domingo, 20 de setembro de 2015

Dois.

Abre-se um vão entre a minha mão e a tua
E teu quarto se divide em dois.
Tua cama fica do teu lado e
O conhaque fica do meu.
Tua vida fica do teu lado e
A saudade fica do meu.
A tristeza fica,
A melancolia chega,
mas aí eu lembro do conhaque.

Bebo.
Quebro a garrafa rindo.
Corto o vão entre a minha mão e a tua.
Puxo-te pro meu lado do quarto,
Puxo-te para mim,
Puxo a cama pra mim,
Corto teus protestos,
Corto tuas palavras,
Corto tua língua;
Todos os lados são meus,
Todos os quartos,
Todo conhaque.

quarta-feira, 16 de setembro de 2015

Cotovelos

Teus cotovelos são ásperos
como as tuas palavras vazias
percorrendo a minha garganta
enquanto eu te repito:
Não há nada a ser feito
Já não tem mais jeito
Não te amo mais.
Puta
Puta
Puta
Queria rir da tua mediocridade
mas nem isso eu posso mais
(teus cotovelos ainda estão
arranhando minha garganta).


- Arrancado do capítulo Partes tuas que eu não gosto.

Segredos contatos a uma parede às 3:25 da manhã.

Um dia eu ainda te pego pela mão e me apaixono, um dia a gente se esbarra e se agarra assim no meio do metrô, da barca ou da multidão, só pra rir dessa palhaçada toda. Teu ex ainda vai me odiar, mas não vai mais importar, porque eu te amo (amarei). Eu te prezo (prezarei) e te procuro (procurarei) quando chegar a solidão.

delírios

tentei escrever, mas o cigarro ficava apagando e as plantas secaram porque eu não as regava, a água ferveu e eu não estava lá porque tentava acender o cigarro enquanto as palavras se vomitavam de dentro de mim e, enquanto eu me abandonava, as comidas da geladeira estragaram e o cachorro morreu de fome, eu morri vazio enquanto as palavras continuavam a sair, mas aí perdeu o sentido - não existe sentir sem ser e não existe domínio na não existência; não existe tocar e vibrar e matar e morrer se essa língua não se cala enquanto o resto do corpo se estraçalha em sílabas, letras, agudos e circunflexos na melodia muda do desespero, no uníssono do silêncio e no estilhaçar dos músculos das mãos, dos braços e da boca e, do mundo das ideias ao físico, eu pulsei e ecoei nas paredes dessa sala de jantar enquanto a água fervia e o resto dormia, enquanto você se esquecia e o universo suspirava.

segunda-feira, 14 de setembro de 2015

Cravos.

Começo a me perguntar se sempre fui esse verme rastejante que hoje sou, mas o estômago logo reclama e a vontade volta a me assombrar. Minha cabeça me pune e punge toda vez que tento pensar demais, meus dedos doem enquanto as palavras saem, e a parte de trás dos meus olhos não quer mais ver luz. Levanto-me, caminho até o banheiro, olho-me no espelho e vejo um enorme monte de merda. Quando foi que eu cheguei aqui? Eu tinha uma família, amigos, trabalho e era feliz. O que me fez optar pelos sussurros da esquizofrenia, senão ela própria? Olho de novo e vejo uma pequena mancha rosada no meu ombro. Me inclino para descobrir que se trata de um cravo inflamado. Espremo-o, fazendo com que minha pele libere um líquido branco e viscoso. Espremo-o mesmo sabendo que isso só vai piorar o aspecto da coisa porque eu não me importo. Nada importa enquanto a vontade estiver aqui e, enquanto esse veneno me pertence, eu serei meu principal carrasco: vivendo de cravo em cravo e me perdendo em meus reflexos.

Signo.

Eu não acredito em signos,
mas finjo que acredito
porque as crenças de antes
já não me convencem mais.

Acendo mais um cigarro
porque a minha lua está em câncer
e meu ascendente em aquário.
Foda-se.

Seja lá onde minha lua estiver,
eu não estou aqui.
Nenhuma dessas pessoas
me completa ou me pertence,
nenhum desses versos
me descreve e
nenhuma explicação
me satisfaz.

terça-feira, 8 de setembro de 2015

Mulheres.

eu estava dentro de um ônibus lotado
quando uma moça passou a bunda na
minha mão e eu disse "que desrespeito"
e ela disse "por que?", ela não
entendeu, talvez não tivesse percebido
mas percebeu sim, estava só fingindo
e então eu expliquei pra ela que
a minha mão é especial, é com ela que
eu escrevo, coço o saco, bato uma e
toco violão, mas ela não quis saber
queria que eu passasse a mão de novo
mas aí eu disse "me desculpe, eu
tenho um problema sério, sou um
pervertido e passei a mão em você"
então ela me deu um tapa na cara e
foi embora sem olhar pra trás.

sexta-feira, 4 de setembro de 2015

Nádegas (I)

Veja bem, eu tenho um grande apreço pela sua bunda. Desde pequeno, essa bunda tem perseguido meus sonhos e meus cotidianos, está no silêncio entre cada palavra que eu digo e na ponta de cada fio de cabelo meu. Está na ponta da minha língua cada vez que eu vou falar de amor, desejo, perversão e submissão. Eu viveria por essa bunda, compraria e a penduraria na minha parede se fosse possível, talvez eu até morresse por ela. Não é você, é a bunda. Você pode ser tudo de pior no mundo, porque eu não te ouço. Eu não sei como é a sua voz, não sei qual é o seu rosto, só sei da bunda e é só ela que eu quero, é só dela que eu preciso. Então bate na minha cara e sai por aquela porta a hora que você quiser, mas vai escondida. Não me vira as costas, não me deixa ver esse presente que Deus me enviou, porque senão eu não te deixo ir.