sexta-feira, 28 de agosto de 2015

Teus cabelos varrem os medos que a tua presença causa.

Abandono-me nesse olhar insano
no silêncio dessa neutralidade
na imprecisão do desapego.
Anseio pelo farfalhar de asas
que tua boca faz ao me dizer
"Tua"; pelo calor dos olhos,
que me descongela e harmoniza
ordeno-me teu por inteiro
ou só metade, ainda menos
um quarto apenas, uma cama
um abajur e teus cabelos
varrendo o meu rosto velho
limpando-me desse abismo
e deixando-me sem a esperança
de estar sozinho outra vez.

quinta-feira, 27 de agosto de 2015

manda-me.

Não quero te deixar pra lá e não quero perder um segundo de nós dois, não quero me encontrar na tua falta, não quero te faltar em vão e te poupar suspiros, é impossível! Não quero tocar-te sem sentir o mundo à minha volta desmoronar e nem beijar-te sem que o infinito pertença a esse instante. Não quero o momento, amor, se meu momento for banal. Não quero te repartir em várias e me despedaçar em dúvidas, não vou te destruir em mágoas ou te sufocar em carícias. Não te almejo minha, mas é pecado meu não almejar? Se eu não sou etéreo, que te fazes de mim com tal desprezo? Pois só nos quero ter como nos possuem as más ideias - frevorosos, mas não apaixonados - para que meus olhos cansem de olhar pro escuro, para que minha boca rejeite o veneno da calma. Quero-te presente em nós, querida, mesmo impossível em teoria... Quero nossas mágoas como quero nosso desfecho: ilógico, perigoso e paradoxal.

domingo, 23 de agosto de 2015

Mármore.

Acordo sufocando, tossindo e lacrimejando, olho para a mulher nua ao meu lado na cama e sinto nojo. Quase no mesmo instante, borbulham dentro de mim os restos do jantar de ontem e o gosto de vômito preenche a minha boca. Encontro a lata de lixo e despejo minhas decepções nela. Despejo nela meus desejos e meus medos, minha ansiedade e um resto de frango. Vou pro banheiro, escovo os dentes e acendo um cigarro. Olho-me no branco doente do espelho e o gosto ruim me volta à boca. Dirijo-me à privada, agora ainda mais empenhado a despejar meus males, mas nada sai. Paro ali em frente ao mármore e, ajoelhado nos azulejos frios do banheiro sujo, meus olhos se enchem de dor.

É tudo culpa sua.

Morangos.

O café esfriou e
A chuva parou.
O dólar aumentou
e diminuiu e aumentou
e os pássaros já
cansaram de cantar.
Todas as calçadas
foram pisadas e
Todos os botões de elevador
foram apertados.
O céu desbotou
e escureceu.
Os morangos estragaram
(E nós também).

domingo, 16 de agosto de 2015

todos eles menos eu

Todos os casais
parecem mais felizes
Todos os pardais
parecem cantar menos
Todos os sussurros
São sobre mim
Todas as risadas
São sobre mim
Todos os amores
Parecem mais sinceros
Todos os outonos
Parecem mais invernos
Toda dor dos outros
Não vale tanto assim
Toda essa saudade
Me deprime.

sexta-feira, 7 de agosto de 2015

Plástico.

Eu sou uma flor de plástico
Minhas folhas são de pano
Meu perfume é de mentira
Minha essência é falsa e seca
Minha morte é industrial
Meu tempo no mundo é eterno
Minha poesia é fabricada
Medida, testada e aprovada
Existem milhões iguais a mim
E outros milhões ainda existirão
Todos sem a noção do todo
Pensando serem únicos e
Insubstituíveis
Quando, na verdade, são
Estranha e perfeitamente
Iguais.

poeminha

estes tolos pobres apodrecem
e a ingratidão te aquece e
estremece meus pulmões,
respiro-te fundo em emoções
de desgasto e ódio, desgosto
e cuspo esse sangue injusto
que derrama morte onde convém
é passado vai que a nostalgia vem
é o choro surdo desses dedos tortos
não sei lidar com tantos sonhos mortos
e tanta sorte que te abandonou
quando a esperança tua se abrigou
num mero restinho de nós
deixando-nos, enfim, à sós.

Nus e saciados.

Eu poderia fazer-te
sentir-te em mim e
te fazer-nos bem feitos,
sentados, sentidos,
semi-nus deitados,
virados, encaixados,
do avesso, sossegados
no caos e na vadiagem,
quebrados e
cravejados em mármore,
fazer poesia de ti e de nós,
eternizar-nos na prosa e
perder-nos no amor.