domingo, 24 de novembro de 2013

Teu.

Tua alma se espelha em minha cor, se espelha em meu perdão. Tuas mãos, frias e macias, trazem a dor que guardo de tantos meses, tantas vidas. Toda a presença que não é tua me envenena, toda lembrança que guardo de outros me destrói por me afastar de ti. Aos poucos, deixo o que fui para me tornar o que pareço ser: frio, insípido, oco. Não sei por quanto tempo o coração vai bater, quantas memórias sobrarão antes do fim, mas peço perdão pelo atraso. Saiba que faleci junto a ti, e só nego tua ida para poder adiar a minha.
Pois sou tua sombra e tua continuação.
Para sempre teu.

quinta-feira, 21 de novembro de 2013

Resquício.

A cama me desarrumou, me deixou com esse gosto de chuva. O dia me quebrou, a decepção me consumiu. Estou juntando cada pedacinho de gente que encontro pra me reconstruir, cada resquício de alma. Sou um pobre pedindo esmola, mendigo de lembranças, colecionador de sonhos. Sou um pedaço de zé ninguém, lutando pra me levantar em um mundo que me quer caído. A cama é só uma parte de todo esse processo de oxidação interna, me puxando e me tentando ao ócio. Minhas raízes se prenderam a esses lençóis no momento em que encontraram paz, mas acabou.
Não existe paz para alguém como eu.

Natural.

Estou esperando a vida me consumir pra ser um pedacinho de árvore.
Eu não ligo para o que a natureza tem reservado pra mim, eu quero ser uma árvore.
Uma vez me perguntaram se eu queria ser pássaro.
Não.
Eu quero ser árvore.
Árvores não precisam comer, falar ou andar. Árvores não conversam, não brigam, não fazem guerras, não transam.
Mas sentem.
Mas pensam.
Nascido árvore, morrido árvore.
É isso que eu quero ser.
Sempre árvore.
Do início ao fim.

sexta-feira, 15 de novembro de 2013

Fraco.

Agradável, mas não essencial.
Memorável, mas não inesquecível.
Alegre, mas não feliz.
Prazeroso, mas não vicioso.
Incomum, mas não único.
Bom, mas não satisfatório.
Bonito, mas não atraente.
Difícil, mas não desafiador.
Intrigante, mas não inquietante.
Paixão, mas não amor.

Para Todos os Gostos.

Ontem eu conheci uma menina chamada Sofia.
Sofia tinha sabor de hortelã.
Semana passada, na praia, conheci a Clara.
Clara tinha sabor de chocolate.
Conheci coisas, pessoas, todas com o mesmo sabor.
Enjoei.
Os sabores diferentes, aos poucos acabaram iguais.
Desisti.
Conheci essa menina sem nome na minha cama hoje.
Essa tem o melhor sabor de todos.
Lembrança.

segunda-feira, 11 de novembro de 2013

Mais?

A agulha está no mesmo lugar que a deixei.
Levanto da cama e vou até a cozinha.
Abro a porta da geladeira.
O que vamos comer?
A agulha ainda está ali.
Pego o pedaço de torta que sobrou do aniversário.
Fico feliz de não lembrar de quase nada.
A parte que eu lembro é horrível.
É por isso aquela agulha.
Ainda sobrou um pouco, não sobrou?
A torta acaba e me disponho a lavar a louça.
Será que meu outro eu lavaria a louça?
Tudo dá certo pra ele, mas não pra mim.
Talvez só mais uma vez...
Não.
Se eu fizer isso, não me lembrarei que fiz.
Me olho no espelho, pareço péssimo.
Será que vale a pena ser só eu?
Ainda tem um pouco no meu bolso.
Não me lembro de como é ser outro.
Termino de lavar toda a louça e volto pro quarto.
Mas ele também não se lembra de mim.
Acho que viciei-me em não ser eu.
Será que vale a pena?
Deito na cama e fecho os olhos.
Se não parei até agora, deve valer.
Desisto.
Abro os olhos.
Levanto.
Afinal, a agulha deveria estar ali por alguma razão, né?

domingo, 10 de novembro de 2013

Corpo Vazio.

Minha existência
É copo de café
Que esfria
Com o passar das horas.
Minha coerência
Passou com os anos
E minha decência
Se foi em conhaque.
Me encha em solidão
E abrace a causa:
Me esqueça.

quarta-feira, 6 de novembro de 2013

Esse daí.

Quem é esse menino moleque que tanto fala sem dizer nada? É o filho do Zeca, do Paulo e do Simão, é o filho do Mundo. E aquele sorriso largo, está vendo? Acompanha amigos de norte a sul e namoradas de olhos claros, sempre simpáticas. Emblema de vagabundo? Que nada, esse daí sabe como viver a vida! Até que é criticado, mas quem não é? Ele ri, por bobos que são. Não sabem o que perdem, é o que diz. Como é de bem essa rotina despreocupada! Um menino tão educado, livre de vícios e tristezas...
E, no final da noite, quando todos vão embora e ele deita na cama, chora de alegria.
Feliz por não precisar mais sorrir.

Deita.

Segura minha voz que eu levo teu ar, prende meu sono entre as tuas coxas. Me deixa tocar teu peito e sentir teu coração, te deixo vibrar entre meus dedos. Puxa meus cabelos para não cair no chão e tenta não perder-te em meus lábios. Teu desejo escorrerá por entre a sanidade, dissolvendo cada pingo de culpa, limpando cada resquício de dó. Me mostra do que és capaz que te mostro todo o resto. Farei de ti o que quero e o que queres, agora deita.
Ao terminarmos, nunca aconteceu.
Afinal, o silêncio é mais um de meus talentos.

domingo, 3 de novembro de 2013

"Entre."

Nos dias de chuva,
nas tardes de domingo.
Nos finais de festa,
no ponto de ônibus,
na fila do banco.
No sereno da noite,
no orvalho da manhã.
Nos intervalos
entre músicas,
entre moças,
entre cigarros, ressacas,
"Entre."
Nas passadas entre os carros,
pensamentos,
ideias,
lembranças,
Erros.
No futuro,
no passado,
no presente,
consciente
e subconsciente.
Na vida,
na morte.
Só.