terça-feira, 21 de janeiro de 2014

(sem título)

Prefiro acreditar no invisível,
cometer suicídio
e continuar acordado.
Prefiro dizer o indizível,
silenciar tragédias
e comentar a morte.
Prefiro atuar dores,
sufocar amores
e aposentar a alma.
Prefiro,
entre tudo,
nada.

Monólogo.

Estou maluco, ele disse.
Quem disse?
Eu não.
Nem eu.
E nem eu.
Então quem?
Você.
Eu?
Eu.
Quem disse o que?
Maluco, ele disse.
Não disse.
Disse sim.
Disse sim.
Eu disse.
Disse maluco?
Disse que estou maluco.
E está?
Está.
Está.
Estou.

A Criatura.

Ela possuía seios fartos, e sua brancura deixava transparecer algumas veias. Seu cabelo ruivo era macio e forte, e eu gostava de puxá-lo enquanto fazíamos amor. Que palhaçada essa de fazer amor! Transávamos, e transávamos pra caralho. Sua bunda era perfeita, redonda e firme, mas se mexia como nenhuma outra.
Ela era uma bailarina, e possuía a marca da minha juventude perdida. Não que eu seja tão velho assim, o cigarro e o álcool já consumiram o melhor de mim; mas não dela. Seus olhos eram de um castanho escuro que por vezes se confundiam com negro, principalmente quando trepávamos. Principalmente quando ela ficava por cima. Não tinha nome, como muitas das outras mulheres que criei. Ao contrário disso, ela possuía sardas. Foi a única mulher que já possuiu sardas dentro da minha mente. Minto. Minha professora de português do segundo ano era ruiva e gorda, mas suas sardas não eram nada comparadas às da minha amada anônima. Esta possuía algumas nos ombros, algumas nas costas e muitas nas bochechas. Eu gostava assim, assim estava perfeito.
Não sei por que nunca dei nome a ela, mas acho que nunca encontrei nada que se encaixasse com sua desenvoltura. Para um escritor, a coisa mais fácil do mundo é criar nomes. Mas eu não sou escritor porra nenhuma, eu só crio mulheres; nada sei sobre substantivos próprios.
Voltando ao assunto, acho que nunca superei a perda dessa criatura em especial. Já criei muitas outras, mas nunca iguais a ela. Não sei bem como aconteceu, mas ela simplesmente saiu de mim. Saiu da minha cabeça, saiu da minha cama, dos meus lençóis. Seu cheiro, aos poucos, foi substituído pelo aroma dos meus doces e fiéis cigarros, os sons de seus passos foi abafado pelo barulho dos carros vindo da janela. Seus toques foram ignorados, inconscientemente menosprezados, até cessarem. Aos poucos, eu desisti de procurá-la em mim, e ela desistiu de se procurar também.
Era bem tarde da noite quando a reencontrei em um copo de cerveja, num bar de esquina. Isso trouxe todas as lembranças de novo: o sexo, as conversas, sua voz... Não cheguei a mencionar a voz dela, cheguei? Era grave, mas não grave demais, e ficava mais doce quando estava chegando ao clímax. Ouví-la gemer tornava o ato muito mais puro. Nunca a ouvi falar uma palavra, mas isso não era um problema: nossa linguagem era o olhar. Eu sabia quando ela queria fazer amor e quando simplesmente queria ficar ali, parada, me fitando. Não sei o que ela pensava da própria existência, nem nunca me atrevi a perguntar. Tinha perfeita consciência de que ela não queria falar, de que as palavras pra ela eram fúteis demais para descreverem o mundo. Que se alguém deveria descrever o mundo, era o próprio mundo, e se não fazia isso era porque não deveria ser descrito. Eu sabia disso pelo seu olhar, e não só a respeitava por isso, como a admirava.
Infelizmente, a lembrança se acabou ao esvaziar o copo, e nada mais pude fazer a respeito. Obviamente ela não estaria em outra cerveja, mas isso não me impediu de continuar tentando.
Depois de chegar em casa completamente embriagado, joguei minhas roupas no chão e comecei minha orgia particular: Loiras, morenas, gordas, magras, altas, anãs. De vez em quando, eu tirava de mim mesmo todas as minhas criações e as lançava pelo quarto. Todas elas desejavam a minha atenção, todas queriam ocupar o único espaço da minha mente que oferecia algum impedimento, todas queriam se sentir menos sufocadas e tomar o lugar da minha única beldade realmente desejável, mas não poderiam. Eu me peguei pensando nela de novo, e nada mais fez sentido. Elas pararam e olharam pra mim. Uma delas, a Tiffany, - sempre gostei de nomes americanos - me perguntou o que estava acontecendo de errado, mas eu não soube responder. Eu não sabia o que me atingira, mas tinha a certeza de estar completamente fodido.
Foi então que ela apareceu. Perfeita, nua, séria. Estava puta, me olhando do canto do quarto. Eu nunca a possuí com mais alguém, e nem precisava. Nem sei se ela tinha consciência de que já haviam existido outras, pois eu mesmo não dava espaço para essa ideia quando estávamos juntos. Mesmo ali da cama, com todas as outras ao meu redor, nu e completamente bêbado, senti a sua falta, e fiquei aliviado ao vê-la. Eu sabia que, por pior que fosse a dor que me faria sentir, não seria tão ruim quanto o que eu estava fazendo a mim mesmo.
Enquanto vislumbrava seus olhos de escuridão e seu corpo nu, cada mulher do quarto foi silenciosamente se juntando aos lençóis e desaparecendo. Não sei se aconteceu aos poucos ou de uma só vez, pois não consegui desviar o olhar. Cada criação minha foi ocupando o quarto infinito de lembranças esquecidas, tempos perdidos e sonhos deixados de lado, enquanto eu me envenenava com aquela visão. Cada uma das mulheres foi deixada no meu eu jovem, sagaz, impiedoso e livre. Eu não era mais aquele homem.
Depois de todas terem ido embora, quando o quarto já ocupava seu silêncio habitual, ela caminhou até mim, com suas coxas roçando uma na outra, subiu na cama e me beijou. Não de forma ardente e desesperava, nem com a malícia disfarçada que costumava exibir, mas com lágrimas nos olhos.
Eu sabia o que aquilo significava. Aos poucos, seu corpo se afastou do meu e pude senti-la se entrelaçando com os lençóis. A cada movimento meu para alcançá-la, a cama se estendia para o infinito. A dor começou a escorrer pelo meu rosto, mas nada mais poderia ser feito. Eu estava perdendo a única mulher que amei, e teria que ver aquilo acontecer diante dos meus olhos. Eu havia realizado minha obra final e criado alguém melhor do que eu mesmo poderia ser. Deixei de ser um criador para me tornar uma criatura, mero espectador de sua perfeição.
Ela se cobriu com os lençóis e se aproximou de mim.
Adeus, ela disse.
Foi a única palavra que ela já me disse.

Só Mais Um.

Sei que sou só um
de muitos namorados
que você já teve.
Sei que sou único,
diferente dos demais,
e que cada um deles
já foi único também.
Sei que você é insegura
pela fama de mal rapaz,
mas não se preocupe,
eu não vou te machucar.
Como não machuquei Susana.
Nem Julia.
Nem Carla.
Nem Amanda - lembra dela?
Sei que me amará pra sempre
e que nunca me esquecerá,
como não esqueceu daqueles
tantos outros que amou pra sempre.
Mas isso não te impediu de trepar comigo.
A última coisa que eu quero no mundo é te magoar.
Mas ainda é uma das coisas que eu quero no mundo.

domingo, 19 de janeiro de 2014

O que quer?

O que você quer?
Nada.
Nada mesmo?
É.
Tem certeza?
Eu queria te comer por trás.
O que?
Nada.
Você disse alguma coisa, não disse?
Não.
Então como foi que eu ouvi?
Você não está gritando o suficiente.
Eu deveria estar?
Deveria.
Por que?
Nada.
Por que você vive repetindo isso?
Preferia estar te lambendo.
O que?
Nada.
Agora foi alguma coisa.
Não foi.
Foi sim.
Não foi.
Eu estou ficando cansada disso.
Eu acho que te amo.
Sério?
É.
Vamos.
Pra onde?
Feche os olhos.
Assim?
Pode abrir.
Você está nua.
Agora me diz.
Eu te amo.
Não isso, a outra coisa.
O que?
Aquilo que você disse que queria fazer comigo.

Judite.

Por que seus dentes tortos não me saem da mente? Seus cabelos secos e mal cortados, suas roupas velhas manchadas de água sanitária. Ah, Judite... Acho que estou apaixonado por você. Minha mãe sempre dizia que eu só me apaixonaria uma vez na vida, e olha o que acontece: me apaixono pela empregada.
Tudo começou quando eu provei o seu feijão. Antes disso, as camisetas que mostravam seu decote não me incomodavam, seus shorts apertados não me davam vontade de sentir suas coxas grandes. Sentir seu cheiro nas minhas roupas é angustiante, ouvir seu canto desafinado no chuveiro me faz imaginar sua nudez entrelaçada à minha. É por isso que eu não quero te dar férias, Judite. Eu quero te ver sempre aqui comigo. É por isso que eu não paguei o décimo terceiro, nem assinei sua carteira, nem deixo você ir embora na hora que deveria.
Eu sei que errei, que eu não devia ter sido tão duro contigo. Por favor, não seja tão dura comigo e retire esse processo contra mim. Eu sei que você ainda pode falar com seu advogado e resolver as coisas.
Já basta a dor que vou sofrer por não ter você por perto...
Estou com saudade, Judite.

bang bang

Como você consegue
despertar em mim
essa batida estranha?
Esse ritmo de samba
sobe meu coração e
faz um carnaval com
minha cabeça.
Esses seus olhos grandes
e profundos, vazios,
misteriosos, o que
você fez comigo?
O que é todo esse
pow pow pow
bang bang tuff
tamborilando entre
a minha boca e a sua?
Ah, eu sei bem disso
você também me deseja.
Boom boom
bang bang
tatata.

cagando e andando

eu tenho a ligeira impressão de que estou pouco me fodendo
não é impressão, eu eu estou pouco me fodendo mesmo
estou pouco me fodendo pras suas maiúsculas no início da frase
cagando e andando pras suas vírgulas
pros seus problemas
to pouco me fodendo pras linhas tortas
eu gosto de linhas tortas
eu não to nem aí se você não quer mais transar
não é como se você fosse a última do mundo, então foda-se
to pouco me fodendo pra ressaca, pra culpa, pra essas pessoas amargas
eu to amargo, mas eu sempre fui assim
eu to pouco me fodendo se você gosta de mim assim
então vai, me dá um ponto final
que se foda.

quinta-feira, 16 de janeiro de 2014

Dia Ruim.

Hoje eu tive um dia de merda. Sabe aquela hora que nada parece dar certo? Então, é isso. Pelo menos eu não sou corno. Seja lá qual for a situação, é melhor do que ser corno. Dizem que isso acontece pelo menos uma vez na vida, e já aconteceu comigo. Matei a vadia. Um tiro na cabeça dela e outro na cabeça do amante, dois meses depois. Não podia arriscar matar os dois de uma vez só, ia ficar muito na cara. Só a amiga dela sabia do amante, mas e daí? Algum tempo depois eu matei a amiga dela também, só por precaução.
Mas hoje eu não sou corno, graças a deus. Eu to puto por outra história, mas já estou indo resolver. Carreguei minha arma e enfiei dentro da calça.
As balas já estão acabando...

segunda-feira, 13 de janeiro de 2014

Amor.

Preciso aprender a amar sem mascarar meus sentimentos em cortinas de cetim. Preciso ser fiel, corar por uma só, dar-lhe meus pensamentos, minhas horas vagas. Preciso não almejar qualquer outra boceta, não planejar orgias e não imaginar diferentes futuros pra mim sem ela. Preciso fugir do impulso de acabar com tudo, e dar valor antes de perder. Preciso morder seus lábios e tratá-la como a única vagabunda que já desejei, esquentá-la na cama como meu bem mais precioso. Preciso dividir meus medos, quebrar minhas vontades, confiar, me deitar no seu colo e chorar, confessar verdades e transar de novo.
Mais do que isso; preciso come-la sem pensar em você.

domingo, 12 de janeiro de 2014

Paixão de mar.

Tua água me afogou
E a vida veleja ao fim
Sem olhares culpados
Sem despedidas vis.
Seja por próprias cordas
Ou pelas do destino
Amarra meu barco ao cais
Dorme na voz do mar
Chora água com sal
Procura-me em destroços
Amaldiçoa as águas
E ancora minha alma.

sexta-feira, 10 de janeiro de 2014

Alberto.

Sinto falta da gente falando
De gente que já foi embora
Antes de você ir também.
Aqueles barulhos do rádio
Que eles chamam de música
Só eu sobrei pra não entender.
E as novelas que assistimos
Não valem a pena ver de novo.
Por que tinha que beber tanto?
E não fez a merda do plano de saúde.
Eu avisei, Alberto, mas é teimoso...
"Deixa ele", deixei, e no que deu?
Me deixou plantada nesse sofá
Fazendo palavra cruzada
E reclamando.

Era pra você ser a minha insulina.