quinta-feira, 30 de abril de 2015

Para o que foi perdido.

Julieta, minha aurora, minha razão de viver, eu já teria-te escrito se eu assim pudesse, bebido-te-ia e desmancharia os papéis chorosos com tanto choro derramado e coração partido! Me perdoa pela irresponsabilidade tola que foi não te amar-nos mais... Eu sou um quadrúpede primitivo dos mais lodosos pântanos de todo esse planeta, mas não te quis mal a nós, Vita Belle. Eu nos amo e nos peno por amar sozinho, e nos sofro por guardar-te de mim, mas eu não quero! Eu quero ter vivido tudo aquilo que te rodeia, ser rodeado por todos aqueles que assim te fazem, ser querido por ti e por todos. Por ti eu amarei todos os outros quadrúpedes primitivos e não mais anteciparei matá-los - como matei a mim, mon amour, quando te vi partir de mim, quando olhei-te em nós e não quis. Sente meu peito com tuas delicadas mãos e vê se eu minto. Sossega meus lábios com os teus e descansa teu corpo em nós dois pra desgastar a solidão. Você nos falta, ma petite, em cada pedaço de nós.

quarta-feira, 29 de abril de 2015

Psychosis.

I'm devastated, I'm
Hollow, I'm empty
(I am, I am, I am, I am).
Sanity is leaving me slowly.
There are no voices,
There's nothing wrong with me.
Avoid the suffering, ignore.
Ignore them, ignore... me.
I am not, I was not, I will not be.
Who am I? Who is she?
Benjamin Charles Hampton
Cut the nails off, Jerry.
I don't want this hair on my...
(I am, I am, I am, I am)
I said cut the nails, Jerry!
Paint the walls red.
Dinner is ready, darling!
Don't play with scissors, don't
Don't you dare, Jerry...
(I won't, I am, I am)
Perfect.

terça-feira, 28 de abril de 2015

Se você for...

Se você for meu grande amor,
Não me sujeite à pequinês.
Se você for, bem, por favor,
Não me enfeite de acidez.
Se você for, não volte!
Se for pr'eu ir, me solte!
Se eu for frio,
Não me esquente.
Se eu for chato,
Não me aguente.
Se eu for errado,
Não me ensine.
Se eu for mimado,
Não me mime.
E se você for, meu bem,
Não vá.

segunda-feira, 27 de abril de 2015

Matando pássaros.

Parte 1

Não deixar de escovar os dentes.
Não deixar de tomar banho.
Sempre dizer "com licença" e "obrigado".
Sempre usar o cinto de segurança.
Tirar notas altas na escola.
Não ir de madrugada para a cama dos pais.
Não pular no sofá.
Não deixar louça suja na pia.
Não deixar de almoçar ou de jantar.
Não imaginar bobagens.
Não deixar a torneira aberta.
Não deixar as luzes acesas.
Não desobedecer os pais.
Não faltar aula.
Não deixar roupa jogada pela casa.
Não ter medo do escuro.
Não ter medo de monstros.
Tratar bem os animais.
Não ir brincar antes de estudar.
Sempre rezar antes de dormir.
Não sonhar alto.
Não chorar em silêncio.
Não ir dormir tarde.
Não brincar com a lâmina de barbear.
Não acordar tarde.
Não acordar.

Parte 2

Não enlouquecer.
Não arrastar os passos pela casa.
Não acabar com o cigarro.
Não se acabar.
Não ouvir as vozes da sua cabeça.
Não esperar pelo melhor.
Não abdicar do dinheiro.
Não abdicar do arrependimento e da amargura.
Não matar os pássaros.
Não perdoar antigas desavenças.
Não temer o escuro.
Não temer a solidão.
Não temer a morte.
Não se submeter a vícios.
Não alimentar os pobres.
Não reclamar.
Não reagir.
Não opinar.
Não acordar.

quinta-feira, 23 de abril de 2015

So le tra - nos.

Soletra-me de cabo a rabo
Tira-me o vestido que me veste
Arranca-me a pele e a saudade
Arranca de mim o ócio
Arranca de mim meus gritos
Sossega-me nos teus lábios secos
Fuma minha dor no teu cachimbo
Despedaça-me no lençol da cama
Despedaça-me no pára-brisa
Despedaça-me em várias outras
Insinua-me nos teus sonhos
Lambe minha pele nua
Lambe o meu sentimentalismo
Lambe minha existência
Cospe fora minha ausência
Cospe fora meu pudor
Ignora minha inocência
Ignora-me na cama
Espanca-me de vontade e ópio
Resgata-me da incoerência
Sufoca-me nos teus suores
Segura-me em ti pra sempre.


Segura-te em mim agora, amor.
Solta só quando eu mandar.

Rotinária.

Eu fui devastado pelo cotidiano
e todos os meus prazeres se tornaram formulários:
assinados, enviados e postos em espera para análise mais minuciosa;
para uma diversão mais apropriada;
para uma padronização do meu sentir;
para o meu próprio bem.
Mas meu sorriso industrial enferrujou, querida,
Por isso a confusão.
Por isso esse rosto sempre satisfeito
e essa alma insaciável.

terça-feira, 14 de abril de 2015

quase uma ideia só.

eu não sou quase ninguém
menos do que humano, eu sou
quase uma ideia só, saltitando
nos palpites e palpitações do
seu "subconsciente coletivo"
eu sou um ser mísero, micro
em um macro-universo lascivo
nocivo, ácido de diversas formas
em diversas dimensões, eu estou
absolutamente imerso, dormente
na seiva grossa de agonia e pudor
que preenche as lacunas do futuro
eu sou só mais um fruto podre
me decompondo na imensidão do
espaço, sou um exemplo sujo
dessa amargura cuspida na cara
de uma sociedade vazia e doente.

Vinho tinto.

estávamos nervosos, eu e ela. nunca pensamos nisso, nunca ousamos pensar no bizarro, no anormal. é perigoso, ela disse, mas já sabíamos e não queríamos saber. queríamos fazer. ela começou a me beijar. me beijou a nuca, o pescoço e os lábios. me acariciou o pênis e pegou a lâmina de barbear.
"toma."
seu olhar era de súplica, mas escondia uma inimaginável malícia. tenha misericórdia, seus olhos diziam, quando seu corpo e sua boca pediam o contrário.
"eu quero isso."
eu comecei lambendo-a no pescoço. um pequeno corte e o sangue começou a escorrer. o gosto de ferro invadiu minha boca e me atordoou. o sangue fluiu até o peito e comecei a lamber aqueles pequenos mamilos rosas. ela sentia prazer na dor, eu sentia prazer ao causar dor. mordi seu mamilo e ela gritou de êxtase. tirei-lhe a calça. outro corte na barriga, mais sangue. dessa vez foram dois. os arredores dos meus lábios ficaram manchados de vermelho, mas eu não liguei. tirei-lhe a calcinha e passei a lâmina na coxa. um grande corte do joelho até o ventre. longo, mas sutil. ela revirou os olhos de agonia e prazer, mas eu não me distraí. não era necessário me esforçar, eu nasci pra isso. lambi sua coxa inteira, devorando seus sabores. minhas mãos ficaram sujas, mas eu não liguei. repeti o processo com a outra coxa e me voltei pro ventre. eu não precisava mais cortar, tudo era vermelho. chupei-a com mais força do que fiz com qualquer outra, enfiei-me em dedos nela e ouvi-a gemer. mais um corte na barriga, um grito e mais sangue. minha saliva se misturou ao seu corpo e tudo virou fluido. "me come", ela pediu, mas não precisava pedir. tirei-me da calça, puxei seus cabelos e meti em seu frágil e debilitado corpo, fazendo com que os cortes pulsassem. mais um corte no pescoço e, aos poucos, os lençóis brancos foram ficando vermelhos. continuei metendo e pulsando, pulsando e metendo, lutando ao máximo para continuar consciente. agora não havia mais volta, eu não estava mais no controle. virei-a de bruços e voltei a meter. notei que, por displicência, suas costas estavam intactas. tarde demais, minha mão já havia pegado a lâmina. fiz um corte fundo do lado esquerdo das costas, fazendo o sangue jorrar. ela não se incomodou, não havia incômodo em nós. meti até onde eu queria, mas era tarde demais, pois não era mais eu.  tirei-me dela e olhei seu rabo. tudo estava pintado de sangue e gozo, não me aguentei. segurei-a pelos cotovelos e enfiei-me com relativa facilidade no seu ânus. ela gritou. "não para", ela disse, mas não precisava dizer, eu era incontrolável. eu era ingovernável. puxei-a até ouvir o barulho de algum ombro deslocando, mas eu não liguei. ela gemia como uma puta e tive medo que alguém visse a cena. eu acelerei dentro dela, meti forte. eu não era mais uma pessoa, eu era um monstro. "eu vou gozar", ela disse, então puxei-a pelos cabelos até quase arrancá-los da sua cabeça imunda e meti mais cinco vezes antes de cortar sua jugular. seu interior se misturou ao lençol e tudo virou lençol e sangue. gozei em seu ânus ainda apertado, ainda quente. deixei seu corpo cair como o de um boneco e deixei-a lá de quatro. sua face virada pra cama e sua bunda virada pros céus, seus braços para trás e cotovelos marcados pelo meu amor.

domingo, 12 de abril de 2015

Madrugada.

me faltam palavras
faltam meias, falta gente
e o fogo aquece o corpo
mas a solidão gela a alma
os dentes rangem de frio
o estômago ronca de fome
os outros roncam em casa
mas eu não tenho casa
eu não sou mendigo, eu não
(eu tenho casa, não é isso)
sou bêbado, nem fumo
não gosto do silêncio
nem do estalar dos móveis
ou da palpitação no peito
será que bateram na porta?
acho que não foi nada
eu vou fazer um café
e a lareira está acesa, mas
não tem ninguém pra conversar
está tão frio aqui...
são as paredes, ela me disse
elas são fracas demais
ou foram as paredes dizendo
que nós fomos fracos demais?
de qualquer forma, estou louco
- ou sou incrivelmente tolo?
louco por ouvir o passado
tolo por ouvir as paredes.

quinta-feira, 9 de abril de 2015

Carta para o capitão.

Boa noite, capitão.
Conheci uma garota hoje, o nome dela é Lis. Ela aparenta ser bem mais nova do que eu, mas é tudo que eu sei. Tentei chegar perto e conversar, mas minhas mãos suaram e meu coração quase explodiu no peito. Será que tem alguma coisa errada comigo? Será que perdi o jeito com as palavras? Tenho estado muito solitário quase o tempo inteiro, capitão. Passo os dias bebendo ou de cama e não passo as noites diferente, sou introspectivo com todos que tentam se aproximar e não sinto vontade de fazer novos amigos. Ainda assim, queria uma moça dessas pra deitar na minha cama, sabe? Dessas que a gente vai trabalhar e deixa ela lá porque a presença não incomoda. Pelo contrário: enfeita. Queria conversar com ela os meus medos e inseguranças, dizer de cara quem sou eu e não deixar dúvidas de que eu a gosto, mesmo que não goste tanto assim. Meu pai sempre dizia que as pessoas eram diferentes de mim, que elas gostavam de certezas... Ele estava certo. Queria dar certezas a ela de que tudo vai ficar bem, mesmo que eu mesmo não as possua.
Que tonto eu, divagando sobre uma moça que eu ainda nem conheci! Amanhã eu tento falar com ela de novo. Amanhã não, mas um dia. aí eu paro de te perturbar mandando cartas tolas. Logo logo eu esqueço dos meus problemas e vou viver outra paixão, aí você não vai mais ouvir falar de mim.
Mas por enquanto não, capitão. Por enquanto não...


- Quasímodo.

quarta-feira, 8 de abril de 2015

Vertentes.

O processo criativo não é mais do que puramente mecânico e, como tal, necessita de combustível. O meu, como para muitos outros, é o sofrimento (ler Byron). Eu não necessariamente escrevo textos sofridos, mas é preciso, de certa forma, uma pequena dose de desilusão para que eu comece a funcionar. Sem ela, é como se minhas palavras fugissem de mim. Minha mente perde o foco e começa a viver a letargia da satisfação, e isso é fatal. Afinal, um indivíduo plenamente satisfeito é um indivíduo inútil (ler Nietzsche).
Mas até onde posso desbravar a dor? Me pergunto se sofrer é, pra mim, como a água é para a planta. Se for regada muito pouco, a planta seca e nada sobra dela senão os frutos que já foram colhidos. Se encharcada, as raízes apodrecem e sua essência morre por dentro. Mas como saber sem me doer até a putrificação? Como ter certeza sobre meus pensamentos e, mais importante, como elaborar uma tese sem ter que recorrer à auto-destruição? Eu poderia encontrar objetos de estudo que possuem a mesma singularidade que eu, mas me levaria anos e eu não tenho tanto tempo antes de sucumbir à tristeza - ou tenho?
Há também, além dessa, outras duas possibilidades. A primeira é de que a dor emocional é, para mim, como a insulina é para o diabético. É uma droga, mas é aquilo que mantém tudo em seu devido lugar. Se eu aumento a dose, meu corpo se acostuma e eu não mais posso voltar à dose anterior sem causar danos sérios ao meu emocional. Essa hipótese, além de inútil para estudo, é mais assustadora do que a primeira na medida que, com o tempo, minha tendência é sofrer sempre mais e escrever sempre menos, até acabar sozinho, triste e infértil. Eu seria desvalorizado como o homem que, após fazer-se de grandes feitos, começa a viver no eco do seu próprio passado, sendo sempre comparado à própria sombra; sombra tal que ele nunca conseguirá vencer.
A outra alternativa, porém, é menos traumatizante e me tira menos noites de sono, por isso deixei-a pro final. Minha esperança era de que eu conseguisse terminar o texto sem escrevê-la, por puro egoísmo: se eu não escrevo uma ideia, eu a guardo em mim, e se eu guardo em mim ela não se perde. Mas escrever se tornou um hábito, um vício, e me vejo agora na obrigação de escrever, com perigo de enlouquecer por falta de palavras e desaprender o mundo por falta de eloquência.
A terceira e mais promissora hipótese é de que o sofrer me habita. Não importando a situação, sempre existirá a dor, então sempre me existirão palavras. Talvez essa seja a possibilidade mais fácil de ser explicada, mas é também a mais rara. A dor seria como a fé, que existe no coração de poucos e independe do cotidiano. Para alguns, ela iria e voltaria quando quisesse, mas para outros seria permanente. Como a música foi em Ludwig Van, que continuou a tocar depois que seus ouvidos desistiram de ouvir, a infelicidade não me abandonaria tão cedo, mas isso também não me favorece. Se tudo que eu sou é dor, mas tudo que eu quero é bem, estou destinado à insatisfação. Eu viveria buscando uma felicidade que não me pertence pelo resto dessa vida hipotética. Ou, ainda nesse caso, talvez a insatisfação fosse aquilo que move o mundo, o combustível dos que realizam e dos que contam grandes feitos.

Monstrinho.

não me fale comigo não
eu sou horrível abominável
não me troque carícias
não me ensine malícias
eu sou ruim, saiam daqui
é meu espaço que me pertence
eu não quero mais ninguém
nenhum de vocês presta
nenhum de nós me entende
eu sou simples e complicado
eu sou o claro e o escuro
eu sou poeta, olhem
olhem pra minha cara de bobo
pro meu jeito de ser eu mesmo
prestem atenção, amigos
riam de mim, me aplaudam de pé
nenhum de nós é meu amigo aqui
vocês nem sabem o meu nome.

terça-feira, 7 de abril de 2015

Pra não dizer que eu não falei das fadas.

Ela passa as noites lendo Fernando Pessoa, Álvares de Azevedo, Machado... Ouve bastante Chico e Edith Piaf, mas conhece outros. Ela lê de tudo naquela camisola transparente e espalha, com o sorriso, promessa e esperança pela casa. Seu tom é agudo, seu timbre toca o peito e suas palavras tocam a alma. Seus cabelos incendeiam os lugares por onde passam e seu perfume atrai as fadas, mas ela tem ficado quieta demais. "O silêncio quebra a alma, amor, por que essa ausência?"
Ela não responde.
"Está lendo Maquiavel agora? O que aconteceu com Caio Fernando? Camões? Byron?"
Ela já não me ouve.
Será que ela ainda me lê?

(a)

segunda-feira, 6 de abril de 2015

Caderno.

Essas linhas me irritam
Essas vozes falam alto demais
A luz está muito forte
Está muito quente
Está muito frio
Eu não acordei bem hoje
Eu quero sair, vamos embora?
Preciso xingar alguém na rua
Preciso socar paredes
Quero que chova
Quero que acabe
Quero que morra
As vozes nunca param
"Mate-a de novo", elas dizem
"Mate-a por dentro"

domingo, 5 de abril de 2015

Estúpido.

-Oi.
     -Oi.
-Tudo bem?
     -Sim, você? Você sumiu esses dias...
-Não estou bem.
     -Ahn... Por que não ta bem?
-É bem previsível isso tudo, sabia?
     -Ahn?
-Eu falo oi e você fala oi, eu pergunto se tudo está bem e tudo está sempre bem. Se você disser que não e que está tudo uma merda, eu não vou me importar, mas vou preferir que esteja tudo certo pra não precisar me dar ao trabalho de perguntar.
     -Eu não sei o que esperar agora.
-Todo mundo faz a mesma coisa estúpida todos os dias, estou cansado disso!
     -Você é uma bomba-relógio, não sei por que ainda me surpreendo.
-Todos são bombas-relógio, querida, mas alguns não funcionam muito bem.
     -E você está em perfeito estado.
-Mas eu estou cansado de ser estúpido, sinto como se eu estivesse fugindo dos meus problemas porque é exatamente o que eu estou fazendo.
     -Estúpido você não é, disso eu tenho certeza. Absolutamente babaca, mas estúpido não.
-Então talvez você também seja estúpida, porque eu sou bem estúpido. Se eu também sou babaca, é por pura estupidez, não por essência.
     -Eu sou estúpida às vezes, mas é por estupidez mesmo.
-É tudo uma grande estupidez e o mundo não faz o menor sentido. Eu não consigo nem me divertir com tanta estupidez entupindo a minha cabeça.
     -Existe um plural para estupidez?
-Sabe o que é mais nojento?
   -"Estupidezes".
-Eu fico triste pensando em pessoas estúpidas.
     -Estúpidas como eu?
-Não, você não é uma dessas pessoas.
     -Por que?
-Eu não estou desvalorizando a sua estupidez, mesmo...
     -Ainda bem.
-... e acho que ela é tão boa quanto a minha...
     -Eu entendi o que você quis dizer.
-... mas se eu pensasse em você, não seria só estúpido da minha parte, como também seria desprezível da sua.
     -Desprezível da minha parte? Isso eu não entendi.
-Porque eu só possuo a capacidade de ocupar meus pensamentos com pessoas estupidamente desprezíveis.
     -Queria eu ser uma dessas pessoas.
-Das estupidamente desprezíveis?
     -Das que ocupam essa sua cabeça estúpida.

A verdade.

Eu poderia me entregar
e implorar amores no delírio
a alguém que já me despreza

e poderia chorar em alta voz
prometendo uma bondade que
ninguém nunca vai entender.

Toda enfermidade tola enfrentada
seria motivo de choro e briga
(como foi em tantos meus passados
quando eu me ofereci à paz
e a paz cuspiu na minha cara).

Será assim que a vida funciona?
Ninguém nunca vai me devolver
todo tempo que eu perdi sendo
miseravelmente bom, mas
toda a minha malevolência vai,
eventualmente, acabar sendo
confundida com brandura?


Então foda-se esse teu amor.
Eu quero explodir pessoas.


(a)

sábado, 4 de abril de 2015

A sete chaves.

ah! se meus dedos falassem
e o teu corpo entoasse
a verdade de nós três
e se a confusão cansasse
pouco mais do que ela cansa
nessa dança da nudez
ah! se a escuridão secasse
todo resto de luxúria que
deixamos para trás
e se o meu lençol gritasse
e os segredos ecoassem
nos ouvidos dos mortais
ah! se a minha cama ouvisse
tudo que a boca disse
tudo que essa boca fez
e se meu caminho torto
me indicasse o porto
de retorno à lucidez
ah! se meus dedos falassem!

sexta-feira, 3 de abril de 2015

Ode ao abstracionismo.

Quero que tua lembrança se borre na minha mente como a minha bondade borrou na tua. Quero não te almejar a cada passo e não te desejar a cada segundo, que teu perfume não me pertença e que tua presença não me faça pertencer. Desejo te amar como amei a chuva que passou. Quero que passes como a chuva, amor, que o vento te leve e não traga mais. Quero teu suor, tua pele, tua voz e teu desejo, mas quero-os longe. Minto: eu os quero perto, mas mais eu quero não querer. Quero-te chorar de uma só vez, não desejar-te na embriaguez e te entregar às forças do desprezo. Quero não te falar, não te ouvir e não te admitir, pois tua existência é fatal pra mim - como a desesperança é fatal pro crente, como o silêncio é fatal pro político e pro filósofo. Tua volúpia é minha queda, teu corpo é meu pecado. Mas teu presente, amor, é meu passado.


(a)

Inspira-me.

A inspiração normalmente vem da desgraça ou do prazer. Não posso me dizer desgraçado: nenhum infortúnio me ocorreu ou, se ocorreu, me desceu a garganta com o rum. Quanto ao prazer, queria eu não estar provido de qualquer gozo que me interessa, mas estou. Na situação atual, não me encontro em nenhuma das situações favoráveis a um escritor. Não me é fatal, mas não me é cômodo. Para o poeta, não amar é não sentir e não sentir é não viver.
Mas eu não sou poeta.
Eu sou só esterco.
Para mim, não viver é não viver, não amar é não amar e não sentir é não escrever.
E infelizmente, caros redatores, não escrever é não comer.

- T.

Desgraça-me.

Dona do desejo e da
Volúpia: eu te almejo.
Eu quero exercitar em ti
Meu ócio, meu ácido
Humor e desumor
Meu desnudo desdém
Desinteressante e
Desumano, descabido,
Que se foda! Que se
Exploda a todo vapor
E que o calor do fogo
Te dispa e te disponha
A desrespeitar meu sono
A despedaçar meu ser.
Destrua meu conhecer e
Rasgue-me, acabe-me!
Desinteresse-me e nos
Descarte-me, eu aceito:
O tratamento me condiz.

Conjunto unitário.

Minha razão é a nostalgia, minha obsessão é o arrependimento: quero nunca ter chegado, quero nunca ter saído. Durante o dia, procuro sossego e, durante a noite, procuro torpor. Sou menos que um humano agora, sou um inumano. Depois do meu último nós, vivi e viciei-me no mais terrível dos males, a mais absurda das virtudes: a esperança. Esperei nela o meu bem, mas tu jamais retornaste, Bondade! Que será que te fez sofrer tamanho esquecimento? Não me vês mais como sou?
Será possível ter-me só nesse conjunto de nós dois?

(a)