que têm como único empecilho as peças de algodão e linho que se desfazem no carpete do chão. As chamas, embora invisíveis, se encontram ali, no calor do momento. Não fazem parte de um mundo material e físico, mas de algo que só existe na mente daquelas pessoas e na sua. O mundo das idéias, dos pecados e do perdão.
Aquilo é o inferno.
O momento, o calor, o segredo.
O paraíso da perdição.

Tudo.

Um escritor senta em sua poltrona com um copo de café na mão, um livro na outra e o mundo inteiro ao seu redor.
Não vê tudo além do livro, mas no livro contém tudo, pois é exatamente o livro que desvia a sua atenção para o mundo.
O mundo olha para o poeta, o poeta toma um gole do café e o café é o mundo.
Nada, em sua totalidade, é menos do que tudo, isso inclui o café e o poeta.
Mas não inclui o mundo.
O mundo não é tudo, pois sempre foi tratado como tal.
E dentro de um já suposto tudo, existem muitos outros tudos para serem considerados.

quinta-feira, 26 de setembro de 2013

Coca.

Suas pupilas guardam a escuridão da alma, seu silêncio esconde o ódio por si, por outro, por mundos, pelo tempo. Ela afasta aqueles ao seu redor, se esconde da luz que a cerca, respira a morte. Ela se afoga em mágoas esperando chegar à superfície, desiste de si mesma e desiste de desistir. Vive, mas sem viver. Cultua o mal estar, despreza o futuro e secreta destruição. É paradoxo que espera ser salvo pela razão.

quarta-feira, 25 de setembro de 2013

Lamento Materno.

Desanimada maré,
Porém nada é
Eterno em mim.
Que venha o terno então!
Seja de ilusão teu voo, partida,
Assim, não vou reclamar besteiras
Muito menos, sofrida, chorar
Dores de cabeceiras, amores
Triste-magoados.
Mas foi tão pouco por mim
Que viste passados, choraste
Em outros, meus anos dourados!
Me sento e rio
Do rio em que vi-o nadar
Rio que já vira mar.

segunda-feira, 23 de setembro de 2013

Fuja.

Os mosquitos não vão parar de morder seu pé, aquela moça bonita acha você insuportável e o dia não vai ser melhor amanhã. Seu alarme não vai tocar, os problemas dos outros não são tão simples assim e você não vai conseguir resolvê-los. Você não é o herói da história e muito menos o vilão. Ninguém vai notar se você não aparecer, encontros perfeitos não existem e você não é tão inteligente quanto pensa. O passado não vai voltar, ninguém liga para suas dores e para os seus dramas. Não vai ser uma mulher que te fará melhor e outras virão pra te provar isso. Não existe gente boa o suficiente que queira alguém assim. O mundo não é bom, você não pode sempre fugir da chuva e todos estão te evitando. A mulher do metrô não vai sorrir pra você, você não vai ganhar na loteria e não vai roubar um banco. Você não pode se culpar pelo estrago que o mundo lhe fez e não pode consertar o estrago que ele fez nos outros. Não existe vida após a morte, não se pode prever o futuro e você vai fracassar em ser extraordinário. Sua opinião não é uma verdade absoluta, seu raciocínio não é perfeito e você não é Deus.
Você não é Deus.
E ela não vai voltar.

domingo, 22 de setembro de 2013

Gota.

É um dia frio com pessoas frias.
Nada de bom acontece, mas o tempo continua a passar.
Em uma rua particularmente comum,
um ar condicionado particularmente comum está ligado.
E então uma gota cai.
Enquanto cai, o homem no sétimo andar do prédio ao lado grita com a mulher.
O filho do padeiro da esquina se queima com o calor do tabuleiro.
A empregada do segundo andar se masturba pensando no primo,
o porteiro da outra rua descansa os olhos e o escritor chora.
A dona do apartamento do segundo andar está,
enquanto a gota cai,
anotando um número de telefone,
um pouco distante dali.
O homem da cobertura está fora,
a criança do nono andar pensa em se tornar artista
e a gota continua a cair.
Por que o escritor chora?
A gota chega ao chão.
E o chão chora com o escritor.

Cegueira.

Estou nas mãos do destino, em um desejo irrefutável, imutável, irresponsável e inacreditável pela falta - da falta da falta - de vida. Suo a vontade de alegria, me recuso a inalar mais alguma coisa que não seja esse cigarro. Meu presente é de cinzas, meu passado de cetim e meu futuro é de ausência. Ausência do próprio futuro, talvez. (De mim?) Certo como a morte de agora, meus olhos não vêem mais a luz - ou a luz já não me vê. Minha alma é vazio infinito - se é que existe qualquer outro vazio - de um universo sem estrelas.
E o que sobra? O que existe, se não pode ser visto?
A escuridão.
A negrura da alma, do mundo.
Estou cego para o amor.
Estou morto.

segunda-feira, 16 de setembro de 2013

- P.

Ele colocou a primeira roupa e saiu de casa. Encontrar aquela mulher, gorda e ignóbil, era uma tarefa semanal entediante, mas necessária. Gostava de pensar nisso como cortar as unhas ou ir à igreja.
Seu incansável monólogo já estava atrapalhando os pensamentos de Paulo, que estavam na calcinha da garçonete, quando a comida chegou. Aproveitou o som do alimento sendo triturado na sua boca para ignorar o que estava sendo dito por aquela infeliz consequência de seu jantar, sentada à sua frente como um saco de estrume.
A menina pagou o jantar, de novo. Mesmo se tivesse dinheiro, Paulo não pagaria tanto por comer tão pouco nem em um milhão de anos. Era pra isso que ela servia afinal, não era? Paulo não tinha mais dinheiro. Ele havia torrado tudo com ressacas anteriores e, já que as bebidas também eram por conta dela, não gastava nenhum dinheiro para conseguir comê-la.
Sua vida não era mais do que comer e dormir. Não era o que ele havia imaginado, era melhor. A única parte que o divertia mais do que ver alguém se importando com ele era ver a cara de decepção que essas pessoas faziam quando percebiam que ele as abominava. Não era uma vida perfeita, mas chegava perto disso.
Paulo era feliz.

quinta-feira, 12 de setembro de 2013

Futuro? (Ser eu.)

Acho que não tenho escapatória.
Físicos são prepotentes,
Escritores são depressivos,
Artistas são pobres,
Psicólogos são loucos,
Bons homens morrem cedo
E salafrários vão pra cadeia.
O que será de mim?

quarta-feira, 11 de setembro de 2013

A Pia.

Minha pia abre sozinha.
Não é uma coisa recente, nem nada que tenha acontecido de uma hora pra outra. Ela começou pingando um pouco, depois começou a abrir mais e hoje em dia ela molha a minha cozinha inteira.
Fui perguntar pra ela o que ela queria, mas ela sempre muda de assunto e nunca consigo focar nessa questão.
Já tentei de tudo, tudo mesmo, falei inclusive com meu médico. Ele me disse que estou maluco, mas tenho certeza de que a pia é esquizofrênica. O médico não entende por que eu acredito que a minha pia tem problemas mentais, e eu, além de não compreender por que ele duvida de mim, ainda não encontrei algum outro motivo que ela teria pra ela se abrir sozinha. A pia, por outro lado, diz que está tudo bem e que meu médico é quem está maluco, diz que eu sou completamente são.
Infelizmente, talvez ela seja esquizofrênica, então não posso dar muita atenção ao que ela diz.

Querida Moça Bonita...

Não sou quem almejou que eu fosse, mas sou completo e infinito, agora que não corta minhas asas de pecado. Sou aquilo que sempre fui, com um pouco mais de amargura que o mundo me causou.
Vim para dizer-lhe que, apesar de não possuir qualquer traço de nobreza em meus atos e costumes - e isso você observou bem - meu espírito ainda é mais nobre do que seu débil caráter mesquinho.
Não acredito agora que um nobre de alma possa julgar as sombras do outro; não. O mais nobre é aquele que enxerga a nobreza em todos, e foi justamente isso que deixara pra trás: a humildade.
Amo-lhe ainda, mas diferente de como amava. Não de uma maneira egoísta ou exacerbada; amo como a todos os outros, vivos, mortos ou inanimados. Amo por ser fragmento do universo tão significante quanto eu, pois aprendi a amar a vida.
Ainda assim, guardarei o segredo da minha verdadeira natureza; não quero que zombem da visão que tenho de mim mesmo exatamente como zombei da sua própria.

terça-feira, 10 de setembro de 2013

Bom dia.

Você acordou muito bem hoje. Na verdade, acordou tão bem que tudo ao seu redor parece estar conspirando a seu favor. Você quer rir, chorar e viver em um dia de pura e inegável felicidade.
Pra ser sincero, é ela a razão do seu refrão, do seu céu nublado de manhã. É ela quem faz tudo ficar mais tranquilo, como no primeiro dia de primavera, como uma boa chuva de verão.
É uma pena que, justamente nesses dias em que parece que nada de tão ruim pode acontecer e estragar o seu humor, algo de ruim acontece.
E estraga o seu humor.

Boa noite.

Boa noite mesmo.
Isso mesmo, boa noite.
Não está entendendo?
Pois vou repetir:
Boa. Noite.
É isso mesmo que o senhor ouviu.
Quer que eu soletre?
B-o-a espaço n-o-i-t-e
Ponto.
É. Ainda não entendeu?
Não estou com paciência para palavras de baixo calão.
Falo como Eu bem entender, e pode ir me dando licença.
Não ouviu?
Me dê licença, pois vou me retirar.
Me orgulho sim.
O senhor teve o que estava pedindo, avisei para não me provocar.
O que?
Ah é?
Nem precisa fazer essa cara.
Só tenho mais uma coisa a dizer:
Obrigado.