quinta-feira, 28 de julho de 2016

Se eu fizer mais algum texto sobre cigarros, eu paro.

Se alguém me perguntasse, eu diria que o fumo não me preocupa. Todas as quatro mil e setecentas substâncias tóxicas matam do mesmo jeito que outras dez milhões o fazem, não há novidade nenhuma nisso. O problema não é a morte. Não é e nunca foi, pra falar a verdade. Não existem anúncios do tipo "pare de morrer" porque não é algo que possamos impedir ou dialogar a respeito com um conhecimento que vá além do básico: morremos. O objetivo por trás da morte tanto quanto o porquê de morrermos permanecem desconhecidos na maior parte dos casos, muito provavelmente porque não é do nosso interesse ou não está ao nosso alcance saber. O grande problema aí é querer morrer. O cigarro (assim como meus colegas desarmamentistas diriam) não sai por aí cometendo latrocínios. As pessoas escolhem morrer. E talvez pareça um fenômeno muito peculiar quando paramos pra pensar no que essa vontade representa, mas a mim é uma consequência perfeitamente natural ao modo de vida que temos adotado. Veja bem, o problema não é o cigarro. O problema também não são os fumantes, que nasceram tendenciosos ao suicídio. O que eu vejo aqui é apenas mais um grito de socorro. O que eu vejo aqui é dor, sofrimento, agonia, ignorância... Eu vejo uma sociedade há muito perdida nos seus objetivos, e não é pra menos! Afinal de contas, aprendemos, durante toda a vida, que determinadas regras deveriam ser seguidas, sem antes perguntarem-se se estamos de acordo com essas mesmas regras. Agimos da forma que alguém disse que devemos agir e vestimos o que alguém disse que devemos vestir. Nos apegamos ao fútil, e a tudo que é agradável à vista, mesmo que não sirva pra nada de primeira ou segunda instância. Somos bombardeados dia após dia com a ideia de que comprar é viver e viver é comprar, mas sabemos, no fundo, que algo está errado. Sabemos que, não importa o quanto a gente compre, o vazio existencial não some. Somos guiados à nossa própria insignificância e somos ensinados a guiar os próximos que virão. Não nos importamos com a nossa própria morte porque a morte em si já não dói mais do que ser massacrado diariamente pela constatação cada vez mais óbvia de que isso não é vida. [...]

terça-feira, 12 de julho de 2016

o mundo passa

o mundo passa e eu aqui
no café e na escrita
tomando um trago de cada letra
exalando a expressão linguística
pelos poros da introdução
ao interior autobiográfico de mim
e enquanto a agulha literária penetra
na raiz dos meus medos e angústias,
toda exclamação impera
e os segredos vazam pela superfície
e as verdades se escondem em vírgulas
por medo do que está por vir.
– o amor faz, aos corações partidos
o que cupins fazem a uma casa velha –
e então, sem mais nem pouco
os teus cupins me deixam oco

aqui



                                aqui




        e aqui



e não me sobra nada a dizer senão o óbvio:
estes meus cacos não aguentam mais chorar
por terem tido vontade de cair de amores
em quedas maiores do que o corpo aguenta.
a verdade é que, de meu essencial poema
destruíram-se as estrofes e as rimas
e nada mais de mim sobrou senão
os espaços deixados por nós
nesse começo de parágrafo.

domingo, 10 de julho de 2016

O Humano e o Monstro.

Às vezes me vejo como um menino bobo que projeta seus medos em realidade, pulando pra voltar pra cama de noite e cobrindo-se com medo de monstros fictícios. Como se a possibilidade de algum ser sobrenatural habitar meu quarto fosse menos complicada de encarar do que a aceitação dos meus lapsos de raciocínio presentes no calar da noite. Em suma, minha mente prefere projetar pra fora de mim a inconsistência de certezas que reside na minha atualidade, gerando a ilusão de que o único problema é a possível existência do monstro. Mas não para aí. E se eu decidir projetar meus medos em uma pessoa? Obviamente, essa pessoa mostraria traços de individualidade que, seguindo meu impulso natural de redirecionamento daquilo que me envenena, eu abominaria e tentaria, de todas as formas, criar-me em um ideal diametralmente oposto, como se, no monstro, eu encontrasse a grandiosidade de valores - tanto bons quanto maus - e quisesse duplica-la da minha própria forma, pra contra-atacar a aberração que eu mesmo inconscientemente criei, para então eu poder superar o problema. Seguindo essa linha de raciocínio, percebe-se que, ao passar o medo inicial do monstro, há para ser compreendida uma imensa vontade de se tornar grande como ele - caso, é claro, que o indivíduo possua esperança de vence-lo. Na questão da cama seria mostrar-se maduro e fingir que tem certeza de que o monstro não existe (mesmo diante da ausência de plateia, a consciência já possui um orgulho previamente desenvolvido, suficiente para faze-la manter-se como audiência para a sua própria atuação). No auto-crítico, por outro lado, o processo vem auxiliado de um ódio pelo objeto - ou pessoa - no que - ou em quem - o monstro é projetado. Nesses casos, como nos outros, acaba por haver um desvio de foco tão grande do problema original que a finalidade do monstro se perde, dando forma a um novo inimigo: um obstáculo, uma antipatia ou uma vontade secreta consomem o receptáculo em fúria, desconfigurando o objeto que, outrora neutro, passa a exibir um aspecto asqueroso e repulsivo para o dono da projeção.

A todo e qualquer propósito.

Se pararmos pra pensar, tudo em volta de nós está caindo aos pedaços. Não sei quantos de nós pensaram isso e foram apagados pela constante onda de presente, não importa o quão fútil e desnecessário a ideia atual realmente é - pois é tudo uma questão de aparências. Se não atrai, não vende. Por isso novos pensamentos morrem, não possuindo apoio financeiro ou social de primeira instância. No panorama político, por exemplo, o governo apresenta-se pouco produtivo na qualidade de ideias, com prioridade na manutenção do velho e constante retardo na implantação do novo, mas não vejo que isso acontece de forma proposital. Talvez essa improdutividade seja somente uma manifestação do óbvio: aquilo que um ser humano possui não pode ser critério de importância dada a ele diante de uma escala social. Afinal, a vida de um homem não pode depender da liberdade desse homem de se expressar diante de um contexto onde a liberdade de expressão é comprada. Fazem-se ouvidos aqueles que tem meios de faze-lo, extinguindo a verdadeira sabedoria como bem comum. A mentira é propagada em tons de verdade e a relatividade é resumida a um conjunto de instruções. Existir então significa tomar um de dois rumos: seguir como verdade aquilo que é apresentado ou optar por montar-se e desmontar-se de diferentes formas sem o manual de instruções. Mas o problema não acaba aí. Vamos supor então que eu escolha não me adequar. Ainda assim, na complexidade de qualquer ato, encontro razões para duvidar de mim. Afinal, se a liberdade humana não existe de verdade, quem sou eu para tomar escolhas que me farão progredir? Socialmente, eu sou apenas uma pequena engrenagem na evolução humana, provavelmente insignificante ou "inabsorvível" por essa enorme onda de pensamentos que me camuflará de um modo geral  a internet. Filosoficamente, minha existência não faz o menor sentido. Ao contrário do que diria Sócrates em "Penso, logo existo", que, erroneamente, justificou a existência com o pensar sem justificar o pensar com outra coisa que não a própria ação, eu não acredito na lógica da minha existência. Se estou aqui pelo fato de estar, então não estou por motivo algum. Se existe algum propósito, mas ainda não me foi revelado, qualquer tentativa de alcança-lo será um tiro no escuro. A sociedade gosta de pensar que existe algum tipo de "força" guiando-a pelos caminhos certos, mas isso é um tanto improvável, visto que a evolução nas últimas décadas levou à destruição de boa parte da Natureza que nos cerca, à intolerância religiosa e, eventualmente, guerras abastecidas por ganância e vingança. Talvez essa "força" não seja tão correta do nosso próprio ponto de vista como sociedade, talvez não exista força alguma. Mas aí volta a questão do propósito. Se posso ser qualquer coisa, por que eu me encaixaria em um padrão e, mais do que isso, por que eu quereria faze-lo, se tal padrão foi aleatoriamente criado por um conjunto de processos destrutivos e prejudiciais à própria raça humana? Daí então, como se só essa auto-enganação não se estendesse o suficiente com o constante estreitamento da liberdade de expressão humana, exige-se que, socialmente, haja um conjunto de comportamentos aceitáveis e idolatráveis para a sociedade que é, hoje, a do consumismo. A individualidade não somente morre no caminho a ser seguido, como também no modo com que o caminho previamente definido é trilhado. O sistema humano é tão controlador que não deixa espaço para o livre pensamento, mantendo quaisquer medidas de educação sob controle para que não excedam sua esfera de conhecimento. Basicamente, tudo que defendemos é ou tem grande possibilidade de ser hipócrita, toda escolha é uma prisão dentro de outra prisão e a evolução é monitorada. Alguém move-se dois passos pro lado considerado errado e uma gama social pára de ver esse alguém como ser humano. Em outros casos, caso a ideia se sustente socialmente, outro grupo passa a defende-la, o que gera uma polarização de uma certa filosofia primitiva, com conflitos fomentados pela prepotência de cada grupo ao afirmar possuir uma verdade absoluta. Então o que fazer da minha vida? Ignorar a única questão que me dá qualquer pista do meu propósito no mundo  ou da falta dele  e engolir tranquilamente tudo de podre que o futuro me reserva? Se a vida me dá limões, eu posso fazer uma limonada, mas o que eu faço quando o mundo me mostra a fome, a angústia, a miséria, a destruição e a ganância tomando conta de tudo que me cerca? Interiormente, queremos acreditar que existe sempre uma solução fácil para todos os problemas que possamos enfrentar  e isso se reflete no cinema Hollywoodiano: invasões alienígenas, asteróides, deuses e outras forças sobrenaturais, mas será que o mundo é assim? Se não lidamos com as questões mais básicas de convívio (como tolerância, reciprocidade, coletividade) quem nós somos perante os problemas que existem fora dele? Mas isso nem deve ser levado em conta quando percebe-se que a probabilidade é de falharmos como sociedade antes que qualquer outro desastre possa acontecer. Destinados ao fracasso por nem sequer termos pensado em tentar, tirando o resto de liberdade de nós mesmos ao permitir que o controle total da individualidade seja dado a governantes com seus próprios interesses mesquinhos. Eu não me permitirei. Estou cansado dessa falta de essência no cotidiano e gritarei silenciosamente minha revolta para com o indiferente. Discreta, mas irredutível, deixo que minha insignificância seja notada.

sábado, 9 de julho de 2016

Eco cotidiano

Sinto que tem algo errado. Acordei hoje sóbrio, sem dor de cabeça, sem dores randômicas nas juntas ou em qualquer outra parte do corpo. Ando até a cozinha e preparo uma caipirinha.
Caipirinha é um drink típico do Brasil. Não sei exatamente por que diabos misturar limão, cachaça e açúcar deva ser motivo para qualquer orgulho patriótico desnecessário, mas sigo sorrindo se algum gringo me pergunta se eu sei fazer caipirinha. Sei que gringos não são burros, sei que as escolas em países mais desenvolvidos são melhores do que as nossas, mas devo dizer: alguns deles se esforçam.
Terminei minha caipirinha e fui pra piscina. Nada pra fazer no sábado. Nada pra fazer no domingo, na segunda e et cetera, mas eu gosto de viver um dia de cada vez. Ainda na piscina, sinto que algo falta em mim. Alguma coisa foge do cotidiano não-normativo que eu gosto de manter com o meu corpo.
Acendo um cigarro.
Pronto, agora tudo está bem. Acredito que aquela sensação de antes era só a falta que a nicotina faz nos meus alvéolos. A falta da falta de ar que me causa é, devo dizer, desesperadora. Estou um pouco embriagado agora. Dou outro trago no cigarro. Matar-se não é nada mais, nada menos que viver. A música que os pássaros fazem no meu ouvido não é mais preciosa do que o estalo que o tabaco faz ao carburar na minha boca, que as trepidações do gelo fazem no meu copo.