domingo, 20 de dezembro de 2015

Dolores

Silencio-me
Perante a dor:
De mim, nada mais terá
Senão a consciência da sua presença
Ou nem isso
Senão os meus cuidados para evitá-la
Ou nem isso
Pois a dor tem nome
Não é mesmo, amor?

Não sei o que e coisa e tal.

Um poema necessita de
Estrutura, pausas e
Ritmos que eu não consigo alcançar
Agora, amor, perdoa-me, pois
Tu és minha principal e única
Ouvinte crítica, teus olhos
Refletem tudo que dizes, mas eu
Acabo na teia de outras. Como saberei
Se Amanda é pura ou se Alice é cura
Pra todo mal que existe em mim, eu sei
Que em minha fé o medo cresce, mas
Da minha dúvida surgiram tais verdades
Que tornaram este texto sem sentido.

quarta-feira, 16 de dezembro de 2015

Melódico.

Por que tua música não sai de mim
Sempre que escuto o silêncio de Beethoven
Reverberando entre as notas do meu peito?
E enquanto perco-me num Ré sem jeito,
Teu olhar me prende em Dó menor
E teu Sol se põe no Lá que que me murchou.
Qual canto eu visto pra te ver revir
Se foi teu hino que me despertou
Ao ecoar nos cantos da minha mente?
Estou quase esvaecendo agora, amor,
Me falta tempo pra te ver cansar
dos dedos frios e minha voz em Fá.
Queria eu poder te abafar
Quão fiz em tantas outras melodias,
Subir meu tom ou te poder levar
E encher de som tuas noites vazias.

Antimatéria.

Enquanto minhas palavras fragmentam-se na dúvida de um futuro vazio, tuas certezas me concretizam como fracasso. Por antercipar-me, quebrei-me como um espelho - em um milhão de rachaduras derivadas de um só ponto: teu olhar. Meu sentimento foi uma criança que decidiu brincar com o perigo antes de saber lidar com a dor, mas o óbvio se concretizou e, do meu universo pessoal, criou-se a antimatéria. Dividi-me em dois lados - o sentir-me e o não sentir - que rasgaram a minha essência e deixaram a sanidade à deriva enquanto meu sentimental seguia a única verdadeira razão de mim: nós. Hoje, no espaço entre as minhas frases mal expressas, vaga, atemporal, o medo de ter sido eterno aquilo que terminou sem fim. Atormenta-me, em sonho, a imensidão da nossa realidade perdida.

quarta-feira, 9 de dezembro de 2015

Desconstrução do Contrato Social

É perceptível o modo como o universo segue padrões. Sempre que uma célula se sobressai, ela se une a outra célula sobressalente e forma um sistema, que cresce até ser destruído por uma força maior. A natureza funciona dessa forma: os mais fortes unem-se contra os mais fracos e assim se conquista o ecossistema, garantindo a sobrevivência da espécie. A força maior quase nunca é algo já antes previsto pelo grupo, sendo, quase sempre, percebido tarde demais. Não que, a essa altura, eles tenham algum motivo pra pensar nisso (isso fica para conhecimento geral), mas a vida pode ser prevista, medida e ajustada de acordo com a vontade de seu interlocutor - contanto que cada variável seja analizada, que o gráfico tridimensional de possibilidades seja feito, que cada incerteza seja medida e descartada, estudada e catalogada como de maior ou menor probabilidade - que, nesse caso, é sinônimo de relevância. Sendo assim, é muito simples, para um sistema de maior intelecto - seja ele formado por uma ou mais mentes(1) - antecipar as ações de uma determinada parte do ambiente ou de um determinado grupo da sociedade, podendo prever o que os lesione, inclusive, armar-se dos meios mais efetivos para defender-se ou atacar de volta. Não existe paz. O mundo é uma eterna guerra, cada vida tenta respirar o máximo possível, mesmo que isso signifique outra respirando menos. Essa regra não se aplica, no entanto, quando não existe um conflito de interesses entre dois sistemas. Inclusive socialmente, dois sistemas - igualmente brilhantes, ou um se beneficiaria em cima do outro, como já foi discutido - podem se unir para a existência de um maior que trará vantagem a ambos. Nesse caso, esse conjunto se torna competidor de outro que defende interesses contrários e assim sucessivamente. Desde a década de 70, tem existido um grupo de indivíduos que procura se desvincular desse processo, optando por formas de sociedade primitivas (autossuficiência feudal), mas vê-se a impossibilidade da evolução desse movimento enquanto o próprio capital não é desvalorizado, chegando assim em um empasse: é preciso terreno, comida e novas regras sociais, mas é necessário utilizar do modelo vigente para a construção de algo novo - coisa que o próprio sistema, como um organismo pensante, jamais permitirá, pois implica na destruição daquilo que ele acredita.
(1) eu ainda vou chegar lá.


I - Sobre sistemas auto-destrutivos
Como dito antes, a destruição de um sistema só pode ser causada por algo de maior potência que interfira em seu equilíbrio. Essa força pode se apresentar de duas maneiras, sendo elas:
Intelectualmente:
Isso acontece quando ocorre uma desconstrução das ideias que ligam as células formadoras do sistema uma à a outra. Esse tipo de situação ocorre quando há uma divergência entre pontos de vista, que pode ser causada por diversos fatores - tanto internos quanto externos -, começando a se espalhar, a partir do seu ponto de origem, de forma progressiva,  até corromper o organismo como um todo; ou
Fisicamente:
Quando o sistema enfrenta perdas reais de membros (ou chance de).
(continua)

domingo, 6 de dezembro de 2015

você e o resto.

Eu quero-te pelo calor das tuas coxas
e das tuas palavras de solidão
pelo teu olhar de curiosidade serena
pelo teu carisma, eu gosto das tuas bochechas
e não ligo de não fazer poemas, eu só
preciso encontrar as palavras certas e as erradas
e tirar as certas de nós dois,
jogar tudo no papel e ver o que acontece.
Quero te ver e comer todo o teu chocolate
morder todas as partes do teu corpo
tocar teu coração
e o resto.

quinta-feira, 3 de dezembro de 2015

Fio vermelho ou azul.

Desculpa a ausência, querida
Não tenho estado muito bem.
Tenho andado pelos vales
Da sombra e da morte
Mas não posso sair agora;
Eu sou o medo que me prende
Eu sou o fungo que me apodrece.
Não te iludas no calor que irradio
Eu sou o mal que temerás à noite
Sou os pesadelos que te acordam.
Não vou mentir, eu te desejo;
Quero-te em meus intermináveis espaços
Entre um trago e outro de vinho
Mas não posso te pedir mais nada.
Só quero que não permaneças, por favor
Ou permaneças e lute, comigo
Contra mim.
Que me rasgue desse ceticismo
Que me arranque uma lágrima ou duas
E resgate minha humanidade
Como num filme de ação:
Eu sou uma bomba relógio
Desarma-me
Ou fuja.

domingo, 22 de novembro de 2015

Gordo.

Um homem gordo está em pé na minha frente no ônibus, me olhando com uma feição melada de suor e desespero por estar levantado em um ônibus sem ar condicionado.
Mas ele tem uma mochila.
Eu poderia me oferecer para segurar a mochila desse indivíduo que não acrescenta nada à minha existência e então, discretamente, eu furtaria seu dinheiro e seus documentos e pensaria depois no que fazer com eles.
Mas eu não ligo.
Talvez esse seja o meu problema afinal com todas essas pessoas. Parece que cada bípede nu que eu vejo é menos perspicaz do que qualquer animal mostrado no Animal Planet ou National Geographic Channel. Evoluímos? Sim, alguns. Como fruto da evolução, temos o potencial para levar essa raça imunda à paz e aos avanços tecnológicos e filosóficos.
Mas não conseguimos.
E não o fazemos por uma ideia gerada desde cedo no inconsciente humano. Uma ideia que nos impede de deixar outro de nós cair, superpopulando o mundo e deixando seres-humanos como aquele gordo em pé no ônibus lotado: essa ideia é a pena e o senso de responsabilidade moral que temos por esse mesmo gordo.

[Eu não tive tempo nem paciência para escrever mais do que isso porque o meu ponto estava chegando. Outra hora eu termino esse texto - ou não.]

quinta-feira, 19 de novembro de 2015

Não me atrai.

Teu físico não importa para mim
A menos que teu corpo morra
E apodreça
Enfiado a sete palmos da
Minha boca (sedenta por mais)
Já que esse teu gelo
Já me satisfaz
Vindo da tua fala e não
Da tua pele sem fluxo
(Sedenta pela vontade
Predominante)
Que falta pr'esse coração bater.
Em termos gerais, tua aparência
Tua intolerância e tua astúcia
Não são, nem de longe
Tão importantes quanto
O teu caráter
(Ou a falta dele).
Teu desprezo
Não me vicia,
Tua frieza
Não me atrai,
Tua essência
Não me interessa.

terça-feira, 17 de novembro de 2015

Peso.

Esse teu olhar me amedronta
eu fico triste e puto, bebo até
não querendo aceitar tua essência
pena: mesquinho, vil e irracional
temperamental, cego, tempestuoso
sofrimento: tudo meu, tudo aquilo
relacionado a ela (passado, presente)
futuro? ainda há quem acredite
em alguma estupidez assim, mas
somos porcos sádicos - Você e eu -
e já estamos de saco cheio
de contos de fadas.

Uma xícara e meia de inverdades.

Desculpa te abraçar em leito
E te negar na doença
E te puxar pra mim
Sem te querer tão seca
E tão morta, eu não quero ver
A gente apodrecendo
E não quero me decompor
Sozinho ao teu lado
Tentando sorrir enquanto
Tu foges do peito.
Quero abraçar teu corpo
E fingir que é pra sempre
E beijar tuas coxas
E lamber tuas partes
E fingir que é pra sempre.
Quero alguém pra rir
Quando eu perder a graça
E tentar por mim
Quando eu perder as forças.
Será que é demais pedir
Um pouco mais de ilusão?

quinta-feira, 12 de novembro de 2015

Porcos brancos azedos.

Os porcos sádicos e intolerantes
Mimados por corporações gigantes
Bancados por tolos ignorantes
Jamais terão de pagar.

O mau que tomou-lhes as crenças
Criou e espalhou suas doenças
Plantando e cultivando ofensas
Por todo e qualquer lugar.

Então quero ouvir o teu medo
Contar tuas bondades a dedo
Olhar esse teu branco azedo
Tirar ar do peito e falar:

Teu peito não é de cimento
Teu choro não é de lamento
Eu nunca conheci tormento
Que a bala não possa parar.

domingo, 8 de novembro de 2015

Antes e depois do fim.

Deixa-me plantar em ti as palavras repetidas
E colher amores impossíveis dos corações incrédulos
Os sábios farão poemas das notas desafinadas que cantamos
Enquanto os tolos riem de nós e a noite avança
Deixa-me dormir ao teu lado sem pregar os olhos
E te infestar os pensamentos como erva daninha
Trocaremos passos enquanto eu te encontro
Nos olhares devastadores do tempo
E nas rugas da memória
Os livros de história falarão sobre nós à sombra das árvores
E o planeta dará seu último suspiro de esperança
Lágrimas serão derramadas entre sorrisos
Com o céu se desvaindo em cores
E a humanidade sucumbindo ao fim
Deixa-me afogando nos teus eternos lábios
Cantados por eternas vozes como lenda
Enquanto o mundo acaba.
O universo desaparecerá, amor
Todas as galáxias serão sugadas pelo negro das tuas pupilas
Mas nós permaneceremos.

Um poema dentro do outro.

Eu quero a eternidade de um poema mal escrito borrado no vidro de uma janela qualquer. Quero ouvir os estalos que o cigarro faz no trago e sentir as vibrações do orgasmo. Quero ouvir o barulho das solas dos sapatos raspando na folha de outono ou na poça do inverno.

Quero o chão seco de trabalho, pulsante e constante nas calçadas dessa metrópole decadente que nos tornamos. Respiro fumaça e me alimento de dinheiro, eu me tornei a máquina. Sou governado por um sistema que não representa a diversidade de ideias que eu mesmo possuo, mas fui educado o suficiente para não questionar.
Pronto para mais, senhor.
De nada, senhor.
Volte sempre.

Quero ouvir as vozes e me acostumar a elas. Quero beber um café no fim da tarde e aproveitar o orvalho de manhã. Quero pensar antes de abrir os olhos e ainda ter motivo para tomar a decisão de acordar, porque a vida é boa.
E as pessoas são ruins.
E os lugares são ruins
(Mas a vida é boa).

terça-feira, 3 de novembro de 2015

botar pra fora

Abro meus olhos nessa cama
E os lençóis me engolem, dói
Acordar, meus músculos
Rasgam enquanto eu respiro
Minha garganta incha e fecha
Meu rosto contrai e muda
O chão me chama, tento gorfar
Mas eu não tenho nada pra
Colocar pra fora, nada físico
Seguro firme nos colchões da cama
Isso é só um pesadelo, penso
Fecho os olhos e abro:
Não é a mesma cama
Não são os mesmos olhos
Não é o mesmo chão.

Rachaduras.

Eu não te quero entre as minhas rachaduras.
Não te quero pisando nos meus cacos
e furando o pé.
Não quero te ver em mim como te vi nos outros:
incompleta, passageira.
Eu não quero te fazer rir enquanto eu choro
nem te fazer chorar enquanto eu rio.
Não quero sentir a juventude da tua pele
e não mais estar contigo
quando a velhice bater a porta
e não mais sorrir contigo
quando a depressão voltar.
Não quero dividir a cama que já é pequena
e nem comprar uma nova pra depois trocar.
Não quero o teu cafuné e tua bossa nova,
não quero tua roupa nova no chão do meu quarto.
Não te quero ter
antes de varrer os cacos do meu outro amor
e não quero um outro amor
que não o nosso.

sábado, 31 de outubro de 2015

Roberta

Eu to fudido, Roberta.
"Fodido por que, seu Claudio?"
Estou apaixonado.
"De novo, seu Claudio?"
Dessa vez é diferente.
"Toda vez é diferente."
Ela é única, inigualável e impenetrável.
"É o coração que ta falando?"
Acho que é o pinto, Roberta.
"Que que isso! Que baixaria!"
Existe relação mais sincera que a carnal?
"Ih lá vem você de novo com esse assunto."
É por isso que eu converso contigo.
"Por que?"
Você me entende...
"HÁ! Conheço bem, então nem chega perto."
Só mais uma vez, Roberta...
"Você falou isso da última, seu escroto."
Vem ca, não faz assim...
"Ah, seu Claudio..."
Ah, Roberta...

rasga-me

minha alma clama
pelos odores sujos da tua pele
e tua saliva em soda cáustica
me excita.

rasga-me
com tua língua áspera
derreta-me
com teus pulmões de fogo

tua sombra é minha casa
teu olhar, minha prisão

selvagem

esse tremor me aflige, amor, essa vibração me penetra e me faz sentir a tua dor. seu cheiro me asfixia enquanto durmo olhando o seu corpo nu. seu corpo? ah, esse corpo... eu serei condenado e queimado vivo por alimentar tanta luxúria, e até o próprio Deus será condenado por instigar tal pecado em cada ser humano que te põe os olhos. não quero ter ciúme não, mas tenho: tais seres salivam pela esperança de ter tudo que eu consegui em nós, são selvagens, mas eu não. eu sou diferente, nós seríamos - caso houvesse nós - mas você prefere os selvagens.

Tão perigoso quanto.

Eu te tenho como a memória do último trago de um cigarro qualquer, mas me desintegro ao teu olhar. Teu cheiro é a mistura dos odores que te encantaram em outros e tua língua tem sabor de carnaval. Amar-te é, como poeta, auto-flagelação - mas da carne o amor é só um vício. Desejar-te é tão perigoso quanto partir sem olhar pra trás, pois a dor de não te possuir é equivalente à de imaginar fazê-lo, deixando-me, assim, sem saída: me mato agora ou aguardo mais delírios teus? Te ofereço ajuda ou mergulho de corpo e alma na insanidade, só pra te acompanhar?

quinta-feira, 29 de outubro de 2015

Desapegado

eu sou um morador de rua
peço dinheiro porque
não me importo
ganho dinheiro porque
não me importo em pedir
e bebo porque não te entendo
e bebo porque não te quero
e durmo porque não me quero
no frio dessa esmola fraca.

queria eu não precisar
ficar na rua e te ajudar
a te livrar desse dinheiro todo.

Cinquenta e quatro tragos por hora.

Dirijo bêbado fumando
em alta velocidade
Cinquenta e quatro
Tragos por hora
Vem uma curva e eu
Me distraio, bato
Em um poste e fico lá
Desisto de dirigir e pego
Uma latinha de cerveja.
Chega o policial e pergunta
O senhor está embriagado?
Respondo que não, mas
não acredito, então
peço para mudar minha resposta
Mas já é tarde e o policial
Está me algemando
Todos eles estão brigando
Comigo, mas não deveriam
Eu queria ser mais amado
Deve ser por isso que eu bebo
Minha mãe morreu cedo
E meu pai me abandonou
Quero um trago de carinho
Mas carinho eu não compro
Então eu tomo a cerveja e
Fica tudo bem, menos agora
Que estou algemado.
O policial talvez esteja
Mais sozinho do que eu, penso
E logo volto a rir da ideia;
Nâo existe pessoa viva
mais sozinha do que essa
Que vos fala embriagada.

quinta-feira, 15 de outubro de 2015

Lobo em pele de ovelha

Vamos discutir e depois foder
vamos cheirar para acordar
e fumar para dormir.
Vou te beijar e te lamber
para queimar-te com cigarro
e bater na tua cara
e puxar o teu cabelo
e esfolar-te
para te cuidar depois.
Me exclua da tua vida
uma
duas
três vezes
para voltar-te e ter-me
de saudade
de carinho
de rancor.
Vou te cortar a pele
e me vestir de ti
ou entrar entre as tuas pernas
e me vestir de ti
e te encher de mim
e me encher de nós
e praticar os mais complicados
nós de marinheiro
para ancorar-te em mim
para prender-te aqui.
Eu vou fazer,
da tua dor,
meu lar
e me mudar,
sem olhar pra trás,
desse teu mundo bipolar.

terça-feira, 13 de outubro de 2015

Doce

Eu não sou teu doce
Não sei teus doces segredos
Tuas amagas verdades
Não vi

Teu peito não me habita
Minha pélvis te distrai
Meu humor te distrai
Meu sangue é a tua cura
Meu nojo te alimenta

Mas eu não dependo de ti, amor
Podes dizer a mesma coisa?

domingo, 4 de outubro de 2015

Único.

Você não é a única
a bater com
o dedo no móvel da sala
e o móvel da sala
não é o único móvel
de todas as salas, que
por sinal, não são
os únicos lugares do mundo
pra se tomar um bom café
e conversar um pouco
com pessoas quentes
em dias frios
e pessoas chatas
em dias quentes
enquanto o café queima
a sua boca, eu poderia
estar fazendo algo
melhor com ela, mas
você sabe disso
e tudo bem saber
porque você não é
a única que sabe os meus
desejos e
definitivamente não é
o único deles.

domingo, 20 de setembro de 2015

Dois.

Abre-se um vão entre a minha mão e a tua
E teu quarto se divide em dois.
Tua cama fica do teu lado e
O conhaque fica do meu.
Tua vida fica do teu lado e
A saudade fica do meu.
A tristeza fica,
A melancolia chega,
mas aí eu lembro do conhaque.

Bebo.
Quebro a garrafa rindo.
Corto o vão entre a minha mão e a tua.
Puxo-te pro meu lado do quarto,
Puxo-te para mim,
Puxo a cama pra mim,
Corto teus protestos,
Corto tuas palavras,
Corto tua língua;
Todos os lados são meus,
Todos os quartos,
Todo conhaque.

quarta-feira, 16 de setembro de 2015

Cotovelos

Teus cotovelos são ásperos
como as tuas palavras vazias
percorrendo a minha garganta
enquanto eu te repito:
Não há nada a ser feito
Já não tem mais jeito
Não te amo mais.
Puta
Puta
Puta
Queria rir da tua mediocridade
mas nem isso eu posso mais
(teus cotovelos ainda estão
arranhando minha garganta).


- Arrancado do capítulo Partes tuas que eu não gosto.

Segredos contatos a uma parede às 3:25 da manhã.

Um dia eu ainda te pego pela mão e me apaixono, um dia a gente se esbarra e se agarra assim no meio do metrô, da barca ou da multidão, só pra rir dessa palhaçada toda. Teu ex ainda vai me odiar, mas não vai mais importar, porque eu te amo (amarei). Eu te prezo (prezarei) e te procuro (procurarei) quando chegar a solidão.

delírios

tentei escrever, mas o cigarro ficava apagando e as plantas secaram porque eu não as regava, a água ferveu e eu não estava lá porque tentava acender o cigarro enquanto as palavras se vomitavam de dentro de mim e, enquanto eu me abandonava, as comidas da geladeira estragaram e o cachorro morreu de fome, eu morri vazio enquanto as palavras continuavam a sair, mas aí perdeu o sentido - não existe sentir sem ser e não existe domínio na não existência; não existe tocar e vibrar e matar e morrer se essa língua não se cala enquanto o resto do corpo se estraçalha em sílabas, letras, agudos e circunflexos na melodia muda do desespero, no uníssono do silêncio e no estilhaçar dos músculos das mãos, dos braços e da boca e, do mundo das ideias ao físico, eu pulsei e ecoei nas paredes dessa sala de jantar enquanto a água fervia e o resto dormia, enquanto você se esquecia e o universo suspirava.

segunda-feira, 14 de setembro de 2015

Cravos.

Começo a me perguntar se sempre fui esse verme rastejante que hoje sou, mas o estômago logo reclama e a vontade volta a me assombrar. Minha cabeça me pune e punge toda vez que tento pensar demais, meus dedos doem enquanto as palavras saem, e a parte de trás dos meus olhos não quer mais ver luz. Levanto-me, caminho até o banheiro, olho-me no espelho e vejo um enorme monte de merda. Quando foi que eu cheguei aqui? Eu tinha uma família, amigos, trabalho e era feliz. O que me fez optar pelos sussurros da esquizofrenia, senão ela própria? Olho de novo e vejo uma pequena mancha rosada no meu ombro. Me inclino para descobrir que se trata de um cravo inflamado. Espremo-o, fazendo com que minha pele libere um líquido branco e viscoso. Espremo-o mesmo sabendo que isso só vai piorar o aspecto da coisa porque eu não me importo. Nada importa enquanto a vontade estiver aqui e, enquanto esse veneno me pertence, eu serei meu principal carrasco: vivendo de cravo em cravo e me perdendo em meus reflexos.

Signo.

Eu não acredito em signos,
mas finjo que acredito
porque as crenças de antes
já não me convencem mais.

Acendo mais um cigarro
porque a minha lua está em câncer
e meu ascendente em aquário.
Foda-se.

Seja lá onde minha lua estiver,
eu não estou aqui.
Nenhuma dessas pessoas
me completa ou me pertence,
nenhum desses versos
me descreve e
nenhuma explicação
me satisfaz.

terça-feira, 8 de setembro de 2015

Mulheres.

eu estava dentro de um ônibus lotado
quando uma moça passou a bunda na
minha mão e eu disse "que desrespeito"
e ela disse "por que?", ela não
entendeu, talvez não tivesse percebido
mas percebeu sim, estava só fingindo
e então eu expliquei pra ela que
a minha mão é especial, é com ela que
eu escrevo, coço o saco, bato uma e
toco violão, mas ela não quis saber
queria que eu passasse a mão de novo
mas aí eu disse "me desculpe, eu
tenho um problema sério, sou um
pervertido e passei a mão em você"
então ela me deu um tapa na cara e
foi embora sem olhar pra trás.

sexta-feira, 4 de setembro de 2015

Nádegas (I)

Veja bem, eu tenho um grande apreço pela sua bunda. Desde pequeno, essa bunda tem perseguido meus sonhos e meus cotidianos, está no silêncio entre cada palavra que eu digo e na ponta de cada fio de cabelo meu. Está na ponta da minha língua cada vez que eu vou falar de amor, desejo, perversão e submissão. Eu viveria por essa bunda, compraria e a penduraria na minha parede se fosse possível, talvez eu até morresse por ela. Não é você, é a bunda. Você pode ser tudo de pior no mundo, porque eu não te ouço. Eu não sei como é a sua voz, não sei qual é o seu rosto, só sei da bunda e é só ela que eu quero, é só dela que eu preciso. Então bate na minha cara e sai por aquela porta a hora que você quiser, mas vai escondida. Não me vira as costas, não me deixa ver esse presente que Deus me enviou, porque senão eu não te deixo ir.

sexta-feira, 28 de agosto de 2015

Teus cabelos varrem os medos que a tua presença causa.

Abandono-me nesse olhar insano
no silêncio dessa neutralidade
na imprecisão do desapego.
Anseio pelo farfalhar de asas
que tua boca faz ao me dizer
"Tua"; pelo calor dos olhos,
que me descongela e harmoniza
ordeno-me teu por inteiro
ou só metade, ainda menos
um quarto apenas, uma cama
um abajur e teus cabelos
varrendo o meu rosto velho
limpando-me desse abismo
e deixando-me sem a esperança
de estar sozinho outra vez.

quinta-feira, 27 de agosto de 2015

manda-me.

Não quero te deixar pra lá e não quero perder um segundo de nós dois, não quero me encontrar na tua falta, não quero te faltar em vão e te poupar suspiros, é impossível! Não quero tocar-te sem sentir o mundo à minha volta desmoronar e nem beijar-te sem que o infinito pertença a esse instante. Não quero o momento, amor, se meu momento for banal. Não quero te repartir em várias e me despedaçar em dúvidas, não vou te destruir em mágoas ou te sufocar em carícias. Não te almejo minha, mas é pecado meu não almejar? Se eu não sou etéreo, que te fazes de mim com tal desprezo? Pois só nos quero ter como nos possuem as más ideias - frevorosos, mas não apaixonados - para que meus olhos cansem de olhar pro escuro, para que minha boca rejeite o veneno da calma. Quero-te presente em nós, querida, mesmo impossível em teoria... Quero nossas mágoas como quero nosso desfecho: ilógico, perigoso e paradoxal.

domingo, 23 de agosto de 2015

Mármore.

Acordo sufocando, tossindo e lacrimejando, olho para a mulher nua ao meu lado na cama e sinto nojo. Quase no mesmo instante, borbulham dentro de mim os restos do jantar de ontem e o gosto de vômito preenche a minha boca. Encontro a lata de lixo e despejo minhas decepções nela. Despejo nela meus desejos e meus medos, minha ansiedade e um resto de frango. Vou pro banheiro, escovo os dentes e acendo um cigarro. Olho-me no branco doente do espelho e o gosto ruim me volta à boca. Dirijo-me à privada, agora ainda mais empenhado a despejar meus males, mas nada sai. Paro ali em frente ao mármore e, ajoelhado nos azulejos frios do banheiro sujo, meus olhos se enchem de dor.

É tudo culpa sua.

Morangos.

O café esfriou e
A chuva parou.
O dólar aumentou
e diminuiu e aumentou
e os pássaros já
cansaram de cantar.
Todas as calçadas
foram pisadas e
Todos os botões de elevador
foram apertados.
O céu desbotou
e escureceu.
Os morangos estragaram
(E nós também).

domingo, 16 de agosto de 2015

todos eles menos eu

Todos os casais
parecem mais felizes
Todos os pardais
parecem cantar menos
Todos os sussurros
São sobre mim
Todas as risadas
São sobre mim
Todos os amores
Parecem mais sinceros
Todos os outonos
Parecem mais invernos
Toda dor dos outros
Não vale tanto assim
Toda essa saudade
Me deprime.

sexta-feira, 7 de agosto de 2015

Plástico.

Eu sou uma flor de plástico
Minhas folhas são de pano
Meu perfume é de mentira
Minha essência é falsa e seca
Minha morte é industrial
Meu tempo no mundo é eterno
Minha poesia é fabricada
Medida, testada e aprovada
Existem milhões iguais a mim
E outros milhões ainda existirão
Todos sem a noção do todo
Pensando serem únicos e
Insubstituíveis
Quando, na verdade, são
Estranha e perfeitamente
Iguais.

poeminha

estes tolos pobres apodrecem
e a ingratidão te aquece e
estremece meus pulmões,
respiro-te fundo em emoções
de desgasto e ódio, desgosto
e cuspo esse sangue injusto
que derrama morte onde convém
é passado vai que a nostalgia vem
é o choro surdo desses dedos tortos
não sei lidar com tantos sonhos mortos
e tanta sorte que te abandonou
quando a esperança tua se abrigou
num mero restinho de nós
deixando-nos, enfim, à sós.

Nus e saciados.

Eu poderia fazer-te
sentir-te em mim e
te fazer-nos bem feitos,
sentados, sentidos,
semi-nus deitados,
virados, encaixados,
do avesso, sossegados
no caos e na vadiagem,
quebrados e
cravejados em mármore,
fazer poesia de ti e de nós,
eternizar-nos na prosa e
perder-nos no amor.

quinta-feira, 30 de julho de 2015

rastros de sêmen não escrevem uma boa história

eu fiz bons textos e
maus textos e
incrivelmente bons
textos, mas eu sei que
nenhum deles
tem a sua cara
e, definitivamente
nenhum deles tem
a sua bunda, então
pra que escrever
tantos bons e
significantes ou
maus e insignificantes
ou bons e insignifi
tantos se, no final
eu continuo tendo
o mesmo resultado?
um dia eu aprendo
a minha lição e paro
de escrever, talvez
não, mas mesmo assim
eu já entendi que
meia dúzia de palavras não
substituem uma boa
bunda.

domingo, 26 de julho de 2015

amarelo

ela é só uma moça bonita de olhos claros
e quadris largos, simpatia incomum
com uma roupa solta, amarela
e esses quadris largos, uma
lan-ge-rrí de seda
decorada com os meus desejos
devorada pela volúpia
dos vagabundos bêbados de esquina
mas eu não sou eles, não
sou de beber nem nada, tenho casa
com mobília e mulher
mas se ela fosse minha
mulher, tudo seria resolvido e absolvido
talvez eu conseguisse um bom divórcio
se formos parar pra pensar
nas circunstâncias, qualquer pessoa
entenderia que eu quero esses olhos claros
e essas roupas largas, soltas, amarelas
como o nascer do sol que está por vir
como os prazos que eu terei que cumprir
pra escrever esse poema bobo
pra ressarcir meu editor escroto
pra fugir do que é parte de mim
(esse amarelo da sua roupa).

sexta-feira, 24 de julho de 2015

angelical

o que um velho como eu
viciado em pornografia e
cigarros, revistas de carro,
quebra-cabeças impossíveis e
menininhas bobas de quinze anos,
ex-veterano de uma guerra que
nem sequer existiu pra começo de conversa
(que teve início e fim
dentro da minha cabeça e talvez
na sua), prepotente e pedante
desinteressado e desinteressante
infeliz, aleijado e murcho
com um dedinho faltando e talvez
alguns centímetros
talvez alguma humildade e moral
poderia querer com um rostinho
tão angelical como esse seu?

Eu quereria. (Explícito)

Olha,
eu não quero mais
pois sei que quero
e não posso querer
(não posso, não)
e não quero querer
(mas até quero)
porque não posso
e não quero poder
(mas pudesse eu querer
e eu queria,
soubesse eu poder
e eu fodia)
pois nem sei pensar
sem passar-te os olhos
sem comer-te em todo
sem sentar-te em mim
(porque te quero)
e imaginar passando
(Por que te quero?)
e fodendo, e gozando
me agoniza e despedaça
quero estar longe dessa desgraça
que é querer-te
sem te poder foder.
Capisce?

beber café e bater as botas

Eu estou num hospital agora e
coisa horrível esse lugar
médico demorado, hospital demorado
vim pra tirar uma radiografia, mas
enfim
percebi o interessante engraçado
cômico desespero humano que é
todos nós morrermos no final
e eu estou aqui nesse hospital
onde várias pessoas morreram
e morrerão ainda hoje
e outras inúmeras nascerão,
para o desespero dos demais
ainda hoje
e ninguém liga, não é mesmo?
todos lá continuam bebendo seus cafés
e jantando com seus filhos à noite
filhos que nasceram no mesmo dia e talvez
na mesma hora e talvez no mesmo lugar
em que várias pessoas bateram as botas.
Essa é a vida, afinal
basicamente igual a esse poema
não tem graça nenhuma e depois
acaba.

segunda-feira, 20 de julho de 2015

Sonata.

quero que me abandones pois
meu desespero me sufoca, tua
carne não me serve mais
minhas lágrimas não estão caindo
e eu não acordo do sonho
desse pesadelo infernal, estou
correndo o risco de ficar aqui
eternamente teu, eternamente
nesse bizarro e inquieto céu
não me pare agora, amor
estou dormindo para sempre, estou
saindo daqui e agora eu me vou
perdoa-me pelos pecados de amor
que meu sacrifício não é em vão
que meu suicídio moral e físico
é apenas a gota d'água para
esse mundo fútil, como eu fui
mas estou me livrando disso tudo
essas amarras já não me prendem
essas inseguranças não me habitam
meu coração é livre agora
minha alma é poesia finalmente, amor
sorria pra mim, não chore
eu estou me despedindo
estou ascendendo

domingo, 19 de julho de 2015

um cão vira-lata castrado

eu me recuso a escrever
outro garrancho escroto, outra
palavra chula, puta, burra, inútil
me chupa que essa é nossa dança
esse vai e vem de merda seca
sorri e me lambe como um
cão vira-lata castrado
faminto, doente, carente e senil
tira o capuz de vagabunda
ou tira ele de perto de mim
vem rastejando como um velho
podre das pernas que vendeu
a cadeira de rodas pra comprar
maconha, crack e cocaína, mas não
esquece, quando terminar
de cuspir no prato que te comeu.

(volte sempre)

terça-feira, 14 de julho de 2015

Devaneios de julho.

I.
Bebo amor porque não tem
sentido
querer morrer e não tomar
veneno
.
II.
Cheiro pó e injeto cristal
ateei fogo num cachorro ontem
eu tinha metas pro futuro, mas
agora
tenho nas veias
.
III.
Morrer é como
viver muito
de uma hora pra outra
sem intervalos comerciais
sem pausas para o cafezinho
sem cochilos entre as
refeições
.
IV.
Às vezes fico pensativo
e com medo do meu futuro
mas aí eu me alivio, fumo um
rio um pouco e descanso a vista
não faz sentido ter
medo de algo que não
existe.
.
V.
Se tem algo o meu jardim
que não apodreça com o tempo
essa coisa é minha esperança
de que talvez exista algo assim
.
e é por isso que eu ainda planto
essas sementes que você me deu.

domingo, 12 de julho de 2015

Porque eu tenho braço.

Diz-se que todo poeta sofre mais do que o resto, mas eu não quero sofrer e se for assim eu nem quero ser poeta. Se for assim eu não quero escrever, muito menos saber ler. Não foi isso que me ensinaram a fazer, mas afinal, quem aprende a sofrer? Pois se todo mundo já nasce chorando e eu já nasci calado, então o doutor já devia saber e falar "esse menino não quer chorar e não quer chover em casa. Não quer ver as flores murchas e o café esfriando, não quer amar e não quer ser amado", mas eu quero ser amado. O médico não pode acertar tudo afinal de contas, então minha mãe choraria e meu pai ficaria calado em um canto da sala. "Não é tão ruim", ele diria, "ele poderia ter nascido aleijado", mas eu sou aleijado. Eu tenho braço e tenho corpo, tenho perna e tenho pinto, "mas então qual é a sua deficiência?" e eu falo pro outro doutor que minha alma quebrou pra ele rir. "Mas como assim quebrou?" ele pergunta, com toda razão em perguntar. Alma não quebra, já nasce ruim ou já nasce boa, então eu digo que tenho alma sofrida, sentida, escrita e descrita em minúsculos pedaços de papel sujos de dor e ódio, respingados com catarro e sangue, medo e frio, mas o doutor não pode me ajudar, então eu desisto. Não vou pra psicanalistas, remédios não resolvem e sorrir de mentira eu já aprendi, afinal, eu não sou só poeta, sou palhaço. Eles riem de mim sentindo, mas como posso culpá-los? Eu também riria se eu soubesse rir ao invés de escrever e escreveria rindo se soubesse rir enquanto escrevo, mas não consigo, então só escrevo. Mas eu não quero escrever e nem falar, então me calo e largo a caneta, mas eles continuam rindo. Por que riem? Se tudo é graça então me mostra o lado bom de não ser eu, que de repente eu me mudo de mim e vos ajudo a rir também. De quem estamos rindo? eu perguntaria. "Daquele poeta ali, aquele menino magrinho e fanho que escolheu amar", mas qual o nome dele aliás? Tomás? Matheus? "O nome dele não importa", eles diriam, e não importaria mesmo.

quinta-feira, 9 de julho de 2015

Eu quereria.

Olha,
eu não quero mais
pois sei que quero
e não posso querer
(não posso, não)
e não quero querer
(mas até quero)
porque não posso
e não quero poder
(mas pudesse eu querer
e eu queria,
soubesse eu poder
e eu podia)
pois nem sei passar
sem passar-te os olhos
sem querer-te em todo
sem tentar-te em mim
(porque te quero)
e imaginar passando
(Por que te quero?)
e podendo, e querendo
me agoniza e despedaça
quero estar longe dessa desgraça
que é querer-te
sem te poder querer.
Capisce?

terça-feira, 30 de junho de 2015

Escrita sobre a escrita.

Escrever nunca foi sobre falar verdades. "A palavra mente", diria um sábio, se tal afirmação não fosse absolutamente verídica. Por ser verídica - uma vericidade paradoxal, mas válida ainda assim - o sábio se cala. O ato da escrita é puramente simbólico, no sentido mais puro da palavra. Nada existe como é contado, não foram as palavras que deram vida ao mundo. A meu ver, o que acontece é exatamente o oposto: o mundo dá vida às palavras. Afinal, a palavra "avião" não teria significado nenhum se Dumont - ou os Wright, fica a seu critério - não tivesse tido a ideia de sair voando por aí. Enquanto escrevia essa última afirmação, percebi que a palavra tem mais ou menos o mesmo objetivo de Dumont: sonhar mais alto. Dizer que a escrita dá asas a quem escreve e a quem lê é um desmerecimento, um castigo à língua, seja ela qual for. As letras dão a possibilidade de ser e de não ser, de estar ou seguir em frente. Ela diferencia os bêbados dos poetas, os bem treinados dos ignorantes. Sem a palavra, nada significaria existência e nada desqualificaria o silêncio. Ainda penso, como disse antes, que ela não tem a capacidade de dizer verdades - por um motivo bem óbvio, eu presumo - mas é só isso que ela não faz.

segunda-feira, 29 de junho de 2015

Café derramado.

Às vezes penso que todo grande conflito tem uma origem mínima e idiota, como um sinal furado ou um café derramado numa calça branca. Alguém fica irritado, faz alguma coisa a respeito e atinge outras pessoas, que continuam o ciclo atingindo outras e por aí vai. Aos poucos, o mundo inteiro é afetado por essa onda de impaciência e o dia-a-dia é coberto com um véu de decepção. Os governantes, também afetados pelo mau humor do cotidiano, tomam decisões estúpidas e mesquinhas, entram em guerras e geram fome, morte, miséria e dor, tudo isso por causa de uma pessoa só.
Mas a pessoa não sabe disso, ela não teria como saber. Às vezes tudo que ela fez foi responder às coisas ruins que o mundo lhe deu, fruto de outras pessoas igualmente insatisfeitas. Ele não teria como mudar, como fazer diferente, como ser melhor.
A menos, é claro, que ele quisesse.

sábado, 27 de junho de 2015

Supérfluo.

(I)
Estou pensando em pequenas palavras porque são mais fáceis de serem pensadas do que as grandes. As grandes precisam ser divididas, separadas em categorias e interpretadas por um júri popular existente apenas dentro da minha cabeça, mas as pequenas não.
Deve ser por isso que eu tenho pensado demasiadamente em "nós" e esquecido de outras coisas, como nicotina.

I()I
Às vezes me sinto como um poeta morto: citado por muitos, mas nunca totalmente compreendido. Como se minha voz houvesse se esvaído com as estações e meus sentimentos tivessem sido adulterados pelo tempo. Sinto-me um fantasma da minha própria escrita, uma sombra de uma sombra de uma sombra. Nunca sou reconhecido pelos meus acertos e, ainda mais preocupante, nunca sou julgado pelos meus erros.

I)I)I)

Se eu fosse um objeto, eu não seria essencial. No máximo útil, mas nem tão útil assim. Antigamente eu pensava em ser uma cadeira, um aparelho de barbear ou um adesivo de carro, mas hoje cheguei à conclusão de que eu seria um pires. Afinal, existe coisa menos importante do que o pires?

sexta-feira, 26 de junho de 2015

Sai daqui.

"Por que?"
Meu amor é ácido, corrosivo e fétido.
"E daí?"
Você não entende! Meu carinho é áspero, meu calor é gélido...
"Meu coração é morte."
Minhas verdades são o pessimismo de uma sociedade doente, meus bons dias são chuvosos!
"Eu aguento a chuva."
Mas não é só chuva! Minha sanidade é desespero, meu café é conhaque e a tempestade é o meu pôr-do-sol.
"Ainda tem conhaque?"
Quem em sã consciência escolheria viver assim?
"Eu não estou em sã consciência."
Mais um motivo para que se afaste!
"Não!"
Tudo que eu toco quebra ou falece, seca ou apodrece, tudo que eu amo morre.
"Então que morra, foda-se."
Mas eu não quero que você morra.
"Então não me toque, mas daqui eu não saio."
Eu não sei não te tocar.
"Aprenda."
Mas eu sou burro velho, cavalo manco. Nada cresce em mim, nada floresce senão você.
"Então por que me quer longe?"
Porque não te aguento perto.
"Pois nem eu te aguento perto."
Então por que não me expulsa?
"Eu não quero, não me convém."
E se eu te disser que você não me convém?
"Então estará mentindo."
Como sabe?
"Caso contrário, não teria problema em me tocar."




-T.

Transtorno.

Sangra em mim esse teu cigarro, meretriz, me corrói com tua saliva pública e me faz desejar como uma vagabunda o faria. Vou esfaquear esse teu estômago sujo e furar-te até que vomites toda a dor que causaste em mim, arrancar-te o coração por cliché, morder-te os lábios até arrancá-los desse teu sorriso falso. Vou meter-me entre as tuas pernas e te ver tremer, me ver tremer dentro de ti enquanto eu gasto o último relance de desejo que eu sinto por algo tão sujo. Me purificarei na podridão, beberei da tua tragédia, viverei mergulhado nas tuas entranhas. Viverei como parasita, sugando de volta tudo aquilo que me tiraram, para renascer do sangue e despedaçar meu hospedeiro. Eu sou como um vírus, amor, e tu és um sistema doente, defeituoso, ultrapassado. Espere por algum sinal, pois não me verás chegando. Quando estiver lendo isso, querida, eu já estarei atrás de você.

Hello again.

quinta-feira, 25 de junho de 2015

Silentium Sonare.

Aos poucos, tudo que eu conheço morre e tuas pupilas me afogam em escuridão. Enquanto suplico, teus cabeços negros me perdem em uma floresta de anseios e perfumes, tua nuca me animaliza e teu silêncio me despedaça. Enquanto choro, teus olhos me esquecem na compaixão do fogo, tua voz distante me despreza, mas não me mata - será assim o teu sentir de mim; em mim ou por mim? Seria eu, tonto e inútil, aquele por quem teu coração te bate sem folga? Aquele por quem tuas veias aquecerem o mármore que te cobre o peito? Estarei eu preso à ilusão da insegurança ou eximido do sofrimento da verdade? Que tal mármore aqueça-me os lábios, por delírio ou necessidade minha - temo definhar-me sem te pagar carícias - mas que deixe-me quente, tolo, fútil, bem! Deixa-me, em vida como em sonho, beijar-te os pés sem que me negues o resto de ti. Que não me negues sufocar o abraço do frio dentro dos cobertores inquietos, adentro à insensata noite, que me espante a tristeza e deixe-nos febris, cansados e descobertos, encobertos e redescobertos pela embriaguez desse novo amor.

domingo, 21 de junho de 2015

Como que pra sempre.

Seus olhos se fechavam como que pra sempre
Mas depois se abriam
E a tristeza declarava-se, gritava e chorava em cores
Mas depois os olhos se fechavam
Como que dormindo, como que em vazio
Como os meus, eles falavam
Mas não me viam, não escutavam
Talvez estivessem perdidos de tanto gritados
de tão chorados, eles fechavam
Como que acabados, como que sozinhos
Mas não se vá agora, amor, que eu não desisti
Abre esses olhos, que eu ainda não dormi
Abre essas portas fechadas, solta esses gritos contidos
Canta esses olhos calados
Que me fitavam, me amavam
Mas não amam mais
Mas não me fazem ser, não nos fizeram
Não nos fecharam antes de se acabarem
Antes de me acabarem como que pra sempre
Pra depois se abrirem
Pra depois se amarem
Pra depois fecharem.

Borboletas.

O dia começou anoitecendo em um quarto escuro. Minhas pálpebras queimavam de cansaço enquanto eu acendia outro cigarro ruim do Jack. A casa era dele, o cigarro era dele, o quarto era meu.
"Aquela borboleta está se mexendo?"
Jack não sabia o que falava, estava sob o efeito de drogas pesadas. Todos nós estávamos, de um jeito ou de outro. A borboleta à qual ele se referia era um enfeite grudado na parede que só se mexia em dias como aquele.
Olhei pra borboleta e ela olhou pra mim.
"O que você está olhando, verme estúpido?", eu disse.
Jack riu. Ri de volta, sem humor. Não havia um pingo de alegria em mim naquele dia-noite, foi por isso que eu resolvi me drogar. Algum sábio alguma vez me disse que a droga não vicia, que o hábito de se drogar é uma simples adaptação do ser humano à realidade em que ele se encontra, que eu posso parar na hora que eu quiser.
Mas eu não acredito nisso, eu não sou burro.
Virei-me para Jack, interrompento-lhe algum pensamento fútil.
"Ainda tem beck aí?"
"Tem."
"Aperta um então."
"Aperta você, vadia."
Jack riu de novo. Ele não era a criatura mais inteligente do mundo, talvez não fosse nem do quarto. Naquela época eu ainda tinha algum cérebro, alguma consciência, algum limite, ao contrário do Jack. Dizem que essas são as características da velhice e da experiência, mas eu acho que é o contrário: quanto mais velho, mais burro e acostumado você fica. Mais destemido, mais despreocupado, mais idiota. É aqui que a gente erra. Quando jovem, o mundo é um perigo atrás do outro, tudo é importante demais e tudo deve acontecer rápido demais, temos que prestar atenção em tudo. Eu cheguei a prestar, pelo menos por um tempo, mas aí o tempo vai passando e a gente deixa de ligar. Talvez meu futuro fosse diferente se eu tivesse pensado nisso antes, mas provavelmente não. Meu futuro não teria modos de ser diferente.
Jack já estava de pé quando eu terminei de apertar o baseado. Acendi, dei duas tragadas e segurei a fumaça no pulmão.
"Libera o beck aí, policial." - Jack se achava muito engraçado.
"Lei do duende: quem aperta, acende."
"Lei do gnomo: o segundo é o dono."
"Mas fui eu que comprei o boldo."
"Com o meu dinheiro."
"Foda-se, já to chapado mesmo."
Joguei o beck pro Jack, que o pegou desajeitadamente, queimando a palma da mão.
"Filho da puta!"
"Parece até que você sentiu queimar... Haha"
Meu coração acelerou, o mundo queimou e eu voltei a dormir.

terça-feira, 9 de junho de 2015

Nostalgia.

Eu costumava dormir.
Escrevia até dormir e dormia -
Antigamente eu escrevia.
Nos tempos áureos, a cafeína,
A nicotina, o álcool e a cocaína
Não faziam parte do meu sangue -
Antigamente eu não bebia.
A solidão sentia e era sentida
E a tarde de domingo era sofrida
E a de segunda nunca terminava -
Antigamente eu não ligava.
E se chovia eu me molhava
E se nevava eu me cobria
E se eu chorava eu logo ria -
Nesses tempos eu ainda ria.
Agora é tudo lodo
E eu só vejo esse lixo todo
Cobrindo as ruas da minha mente,
E a verdade se tornou ausente
Como essa rima forçada,
Como uma relação arrastada.
Hoje meu coração punge,
Finge, mata, troca, pega,
Nega, peita, peida e fode -
Antigamente ele batia.

quarta-feira, 3 de junho de 2015

Ah, L'Amour...

Alguém alguma vez me disse que o melhor jeito de superar um grande amor é transformando-o em literatura. Assim, na esperança de não mais sentir, passei grande parte da minha vida escrevendo ao invés de viver. Levou tempo, mas hoje eu percebi meu erro: o amor é, dentre todas as outras coisas, literatura. Para escrever sobre ele, é preciso lembrar, e lembrar é como reler. Não é relendo que se esquece um bom livro, mas é relendo-o que se esquece dos outros  ― e foi relendo outras que esqueci você.

Cínico.

Esse frio me domina enquanto a esperança me condena, meus olhos riem e minha alma chora, tua falta despedaça e protege, teu perfume me traz um choro cínico e um sorriso nostálgico. Queria estar apagado, esquecido e irreversível. Queria não poder te olhar, te ouvir, te lembrar, te querer. Queria poder, fazer, perder. (Queria ser e somente ser).
Quero perder tudo que me faz querer.
(Quero querer perder-te.)

Retratos do delírio (I)

Imagine estar teto-pretando na casa de uma tia louca com 947 gatos: esse era eu naquele momento. Meus braços se moviam como cobras imaginárias do inconsciente coletivo de tudo que a cobra representa, meus olhos eram quadrados e tudo era azul. Deitei-me de bruços pelo que pensei estar em pé, esforcei-me para lembrar de alguma música conhecida e comecei: "essa moça tá difereeente, ja não me coonheeece MAIS" enquanto a tal tia louca continuava a conversar com os gatos. Senti que precisava fazer alguma coisa, então domei meus braços enquanto continuava a canção.
"Mas o tempo vai, mas o tempo vem..."
Consegui alcançar meu bolso e pegar, com o auxílio de unhas muito mal cortadas, mais uma das pílulas mágicas. Eu não queria fazer isso, mas era preciso. Senti-a tocar minha língua e descer minha garganta. Esperei enquanto cantava:
"Se do lado esquerdo do peito, no fuuundo ela ainda me quer bem..."
Em um sopro, senti-me bem de novo. O mundo era totalmente normal e chato, mas agora em câmera lenta. Eu sabia que eu não conseguiria fazer com que qualquer um me entendesse, então fiquei quieto enquanto a velha louca se aproximava:
"Pega esse aqui, meu filho, leva ele pra casa."
Eu só sorri por horas e esperei até que ela fosse embora. Em uma ocasião, eu estava contando essa história pra um amigo e ele duvidou que eu tivesse sorrido por tanto tempo, então precisei explicar que, para a velha e para todos os seus 947 gatos, passaram-se só alguns segundos.
Saí de lá enquanto a murcha gritava algo para mim, segurando um dos gatos como quem segura um pênis em uma orgia gay. Fiquei enjoado com a cena e perdi a fome. fui pro bar tomar uma cerveja e fumar um cigarro, mas não mais se fuma em bar então eu fiquei só com a cerveja. Malditos moralistas pútridos, com absurdos conceituais e lógicos de tamanha estupidez que perdem em argumento e sentido pra uma criança bem treinada. Vocês todos, na minha opinião, não passam de crianças mal treinadas esperando a vida inteira pelos próprios lugares ao Sol. Eu digo: "Que fiquem no sol, mas deixem-me fumar na sombra!"

quarta-feira, 27 de maio de 2015

Maria e Virgo.

Quarta-feira, 29 de Junho de 1938.

Eu acho que eu perdi a habilidade de ser rápido no gatilho, ser hábil com as palavras e com as pessoas. Já não sou mais conhecido pelos meus bordões brilhantes, pela minha atitude ao liderar um bando na próxima caçada, sabe? Estou ficando velho e sóbrio, sóbrio e velho, velho e velho. "Haha sei" Ah! Maria, não sabia que você estava aqui. "Você nunca sabe." Talvez. O que eu estava falando? Não consigo terminar o que eu começo que na minha linha de pensamento logo me vem outra coisa. Quê? Ah! A aguardente! Meu único e verdadeiro amor: a bebida. "Ah é?" Penso que não, tem o chapéu, mas não faz diferença agora. "Você e esse maldito chapéu, deixa eu lavar ele!" Não me interrompe, estou no meio de algo importante! "Ô grosso!" Grosso... Onde eu estava? Ah sim! Foram tantos que se foram que eu já perdi a conta de tanto rum que foi-me junto. Esses cangaceiros não me suportam, ta todo mundo cansado da guerra. Isso é uma guerra, certo? Não sei. Estou ficando burro, Maria, vou morrer logo. "Pare de bobagem, Virgo, cê só ta ficando chato!" Você não tem medo não? "Não, por que teria?" O governo ai chegar na gente, a gente ta liderando uma, uma... "Revolução." Isso! Revolução! O sargento ta na nossa cola, faz dois dias que invadiram uma casa de onde tínhamos acabado de sair, acho que foi um sinal de Deus pra gente ir embora. "Agora você ta ficando louco mesmo." Por que? "Deus não ta aqui." Ah é? E ta aonde? "Não sei, mas aqui não ta. Você vê deus aqui? Eu só vejo gente pobre morrendo de fome." Para e falar isso, você é sempre tão pessimista... "Mas é verdade." É... Talvez seja, mas eu acreditava no Padre Cícero. "Eu tenho que falar contigo, Virgo..." Tanta gente boa que já se foi... "Virgo..." O que foi? Pode dizer. "É importante, assunto sério." Ta, mas deixa eu terminar o que eu tava falando antes então, ok? "Ahn..." Onde eu estava? Ah é! A aguardente...

terça-feira, 19 de maio de 2015

Utopia.

Clona-me, domina-me e decifra-me no vazio das tuas pupilas, mergulha-nos nos teus sonhos, comete-me em delírios, começa-me e me termina em fogos, em pizza, em sonho,
Sossega.
Descansa-te no meu ombro, respira longa e amorosamente dos meus ares de amor eterno, me ajuda a contar estrelas, moedas e os segundos até que nos encontremos de novo, até que nossos corpos se batam como as ondas batem nos rochedos. Mata em mim a minha vontade, esconde minhas certezas no seu corpo e respira fundo meu perfume,
Para.
Me esquece, me abandona. Me deixa pra lá e aqui, sozinho e fútil, atordoado e inútil, sem saber o que me atingiu. Deixa-me com meus caprichos, com minhas manias, minhas dores, deixa quieto tudo aquilo que nos uniu,
Mas volta.
Eu quero um trago de amor e outro trago de desprezo.

Triste.

Eu tenho acordado triste. O café tem ficado fraco e as manhãs tem sido escuras, sabe? O sapato também tem arrastado muito no chão enquanto eu ando e eu to andando muito curvado. Meu médico diz que é só postura, mas a gente sabe que não é, né? E a casa ta numa calmaria que eu nunca vi. Não tem passos, risadas, gritos ou música alta... haha! Ta tão quieto que às vezes eu me espanto com um barulho que eu mesmo faço, mas já to me acostumando... Voltei a beber depois do trabalho. Aconteceu logo depois que eu voltei a escrever, mas não podia te contar antes, sabe como é. Antes eu tava frequentando aquele bar da esquina, mas as bebidas estavam acabando rápido demais, então agora eu vim beber em casa. As bebidas duram menos ainda, mas eu gasto menos dinheiro. Fiquei sóbrio pra escrever essa carta e escrevi porque to com saudade já. Se quiser eu passo aí qualquer hora... ou você passa aqui pra tomar café e falar das novidades, sei lá. Mas já aviso que o café tem ficado fraco...

Míngua.

Seguro a garrafa, solta
Gargalhada e volta
Volta a beber da pinga
Melhor que viver na míngua
Melhor que morrer sozinho
Faz um brinde a mim
Segura o copo assim
Bebe do copo assim, olha
Molha a boca na garrafa
Molha o bico n'outro bico
Beija a moça inteira, ri
Mas segura a garrafa
Não deixa cair de lado, caí
Mas ainda tem pra mim
Tem rum pra mim?
Tem rum pra mim?
Bebe indo e voltando
Bebe andando e transando
Cagando e andando, mas
Não derruba a garrafa
O copo, o pote, o cantil
Esquece tudo que é senil
Deita aonde? Deita lá, vai
Na calçada, no asfalto
Deita no baixo ou no alto
Eu não tenho preconceitos
Eu não possuo conceitos
Chega de birra, bebe mais
Bebe a minha companhia
Só mais um golinho, vai
Melhor do que viver na míngua
Do que morrer sozinho.

Bóreas e Aurora.

Que de Ana, Bruna e Amanda
Despertou, em mim, essa criança?
Que atingiu a minha alma branda
Ou que fez-me derramar lembrança?

(Ah! Aurora...)

De doente, não me recordo
Ter sido antes sofrido de amor
Mas hoje, quando então acordo
Percebo essa mais nova dor

(Ah! Aurora...)

Que pena fim tão previsível!
Que doce amargo essa fome!
Despertara-me do insensível
Só no som de um simples nome!

(Ah! Aurora...)

Assim te fez-me ser e sofrer
Da falta que tua voz me faz
Deixara-me a desfalecer
Me trocara por outro rapaz

(Ah! Aurora...)

Enquanto a solidão cobria
A mulher que foi, por mim, amada
Tristes foram meus bons dias
Que não me cresceram em nada

(Ah! Aurora...)

Senti-me esvaindo em pena (De mim! Por mim!)
Temi me acabar sem nós
Enquanto a esperança amena
Mudou-se do meu ser atroz

(Ah! Aurora...)

Vazias foram tais semanas
Em que não causei-te dor alguma
Tive tantas Julias e Julianas
mas de Aurora eu só tive uma.

segunda-feira, 18 de maio de 2015

Conversas de Ônibus (II)

(Sento-me do lado dela)
-  Olá.
              -  Oi.
-  Que coincidência nos encontrarmos aqui, não?
              -  Não sei, eu te conheço?
-  Não.
              -  Então por que seria uma coincidência?
-  Todas as histórias são coincidências e improbabilidades.
              -  E o que é improvável?
-  Que eu fale com uma mulher estranha no ônibus.
              -  E por que falou?
-  Porque eu também sou estranho.
              -  Bastante.
-  Já que somos estranhos, posso tentar adivinhar seu nome?
              -  Pode.
-  Tenho três chances, ok?
              -  Ok.
-  Pâmela.
              -  Não.
-  Juliana.
              -  Também não.
-  Priscila?
              -  Não. Perdeu.
-  Sua vez.
              -  Ah, eu não quero tentar adivinhar.
-  Zeca.
              -  É o seu nome?
-  É.
              -  Priscila.
-  É o seu?
              -  É.
-  Mas eu disse Priscila.
              -  Eu sei.
-  Você é estranha.
              -  Hahahahaha eu!?
-  Eu e você, você e eu, nós.
              -  O que isso quer dizer?
-  Nós?
              -  Tudo.
-  Que talvez nos conheçamos.
              -  Mas você disse que não nos conhecíamos.
-  Talvez nos conheçamos a partir de agora.
              -  Do nada?
-  É.
              -  E o que te faz pensar que eu quero conversar com você?
-  O fato de já estar conversando.
              -  Mas eu poderia estar conversando qualquer um.
-  Você é qualquer uma, eu sou qualquer um.
              -  Isso foi rude.
-  Me desculpe.
              -  ...
-  Vai me ignorar pra sempre?
              -  Só até chegar o meu ponto.
-  Ou só até chegar o meu.
              -  Onde você desce?
-  Aqui. (Levanto-me)
              -  Aqui? Mas já?
-  É. Nos vemos por aí?
              -  Vou pensar.
-  Me liga!
              -  Você não me deu seu número.
-  Eu sei!
(Ando em direção à porta)
              -  Mas espera, não vai assim!
(Salto do ônibus)
-  Até qualquer dia.

sexta-feira, 8 de maio de 2015

Vestido velho.

Hoje mais cedo te vi
Com aquele vestido velho
Com o mesmo sorriso sério
E esses cabelos de fogo

Hoje eu passei e olhei
Aqueles tornozelos brancos
Trocando os meus passos mancos
Trôpego que estive ali

Bêbado que mal senti
A tua alegria em outro
Lembro-nos tanto pouco
Quando, ao te ver, nos vi.

Coração partido.

Bate, bate, bate coração partido
Bate que é minha a tua dor
Afunda e me engole de amor
Chora no meu corpo endurecido
Chora aqui graciosamente
Enquanto eu te cubro a boca
Chora em mim até ficar rouca
Até eu chorar na tua garganta
Onde minha criança canta
E o silêncio se faz presente.
Abre pra mim tuas portas
Deixa eu te fazer sentido, vai
Deixa sentir, sente, senta
Abre essas pernas tortas
Enquanto minha criança tenta, vai
E enquanto a criança aguenta
Meus doces carinhos de pai.

Consonância.

Eu acredito - como escritor e crente na escrita - que a narração dos fatos seja mais importante do que a verdade. A verdade, tão enganadora e tendenciosa, não costuma ser mais do que um dos possíveis pontos de vista. É fato, senhoras e senhores, que alguns discordarão de mim nesse quesito. Mas quantos de vocês, dissimulados e simuladores, nunca desenvolveram a verdade a seu favor? Quantos não acrescentaram ou distorceram palavras de outro alguém pelo simples prazer de possuir uma credibilidade que não os cabe? Que não os deveria pertencer? E quantas mentiras foram contadas pelo bem das verdades que defendem, caros senhores? Eu não só os declaro hipócritas por agora como citarei, um pouco mais pra frente, um exemplo claro para defender minha tese. E espero que, ao final dessa narrativa, eu já os tenha convencido de que a mentira, assim como a verdade absoluta, é uma parte essencial para a realidade em que vivemos, e que negá-la é o modo mais fácil de se perder.
Pois bem. Certa ocasião, mais ao norte do estado, um negro foi julgado e condenado à forca pelo assassinato de um conhecido Charles Hampton. O negro, como era de costume, trabalhava para a família de Charles há muitos anos. Sua mãe foi levada à fazenda ainda cedo, onde deu luz a ele e mais um - ambos livres da corrente da escravidão, liberdade estabelecida pela lei do ventre livre.

[...]

Me desculpem, fui fumar um cigarro.

(Ad continuum...)
O negro, portanto, era um homem independente, de livre escolha e de livre pensamento. Os elos que o mantinham trabalhando para o Sr. Hampton poderiam ser puramente simbólicos - alguns diriam que havia até um certo nível de camaradagem, na medida que lhes é possível, entre um negro e um branco, caso essa história não possuísse um desfecho tão dramático.
Mas por que, em nome da bendita lógica que habita todo ser pensante, o maldito negro haveria de querer matar seu suposto camarada? Alguns afirmam - e coloco aqui este por mera curiosidade, já que não há evidência científica de que tal afirmação seja verdade - que os pardos e de cor escura possuem um cérebro menos desenvolvido do que nós, os brancos, racionais e tementes a Deus. Alguns diriam, inclusive, que tal ato cometido por esse negro em particular não possui nada de particular. Diriam que tal ação, dentre outras, representa a selvageria desses animais escuros com os quais brincamos de dominar por tanto tempo e de forma tão cruel. A essas últimas constatações, senhores, não só afirmo que existem aqueles que as fazem, como afirmo existirem os que a apoiam. A estes e àqueles, guardo-lhes somente desprezo. Não só pela racionalidade que os falta, mas por ter tido Charles Hampton duas filhas, Aurora e Lucíola, de 5 e 7 anos respectivamente, com as quais brincava da forma mais repugnante, segundo boatos que circulavam na fazenda. Ainda segundo tais boatos, o nobre Charles não apenas abusava das filhas, como fazia questão de não parar até que todos os trabalhadores pudessem ouvir os gritos sofridos das crianças. Era aí então que o Sr. Hampton, entorpecido por sexo e ópio, abria a porta do quarto em que estivesse e saía cambaleando até o depósito de bebidas para, algumas horas depois, recomeçar o processo.
Mas aí entra a tal verdade, meus caros senhores, pois boatos são apenas boatos, mas a certeza é incontestável. Eu imagino, portanto, que os hematomas encontrados em Aurora e Lucíola sejam, também, apenas boatos de hematomas, e espero que meus olhos tenham sido vítimas do meu próprio delírio ao ver, eu mesmo, as marcas roxas nos braços e pernas das meninas. Espero também que minha paranóia tenha chegado ao seu limite quando vi, nos olhos delas, uma sensação de alívio quando próximas ao corpo do pai. Eu espero, sinceramente, que os fatos tenham se distorcido na minha cabeça pois, caso contrário, em nome da verdade e da justiça, eu deixei que um homem inocente fosse levado para a forca.
Eu não venho aqui ludibria-los com minhas fantasias, muito persuadi-los à culpa por tantos crioulos maltratados. Minha escrita não é de cunho social e não acredito que venha a se tornar, portanto somente destaco um ponto aqui, dentre as enormes atrocidades narradas nesse texto:
Qual de vocês, defensores da justiça e da bondade, estaria disposto a enfrentar a forca para defender o justo?
E quantos vocês mandariam à forca pela mesma causa?

Procura-se.

Você está sozinho?
    To procurando alguém.
Quem?
    Não sei ainda.
Como assim? Uma pessoa qualquer?
    Não, um alguém específico.
E essa pessoa tem nome?
    Tem... Qual o seu nome?
Vitória.
    Ahn.
Sou eu quem você procura?
    Não sei. Acho que poderia ser você, ou eu, ou outra pessoa.
Mas não qualquer outra pessoa.
    É.
E se a gente fingisse que eu sou esse alguém?
    E então?
Aí você me diria por que estava me procurando.
    Eu queria conversar...
Ah é? Sobre o que?
    Sobre nós.
Explique-se.
    Queria perguntar por que nós não temos nos falado.
Mas eu não te conhecia antes.
    O porquê disso seria a minha segunda pergunta.
Mas como nos falaríamos se eu não te conhecia?
    Não é isso que estamos fazendo?
Hipoteticamente?
    Também.
Eu sou quem você procura?
    Não sei, você é?
Não sei.
    Você se incomoda em não saber?
Não. Por que me incomodaria? Ninguém sabe de nada mesmo.
   Eu também acho, mas não tenho certeza.
A certeza caminha junto com a ignorância.
    E a ignorância é o caminho mais fácil pra felicidade.
Não.
    Sim.
Então você não é feliz?
    Não... Você é?
Não.
    Ahn.
O que?
    Acho que você não é a pessoa que eu procuro.
Eu sei que não.
    Como sabe?
Porque eu já te encontrei.
    Então eu não preciso mais procurar.
Por que?
    Porque eu também já te encontrei.

segunda-feira, 4 de maio de 2015

Noite fria.

I.
Relembra-me da noite fria
No doce lar dos teus amores
De quando a sanidade esguia
Me levou a derramar torpores

II.
Relembro dos teus doces seios
Do âmago da tua companhia
Mas a paixão pelos meus receios
Dominou a escuridão vazia

III.
Bebi o amargo do vício
Tomei o meu porre de horror
E ofereci, em sacrifício
A vida do meu grande amor

IV.
Perdoa, perdoa, Aurora!
Que eu não te acabei por maldade
Eu não quis deixar-te ir embora
Eu não soube amar de verdade

V.
Tirei-te a vida, criança
Chorei-te nessa noite fria
Matei-te por insegurança
No calar da escuridão vazia

Aurora:
Eu sinto por não ter deixado
Certeza do quanto te amei
E por tanto ter-te amado
Pergunto-me onde eu errei...

domingo, 3 de maio de 2015

Elle voulait.

Eu queria ter-te querido
E ser-te querido eu quis.
Eu queria ter te sentido
E ser, por ti, sentido
E ver, em ti, sentido
Mais do que o querer sentir.
Eu queria sentir que quero
E sentir-te, em mim, espero.
Por querer-me sentir em ti,
Eu fui sem querer partir,
Eu quis não querer sorrir,
Por receio de me descobrir
Menos do que eu quero ser,
Mas foi-se o amanhecer
E o anoitecer das vontades
E ludibriei-me em beldades
Que eu nunca quis possuir,
Mas aí era tarde demais,
Mas aí tu me deixaste ir
Sem querer me tentar amar
E a certeza te deixou calar
E o silêncio se deixou fazer.
Em ti eu tentei me esconder,
Por ti eu tentei melhorar
E por ti eu quis não querer;
Quis-te em tudo um tanto
Para calar-me o pranto,
Para secar-me o rosto,
Pois não me encontro disposto
A deixar quem me deixou partir.
Se me amas, que me queira,
Se me queres, que me diga,
Que me espere ou que me siga
Mesmo eu sendo mais um tolo
À caminho da perdição!
Pois, no negrume da paixão,
Eu guardei os teus lábios vis
E, enquanto minha boca mente
E te diz como indiferente
Eu almejo secretamente
Esse alguém que já me quis.


(a)

quinta-feira, 30 de abril de 2015

Para o que foi perdido.

Julieta, minha aurora, minha razão de viver, eu já teria-te escrito se eu assim pudesse, bebido-te-ia e desmancharia os papéis chorosos com tanto choro derramado e coração partido! Me perdoa pela irresponsabilidade tola que foi não te amar-nos mais... Eu sou um quadrúpede primitivo dos mais lodosos pântanos de todo esse planeta, mas não te quis mal a nós, Vita Belle. Eu nos amo e nos peno por amar sozinho, e nos sofro por guardar-te de mim, mas eu não quero! Eu quero ter vivido tudo aquilo que te rodeia, ser rodeado por todos aqueles que assim te fazem, ser querido por ti e por todos. Por ti eu amarei todos os outros quadrúpedes primitivos e não mais anteciparei matá-los - como matei a mim, mon amour, quando te vi partir de mim, quando olhei-te em nós e não quis. Sente meu peito com tuas delicadas mãos e vê se eu minto. Sossega meus lábios com os teus e descansa teu corpo em nós dois pra desgastar a solidão. Você nos falta, ma petite, em cada pedaço de nós.

quarta-feira, 29 de abril de 2015

Psychosis.

I'm devastated, I'm
Hollow, I'm empty
(I am, I am, I am, I am).
Sanity is leaving me slowly.
There are no voices,
There's nothing wrong with me.
Avoid the suffering, ignore.
Ignore them, ignore... me.
I am not, I was not, I will not be.
Who am I? Who is she?
Benjamin Charles Hampton
Cut the nails off, Jerry.
I don't want this hair on my...
(I am, I am, I am, I am)
I said cut the nails, Jerry!
Paint the walls red.
Dinner is ready, darling!
Don't play with scissors, don't
Don't you dare, Jerry...
(I won't, I am, I am)
Perfect.

terça-feira, 28 de abril de 2015

Se você for...

Se você for meu grande amor,
Não me sujeite à pequinês.
Se você for, bem, por favor,
Não me enfeite de acidez.
Se você for, não volte!
Se for pr'eu ir, me solte!
Se eu for frio,
Não me esquente.
Se eu for chato,
Não me aguente.
Se eu for errado,
Não me ensine.
Se eu for mimado,
Não me mime.
E se você for, meu bem,
Não vá.

segunda-feira, 27 de abril de 2015

Matando pássaros.

Parte 1

Não deixar de escovar os dentes.
Não deixar de tomar banho.
Sempre dizer "com licença" e "obrigado".
Sempre usar o cinto de segurança.
Tirar notas altas na escola.
Não ir de madrugada para a cama dos pais.
Não pular no sofá.
Não deixar louça suja na pia.
Não deixar de almoçar ou de jantar.
Não imaginar bobagens.
Não deixar a torneira aberta.
Não deixar as luzes acesas.
Não desobedecer os pais.
Não faltar aula.
Não deixar roupa jogada pela casa.
Não ter medo do escuro.
Não ter medo de monstros.
Tratar bem os animais.
Não ir brincar antes de estudar.
Sempre rezar antes de dormir.
Não sonhar alto.
Não chorar em silêncio.
Não ir dormir tarde.
Não brincar com a lâmina de barbear.
Não acordar tarde.
Não acordar.

Parte 2

Não enlouquecer.
Não arrastar os passos pela casa.
Não acabar com o cigarro.
Não se acabar.
Não ouvir as vozes da sua cabeça.
Não esperar pelo melhor.
Não abdicar do dinheiro.
Não abdicar do arrependimento e da amargura.
Não matar os pássaros.
Não perdoar antigas desavenças.
Não temer o escuro.
Não temer a solidão.
Não temer a morte.
Não se submeter a vícios.
Não alimentar os pobres.
Não reclamar.
Não reagir.
Não opinar.
Não acordar.

quinta-feira, 23 de abril de 2015

So le tra - nos.

Soletra-me de cabo a rabo
Tira-me o vestido que me veste
Arranca-me a pele e a saudade
Arranca de mim o ócio
Arranca de mim meus gritos
Sossega-me nos teus lábios secos
Fuma minha dor no teu cachimbo
Despedaça-me no lençol da cama
Despedaça-me no pára-brisa
Despedaça-me em várias outras
Insinua-me nos teus sonhos
Lambe minha pele nua
Lambe o meu sentimentalismo
Lambe minha existência
Cospe fora minha ausência
Cospe fora meu pudor
Ignora minha inocência
Ignora-me na cama
Espanca-me de vontade e ópio
Resgata-me da incoerência
Sufoca-me nos teus suores
Segura-me em ti pra sempre.


Segura-te em mim agora, amor.
Solta só quando eu mandar.

Rotinária.

Eu fui devastado pelo cotidiano
e todos os meus prazeres se tornaram formulários:
assinados, enviados e postos em espera para análise mais minuciosa;
para uma diversão mais apropriada;
para uma padronização do meu sentir;
para o meu próprio bem.
Mas meu sorriso industrial enferrujou, querida,
Por isso a confusão.
Por isso esse rosto sempre satisfeito
e essa alma insaciável.

terça-feira, 14 de abril de 2015

quase uma ideia só.

eu não sou quase ninguém
menos do que humano, eu sou
quase uma ideia só, saltitando
nos palpites e palpitações do
seu "subconsciente coletivo"
eu sou um ser mísero, micro
em um macro-universo lascivo
nocivo, ácido de diversas formas
em diversas dimensões, eu estou
absolutamente imerso, dormente
na seiva grossa de agonia e pudor
que preenche as lacunas do futuro
eu sou só mais um fruto podre
me decompondo na imensidão do
espaço, sou um exemplo sujo
dessa amargura cuspida na cara
de uma sociedade vazia e doente.

Vinho tinto.

estávamos nervosos, eu e ela. nunca pensamos nisso, nunca ousamos pensar no bizarro, no anormal. é perigoso, ela disse, mas já sabíamos e não queríamos saber. queríamos fazer. ela começou a me beijar. me beijou a nuca, o pescoço e os lábios. me acariciou o pênis e pegou a lâmina de barbear.
"toma."
seu olhar era de súplica, mas escondia uma inimaginável malícia. tenha misericórdia, seus olhos diziam, quando seu corpo e sua boca pediam o contrário.
"eu quero isso."
eu comecei lambendo-a no pescoço. um pequeno corte e o sangue começou a escorrer. o gosto de ferro invadiu minha boca e me atordoou. o sangue fluiu até o peito e comecei a lamber aqueles pequenos mamilos rosas. ela sentia prazer na dor, eu sentia prazer ao causar dor. mordi seu mamilo e ela gritou de êxtase. tirei-lhe a calça. outro corte na barriga, mais sangue. dessa vez foram dois. os arredores dos meus lábios ficaram manchados de vermelho, mas eu não liguei. tirei-lhe a calcinha e passei a lâmina na coxa. um grande corte do joelho até o ventre. longo, mas sutil. ela revirou os olhos de agonia e prazer, mas eu não me distraí. não era necessário me esforçar, eu nasci pra isso. lambi sua coxa inteira, devorando seus sabores. minhas mãos ficaram sujas, mas eu não liguei. repeti o processo com a outra coxa e me voltei pro ventre. eu não precisava mais cortar, tudo era vermelho. chupei-a com mais força do que fiz com qualquer outra, enfiei-me em dedos nela e ouvi-a gemer. mais um corte na barriga, um grito e mais sangue. minha saliva se misturou ao seu corpo e tudo virou fluido. "me come", ela pediu, mas não precisava pedir. tirei-me da calça, puxei seus cabelos e meti em seu frágil e debilitado corpo, fazendo com que os cortes pulsassem. mais um corte no pescoço e, aos poucos, os lençóis brancos foram ficando vermelhos. continuei metendo e pulsando, pulsando e metendo, lutando ao máximo para continuar consciente. agora não havia mais volta, eu não estava mais no controle. virei-a de bruços e voltei a meter. notei que, por displicência, suas costas estavam intactas. tarde demais, minha mão já havia pegado a lâmina. fiz um corte fundo do lado esquerdo das costas, fazendo o sangue jorrar. ela não se incomodou, não havia incômodo em nós. meti até onde eu queria, mas era tarde demais, pois não era mais eu.  tirei-me dela e olhei seu rabo. tudo estava pintado de sangue e gozo, não me aguentei. segurei-a pelos cotovelos e enfiei-me com relativa facilidade no seu ânus. ela gritou. "não para", ela disse, mas não precisava dizer, eu era incontrolável. eu era ingovernável. puxei-a até ouvir o barulho de algum ombro deslocando, mas eu não liguei. ela gemia como uma puta e tive medo que alguém visse a cena. eu acelerei dentro dela, meti forte. eu não era mais uma pessoa, eu era um monstro. "eu vou gozar", ela disse, então puxei-a pelos cabelos até quase arrancá-los da sua cabeça imunda e meti mais cinco vezes antes de cortar sua jugular. seu interior se misturou ao lençol e tudo virou lençol e sangue. gozei em seu ânus ainda apertado, ainda quente. deixei seu corpo cair como o de um boneco e deixei-a lá de quatro. sua face virada pra cama e sua bunda virada pros céus, seus braços para trás e cotovelos marcados pelo meu amor.

domingo, 12 de abril de 2015

Madrugada.

me faltam palavras
faltam meias, falta gente
e o fogo aquece o corpo
mas a solidão gela a alma
os dentes rangem de frio
o estômago ronca de fome
os outros roncam em casa
mas eu não tenho casa
eu não sou mendigo, eu não
(eu tenho casa, não é isso)
sou bêbado, nem fumo
não gosto do silêncio
nem do estalar dos móveis
ou da palpitação no peito
será que bateram na porta?
acho que não foi nada
eu vou fazer um café
e a lareira está acesa, mas
não tem ninguém pra conversar
está tão frio aqui...
são as paredes, ela me disse
elas são fracas demais
ou foram as paredes dizendo
que nós fomos fracos demais?
de qualquer forma, estou louco
- ou sou incrivelmente tolo?
louco por ouvir o passado
tolo por ouvir as paredes.

quinta-feira, 9 de abril de 2015

Carta para o capitão.

Boa noite, capitão.
Conheci uma garota hoje, o nome dela é Lis. Ela aparenta ser bem mais nova do que eu, mas é tudo que eu sei. Tentei chegar perto e conversar, mas minhas mãos suaram e meu coração quase explodiu no peito. Será que tem alguma coisa errada comigo? Será que perdi o jeito com as palavras? Tenho estado muito solitário quase o tempo inteiro, capitão. Passo os dias bebendo ou de cama e não passo as noites diferente, sou introspectivo com todos que tentam se aproximar e não sinto vontade de fazer novos amigos. Ainda assim, queria uma moça dessas pra deitar na minha cama, sabe? Dessas que a gente vai trabalhar e deixa ela lá porque a presença não incomoda. Pelo contrário: enfeita. Queria conversar com ela os meus medos e inseguranças, dizer de cara quem sou eu e não deixar dúvidas de que eu a gosto, mesmo que não goste tanto assim. Meu pai sempre dizia que as pessoas eram diferentes de mim, que elas gostavam de certezas... Ele estava certo. Queria dar certezas a ela de que tudo vai ficar bem, mesmo que eu mesmo não as possua.
Que tonto eu, divagando sobre uma moça que eu ainda nem conheci! Amanhã eu tento falar com ela de novo. Amanhã não, mas um dia. aí eu paro de te perturbar mandando cartas tolas. Logo logo eu esqueço dos meus problemas e vou viver outra paixão, aí você não vai mais ouvir falar de mim.
Mas por enquanto não, capitão. Por enquanto não...


- Quasímodo.

quarta-feira, 8 de abril de 2015

Vertentes.

O processo criativo não é mais do que puramente mecânico e, como tal, necessita de combustível. O meu, como para muitos outros, é o sofrimento (ler Byron). Eu não necessariamente escrevo textos sofridos, mas é preciso, de certa forma, uma pequena dose de desilusão para que eu comece a funcionar. Sem ela, é como se minhas palavras fugissem de mim. Minha mente perde o foco e começa a viver a letargia da satisfação, e isso é fatal. Afinal, um indivíduo plenamente satisfeito é um indivíduo inútil (ler Nietzsche).
Mas até onde posso desbravar a dor? Me pergunto se sofrer é, pra mim, como a água é para a planta. Se for regada muito pouco, a planta seca e nada sobra dela senão os frutos que já foram colhidos. Se encharcada, as raízes apodrecem e sua essência morre por dentro. Mas como saber sem me doer até a putrificação? Como ter certeza sobre meus pensamentos e, mais importante, como elaborar uma tese sem ter que recorrer à auto-destruição? Eu poderia encontrar objetos de estudo que possuem a mesma singularidade que eu, mas me levaria anos e eu não tenho tanto tempo antes de sucumbir à tristeza - ou tenho?
Há também, além dessa, outras duas possibilidades. A primeira é de que a dor emocional é, para mim, como a insulina é para o diabético. É uma droga, mas é aquilo que mantém tudo em seu devido lugar. Se eu aumento a dose, meu corpo se acostuma e eu não mais posso voltar à dose anterior sem causar danos sérios ao meu emocional. Essa hipótese, além de inútil para estudo, é mais assustadora do que a primeira na medida que, com o tempo, minha tendência é sofrer sempre mais e escrever sempre menos, até acabar sozinho, triste e infértil. Eu seria desvalorizado como o homem que, após fazer-se de grandes feitos, começa a viver no eco do seu próprio passado, sendo sempre comparado à própria sombra; sombra tal que ele nunca conseguirá vencer.
A outra alternativa, porém, é menos traumatizante e me tira menos noites de sono, por isso deixei-a pro final. Minha esperança era de que eu conseguisse terminar o texto sem escrevê-la, por puro egoísmo: se eu não escrevo uma ideia, eu a guardo em mim, e se eu guardo em mim ela não se perde. Mas escrever se tornou um hábito, um vício, e me vejo agora na obrigação de escrever, com perigo de enlouquecer por falta de palavras e desaprender o mundo por falta de eloquência.
A terceira e mais promissora hipótese é de que o sofrer me habita. Não importando a situação, sempre existirá a dor, então sempre me existirão palavras. Talvez essa seja a possibilidade mais fácil de ser explicada, mas é também a mais rara. A dor seria como a fé, que existe no coração de poucos e independe do cotidiano. Para alguns, ela iria e voltaria quando quisesse, mas para outros seria permanente. Como a música foi em Ludwig Van, que continuou a tocar depois que seus ouvidos desistiram de ouvir, a infelicidade não me abandonaria tão cedo, mas isso também não me favorece. Se tudo que eu sou é dor, mas tudo que eu quero é bem, estou destinado à insatisfação. Eu viveria buscando uma felicidade que não me pertence pelo resto dessa vida hipotética. Ou, ainda nesse caso, talvez a insatisfação fosse aquilo que move o mundo, o combustível dos que realizam e dos que contam grandes feitos.

Monstrinho.

não me fale comigo não
eu sou horrível abominável
não me troque carícias
não me ensine malícias
eu sou ruim, saiam daqui
é meu espaço que me pertence
eu não quero mais ninguém
nenhum de vocês presta
nenhum de nós me entende
eu sou simples e complicado
eu sou o claro e o escuro
eu sou poeta, olhem
olhem pra minha cara de bobo
pro meu jeito de ser eu mesmo
prestem atenção, amigos
riam de mim, me aplaudam de pé
nenhum de nós é meu amigo aqui
vocês nem sabem o meu nome.

terça-feira, 7 de abril de 2015

Pra não dizer que eu não falei das fadas.

Ela passa as noites lendo Fernando Pessoa, Álvares de Azevedo, Machado... Ouve bastante Chico e Edith Piaf, mas conhece outros. Ela lê de tudo naquela camisola transparente e espalha, com o sorriso, promessa e esperança pela casa. Seu tom é agudo, seu timbre toca o peito e suas palavras tocam a alma. Seus cabelos incendeiam os lugares por onde passam e seu perfume atrai as fadas, mas ela tem ficado quieta demais. "O silêncio quebra a alma, amor, por que essa ausência?"
Ela não responde.
"Está lendo Maquiavel agora? O que aconteceu com Caio Fernando? Camões? Byron?"
Ela já não me ouve.
Será que ela ainda me lê?

(a)

segunda-feira, 6 de abril de 2015

Caderno.

Essas linhas me irritam
Essas vozes falam alto demais
A luz está muito forte
Está muito quente
Está muito frio
Eu não acordei bem hoje
Eu quero sair, vamos embora?
Preciso xingar alguém na rua
Preciso socar paredes
Quero que chova
Quero que acabe
Quero que morra
As vozes nunca param
"Mate-a de novo", elas dizem
"Mate-a por dentro"

domingo, 5 de abril de 2015

Estúpido.

-Oi.
     -Oi.
-Tudo bem?
     -Sim, você? Você sumiu esses dias...
-Não estou bem.
     -Ahn... Por que não ta bem?
-É bem previsível isso tudo, sabia?
     -Ahn?
-Eu falo oi e você fala oi, eu pergunto se tudo está bem e tudo está sempre bem. Se você disser que não e que está tudo uma merda, eu não vou me importar, mas vou preferir que esteja tudo certo pra não precisar me dar ao trabalho de perguntar.
     -Eu não sei o que esperar agora.
-Todo mundo faz a mesma coisa estúpida todos os dias, estou cansado disso!
     -Você é uma bomba-relógio, não sei por que ainda me surpreendo.
-Todos são bombas-relógio, querida, mas alguns não funcionam muito bem.
     -E você está em perfeito estado.
-Mas eu estou cansado de ser estúpido, sinto como se eu estivesse fugindo dos meus problemas porque é exatamente o que eu estou fazendo.
     -Estúpido você não é, disso eu tenho certeza. Absolutamente babaca, mas estúpido não.
-Então talvez você também seja estúpida, porque eu sou bem estúpido. Se eu também sou babaca, é por pura estupidez, não por essência.
     -Eu sou estúpida às vezes, mas é por estupidez mesmo.
-É tudo uma grande estupidez e o mundo não faz o menor sentido. Eu não consigo nem me divertir com tanta estupidez entupindo a minha cabeça.
     -Existe um plural para estupidez?
-Sabe o que é mais nojento?
   -"Estupidezes".
-Eu fico triste pensando em pessoas estúpidas.
     -Estúpidas como eu?
-Não, você não é uma dessas pessoas.
     -Por que?
-Eu não estou desvalorizando a sua estupidez, mesmo...
     -Ainda bem.
-... e acho que ela é tão boa quanto a minha...
     -Eu entendi o que você quis dizer.
-... mas se eu pensasse em você, não seria só estúpido da minha parte, como também seria desprezível da sua.
     -Desprezível da minha parte? Isso eu não entendi.
-Porque eu só possuo a capacidade de ocupar meus pensamentos com pessoas estupidamente desprezíveis.
     -Queria eu ser uma dessas pessoas.
-Das estupidamente desprezíveis?
     -Das que ocupam essa sua cabeça estúpida.

A verdade.

Eu poderia me entregar
e implorar amores no delírio
a alguém que já me despreza

e poderia chorar em alta voz
prometendo uma bondade que
ninguém nunca vai entender.

Toda enfermidade tola enfrentada
seria motivo de choro e briga
(como foi em tantos meus passados
quando eu me ofereci à paz
e a paz cuspiu na minha cara).

Será assim que a vida funciona?
Ninguém nunca vai me devolver
todo tempo que eu perdi sendo
miseravelmente bom, mas
toda a minha malevolência vai,
eventualmente, acabar sendo
confundida com brandura?


Então foda-se esse teu amor.
Eu quero explodir pessoas.


(a)

sábado, 4 de abril de 2015

A sete chaves.

ah! se meus dedos falassem
e o teu corpo entoasse
a verdade de nós três
e se a confusão cansasse
pouco mais do que ela cansa
nessa dança da nudez
ah! se a escuridão secasse
todo resto de luxúria que
deixamos para trás
e se o meu lençol gritasse
e os segredos ecoassem
nos ouvidos dos mortais
ah! se a minha cama ouvisse
tudo que a boca disse
tudo que essa boca fez
e se meu caminho torto
me indicasse o porto
de retorno à lucidez
ah! se meus dedos falassem!

sexta-feira, 3 de abril de 2015

Ode ao abstracionismo.

Quero que tua lembrança se borre na minha mente como a minha bondade borrou na tua. Quero não te almejar a cada passo e não te desejar a cada segundo, que teu perfume não me pertença e que tua presença não me faça pertencer. Desejo te amar como amei a chuva que passou. Quero que passes como a chuva, amor, que o vento te leve e não traga mais. Quero teu suor, tua pele, tua voz e teu desejo, mas quero-os longe. Minto: eu os quero perto, mas mais eu quero não querer. Quero-te chorar de uma só vez, não desejar-te na embriaguez e te entregar às forças do desprezo. Quero não te falar, não te ouvir e não te admitir, pois tua existência é fatal pra mim - como a desesperança é fatal pro crente, como o silêncio é fatal pro político e pro filósofo. Tua volúpia é minha queda, teu corpo é meu pecado. Mas teu presente, amor, é meu passado.


(a)

Inspira-me.

A inspiração normalmente vem da desgraça ou do prazer. Não posso me dizer desgraçado: nenhum infortúnio me ocorreu ou, se ocorreu, me desceu a garganta com o rum. Quanto ao prazer, queria eu não estar provido de qualquer gozo que me interessa, mas estou. Na situação atual, não me encontro em nenhuma das situações favoráveis a um escritor. Não me é fatal, mas não me é cômodo. Para o poeta, não amar é não sentir e não sentir é não viver.
Mas eu não sou poeta.
Eu sou só esterco.
Para mim, não viver é não viver, não amar é não amar e não sentir é não escrever.
E infelizmente, caros redatores, não escrever é não comer.

- T.

Desgraça-me.

Dona do desejo e da
Volúpia: eu te almejo.
Eu quero exercitar em ti
Meu ócio, meu ácido
Humor e desumor
Meu desnudo desdém
Desinteressante e
Desumano, descabido,
Que se foda! Que se
Exploda a todo vapor
E que o calor do fogo
Te dispa e te disponha
A desrespeitar meu sono
A despedaçar meu ser.
Destrua meu conhecer e
Rasgue-me, acabe-me!
Desinteresse-me e nos
Descarte-me, eu aceito:
O tratamento me condiz.

Conjunto unitário.

Minha razão é a nostalgia, minha obsessão é o arrependimento: quero nunca ter chegado, quero nunca ter saído. Durante o dia, procuro sossego e, durante a noite, procuro torpor. Sou menos que um humano agora, sou um inumano. Depois do meu último nós, vivi e viciei-me no mais terrível dos males, a mais absurda das virtudes: a esperança. Esperei nela o meu bem, mas tu jamais retornaste, Bondade! Que será que te fez sofrer tamanho esquecimento? Não me vês mais como sou?
Será possível ter-me só nesse conjunto de nós dois?

(a)

terça-feira, 24 de março de 2015

Um dia.

Um dia,
Teu suor não me trará conforto
Tua boca não será prazer
E teu corpo não me virá à memória
De tanto em pranto que fodemos.
Um dia,
Teus gritos de desejo e dor
E teu hálito de desfastio
Não serão mais, para mim
Do que a ausência da perdição.
Um dia,
Minhas palavras não te prenderão
Rastejantes pelo futuro estéril
Nos lençóis sujos de nós dois
Nas pulsantes quinas dessa cama.
Um dia,
Meus arranhões riscados de amor
Sujos de romance e ódio
Desaparecerão nas bordas do tempo
De tanto desbotarem pro amanhã.


(a)

quinta-feira, 19 de março de 2015

O acidente.

Nós acordamos imóveis. Por dentro, choramos e choramos até enxarcar o travesseiro com as nossas lágrimas e acordar a vizinhança com os nossos gritos, mas permanecemos imóveis. Pensamos em tudo que já passamos e pensamos em pular de um edifício, mas não pulamos. Era muita coisa pra se jogar fora, mas era muita coisa ruim. Sonhamos que estávamos de frente com nosso malfeitor, perguntamos como havia acontecido e ele respondeu. Nos torturamos com as imagens que se formaram na nossa cabeça, formando-as propositalmente com o objetivo de nos torturar. Escrever não adiantava, beber não adiantava e dormir, obviamente, não adiantava.
"Estamos perdidos" dissemos, mas ninguém ouviu.

Descemos as escadas e ligamos para o terapeuta.

"Você sabe que eu não sou seu terapeuta de verdade, né?"
"Sabemos."
"E sabe que não tem mais ninguém na sala além de nós?"
"Sim."
"O que está acontecendo?"
"Não conseguimos dormir, doutor. Sempre que tentamos, nosso corpo estremece e começamos a sonhar com ela, com o acidente, com tudo."
"Isso começou depois do acidente?"
"Sim, doutor, a gente não sabe mais o que fazer."
"O que você lembra do acidente?"
"Eu não lembro de nada."
"O que aconteceu com o 'nós'?"
"Ahn?"
"Você se referiu a si mesmo como 'eu', o que mudou?"
"É que nós não estávamos lá, doutor."
"Que?"
"Nós ainda não existíamos, doutor."

Sonho bom.

Sono que me bate
Que me abate
Que me segue
Sono sonho sono
Sonho triste
Que me negue
Triste sono
Que me pegue
Que me regue:
Moça boba
Não se apegue
"Faz pra mim
Um poeminha
De minuto?"
Diminuto
Tão tolinha
"Faz rima faz rima"
Que corpinho!
Miudinha ela
Bonitinha
"Não se apegue"
Eu repito
"Não me negue
O coração!"
Não me irrito
Eu existo e ela não.

Baby, Baby...

Ela me cumprimentou com um tiro no ombro e outro nas costas.
"Por que isso, baby?"
Um tiro na mão. Pode ter certeza de que qualquer um que atira na mão não sabe o trabalho que dá pra reconstruí-la.
Mas eu sei.
"O que aconteceu, baby?"
Ela apontou pra minha cara e pensou em atirar. Seus olhos ardiam em lágrimas, mas eu não tinha certeza se ela sabia de alguma coisa. começar a pedir perdão agora por algo que ela NÃO SABE que eu fiz é o jeito mais fácil de voltar pro inferno.
"Só conversa comigo, amor, o que eu fiz?"
"você comeu essa piranha?"
"quem??"
um tiro no teto e eu fiquei surdo. foi uma boa hora pra eu ficar surdo porque ela começou a gritar e chorar mais. eu não sabia o que responder, eu ia levar mais um tiro.
mas aí eu pensei: onde ela conseguiria uma arma? Não poderia ser com o JK, ele está de férias em teresópolis. o Zeca me contaria se vendesse uma arma pra ela e ela não conheceria o meu fornecedor.
só poderia ser o...
"você tem saído com aquele tal de Jonas?", perguntei.
ela não respondeu.
"responde."
"e se eu tiver saído, qual o problema?" ela falou, apontando a arma pra minha cabeça e tremendo.
"você deu pra ele, não deu?"
os olhos dela começaram a se abrir e pingar, pingar e piscar e a arma começou a tremer. peguei a arma com calma e coloquei pro lado.
"quando foi?"
"segunda..."
dei-lhe um tapa na cara e fiz uma cara de puto.
"quando você deu pra ele pela primeira vez?"
"eu não dei pra ele!"
uma coronhada do lado da cabeça. é só o que se precisa.
"começou em janeiro", ela disse, "eu não queria mas ele ficou insistindo e falando que você me traiu..."
outra coronhada. eu não gostava do cara; nunca gostei, mas não odiava também. é incrível o que o amor faz porque agora eu queria matar o filho da puta. eu não queria mais comer a Luciana, a Geisy ou a Carol, tava pouco me fodendo se ele estava ou não certo sobre mim. mesmo se estivesse, isso não lhe dá o direito de comer a minha mulher.
ela me deu o endereço e eu fui até a casa do tal Jonas. ele abriu a porta com cara de babaca e perguntou quem eu era.
Eu o cumprimentei com um tiro no ombro e outro nas costas.