domingo, 31 de agosto de 2014

Parte de mim.

Fecho as portas do meu quarto.
Bato as janelas, cubro os espelhos.
Despenteio os cabelos e me escondo no canto.
Pego algum objeto afiado e apago a luz.
Meus membros tremem com a escuridão que se segue.
Diminuo a respiração, tento não ouvir os sons.
Tento não gritar com tanta agonia presa à garganta.
Ouço passos, mas tento não ouvir.
Desacelero o coração e finjo que não existo.
Os móveis fingem que nunca me viram existir.
Acalmo os nervos e tento me mover.
Os outros já se foram, ainda ouço os ruídos.
Sou parte dessa casa agora.
Os medos são parte de mim.

Dormir.

Eu acordo e ela me olhar.
Vem com uma boca triste, com olhos caídos e chorar.
"Eu vi o que você fazer."
O que? Nada fiz, não sei do que está a falar.
"Você não vai mais me comer."
Ela pega o celular. Joga verdades na cama e me acusar.
"Olha, verme, e diz se nada tens a dizer."
Eu imploro, amor, não há nada aqui, olhar!
"A conversa diz que sinto falta, que te quero e te amar."
Penso, confuso, se me pode ser.
"Quem é essa a te querer?"
Vejo de novo. Amor, você se confundir.
"Não quero mais saber."
É o seu celular que estamos a ver.
"O que? Não! deixe-me explicar..."
Viro de lado e volto a dormir.

domingo, 24 de agosto de 2014

Silenciosamente.

O despertador não apita mais quando eu acordo.
Os pássaros já não cantam nas árvores da minha casa.
As árvores, por sua vez, já não balançam com o vento.
Foi o vento que parou de assobiar nas janelas.
E a porta da frente que parou de ranger.
A madeira parou de estalar de noite.
E eu não ouço mais os ratos correndo.
Meu cachorro já não late quando a campainha toca.
E eu nunca mais ouvi a campainha tocar.
Até a voz na minha cabeça parou de conversar comigo.
Estou tão sozinho...

sábado, 23 de agosto de 2014

Hipnofrenose.

Primeiro vem o estado de perfeita agonia, onde meus medos se instalam de forma abrupta e crescente no meu peito. Minha única certeza é de que eu devo sair correndo, o mais silenciosamente possível, o mais rápido possível, para que não possa ser visto por ninguém.
O segundo estado é o oposto do primeiro. É composto de uma calma irreparável, de uma serenidade plena e uma satisfação absoluta. É como se tudo ao meu redor fosse inofensivo, desimportante, deselegante ou não existisse. Essa sensação, porém, se torna mais angustiante do que a anterior, pois me torno frágil à todas as maldades do mundo, e desadequado ao mesmo, por me sentir bem. É aí que vem o terceiro estado.
Ele começa com  o silêncio. Não com ele em si, mas com a percepção dele ao meu redor. Antes, tantos pensamentos enfadonhos tumultuavam a minha cabeça e berravam nos meus ouvidos. Agora, tudo aquilo se foi, tanto a calma quanto a covardia, para outro universo distante. Me torno só, no aqui e no agora. O tempo congela, e não existe passado, presente ou futuro. Fecho os olhos e respiro fundo.
Quando acordo, estou no parapeito do prédio, pronto para pular.

Reflexão sobre moral e ignorância.

Aos poucos, me dou conta de que não existe certo ou errado. Já havia de ter percebido antes pela auto-destruição da moral quando exploramos seu conceito (ver Nietzsche), mas só agora vejo sua utilidade em um mundo de verdades tão frágeis.
Eu não sou como os demais. A diferença, até certo ponto, é atrativa para os humanos. Depois que se passa desse ponto, ela é vista como um empecilho. De tudo que eu tinha a comentar sobre isso, só me sobrou a solidão. Pior do que ela em si, só mesmo seu reconhecimento como algo real. Eles não perceberiam. Eu não os culpo por serem estúpidos. Inclusive, eu os admiro.
Deixe-me introduzir um pequeno prefácio sobre minha história. Durante toda a minha vida, tentei ser um perfeito imbecil, adequar-me às normas que não me significam nada, encontrar-me em um grupo de pessoas que compartilham a mesma singularidade repetitiva que se vê em cada grupo "diferente" de pessoas. Eu não nasci pra isso. Eu nasci para pensar, estudar, entender. Eu nasci para viver além das estrelas, além do bem e do mal. Infelizmente, eu não nasci para esse planeta.
O motivo para esta carta confusa e esnobe é que finalmente me sinto livre para dizer tudo que eu quero. Nem você, nem outros, abastecerão a demanda de sentimento de que necessito para continuar assim. Disseram-me que vocês sentem com o coração, e deve ser por isso que vocês são tão burros. Não existe batalha entre sentir e raciocinar, pois fazem parte do mesmo princípio: viver. É por isso que magoam, chutam, quebram tudo que amam, e idolatram tudo que odeiam. Vocês não sabem amar, só pensam que sabem. São como crianças brincando de cozinhar. Este é o primeiro motivo pelo qual nunca nos entendemos muito bem.
O mais triste, porém, é amar aquilo que não pode ser amado. Desse pecado eu tomo parte, por ter me apaixonado por você. A mais bonita e formosa de todas as criaturas, sua inocente moral me cativou e me arrastou para onde sempre desejei ir: às profundezas da ignorância e da burrice. Você, tão convencida sobre o bem que faz, já havia deixado de se perguntar o que é certo antes mesmo que eu pudesse pôr meus olhos em você. Mas como eu poderia saber? Cansado e desleixado como me tornei, qualquer esperança de melhora se tornava melhora, visto que o estado anterior não possuía essa esperança. Com isso, me deixei levar por uma corrente que me destruiria - para pouco depois se tornar motivo de meu renascimento.
De sábio, me tornei um bobo. De louco desleixado, me tornei um escravo da opinião alheia. De sem-cultura (como os índios de Cabral nada sabiam dos homens brancos, e também foram denominados assim), eu me tornei um intelectual, antenado e formado no saber de conhecimentos fúteis. De tudo que não sabia, pouco sobrou. Daquilo que sabia, menos ainda. Eu cavei minha própria cova mental, e a prova disso é a desorganização destas palavras que lhe dirigem. Acredite, pois se lacrimeja agora (e eu sei que sim), morreria antes de tanto chorar, se fosse o mesmo texto escrito por uma parte de mim completamente diferente.
Tendo deixado claro tudo aquilo que você já sabia, venho aqui a dizer aquilo que você não sabe, querida, e não teria como saber. Sua moral não passa de conceitos deturpados de uma mente doentia. Seu bem destrói aos poucos aqueles que por ele são cativados, mas se tornam burros demais para perceberem isso, mesmo no final. Não, não foi por ter escolhido o certo que lhe agrido verbalmente. É pela sua definição do certo e por priorizar o fútil, é pelo seu condenar baseado na opinião pública. Sua inteligência é meramente superficial, sua beleza é de fato muito comum. Seus valores e sentimentos são exatamente iguais aos daqueles que me refiro como dispensáveis, e sua capacidade de raciocinar sobre isso vai somente até o ponto que lhe favorece. Eu lhe odeio para retribuir o ódio que causara de mim mesmo, mas lhe adoro, à medida que suas boas intenções revelaram a triste verdade do mundo: Os homens só amam quando lhes convém amar.

quarta-feira, 20 de agosto de 2014

Lotados.

Vejo espaços vazios em ônibus lotados,
Vejo tristeza em olhos cansados,
Humor na multidão sem graça.
Vejo graça em pouca gente, poucas vezes.
Vejo gente em poucos lugares,
Em poucas ocasiões.
Vejo a gente em cada detalhe.
A todo instante,
Vejo o céu caindo em água,
O mundo virando chuva.
Vejo a chuva de ontem caindo,
Tamborilando nas nossas costas, braços,
Mãos, corpo e alma.
Vejo calçadas cinzas molhadas,
Vejo seus olhos molhados de calçadas cinzas,
Colorindo o preto e branco das ruas.
Lotando o mundo com nós dois,
Desbotando a solidão.

sexta-feira, 15 de agosto de 2014

Cria.

Sento-me em uma cadeira que eu construí, em um mundo que eu mesmo criei. Fecho os olhos e tua imagem cria forma. Me convoco, perante tua vontade, para a vida, e dou o melhor de mim ao imaginar-te. Pois tu me fez, e deste o melhor de ti para fazer-me. Agora e sempre, meu trabalho é fruto do teu, minha vontade é fruto de ti.
Eu sou fruto de ti.
E que fruto sou!
Obrigado.

quinta-feira, 14 de agosto de 2014

(A)ma-te-me.

Segura-me em teus braços flácidos, beija-me com teus lábios sujos de carnaval. Lambe meus colhões com tua língua seca e morde-me com teus dentes podres. Não há nada melhor que isso, amor. Senta em mim como sentou em tantos, e em tantos lugares. Chama-me de teu enquanto rio de ti, clama meu nome enquanto te fujo. Vou-me com outra, ou sem ninguém. Por tua pele não tão grotesca, por teu suor não tão viscoso, por teus repugnantes acertos, abandono-te na tua própria merda. Por não encontrar em ti suicídio, procuro-o nos excrementos da tua lembrança.
Pois repudio-te por teres me amado.

sábado, 9 de agosto de 2014

Omni.

Vejo as pessoas da rua e me poluo com seus pensamentos fúteis. De todo amor que criei, de toda vida que moldei, veio o ódio e a decadência. Destruiu-se o essencial para erguer o desimportante, banalizou-se o sexo e crucificou-se a verdade. Criaram guerras, pestes, igrejas, todas em meu nome. Eu nunca pedi nada disso e não o aceito. Eu os desprezo, todos eles. Meu pior erro e mais profundo arrependimento. "E quanto ao perdão?" Os seres humanos não se arrependem de nada, nunca se arrependeram. Eu sei, eu os conheço melhor do que eles se conhecem. Desde o início, só buscam a sua própria salvação, negando ou aceitando tudo de mais absurdo, tudo que lhes é dito certo. Como ter amor por um filho que se destrói?
Vou até a banca de jornal, compro um maço de cigarro e acendo um. Rio. Só o que me resta é zombar da mortalidade. Não importa, nada importa. Renegaram a voz da razão e se matam com vícios fúteis. Cigarro... Há! O mundo está perdido. "Deus que me livre!" Eu não vou livrar vocês de merda alguma.

domingo, 3 de agosto de 2014

Sou; seu; sei.

Seus olhos me protegem,
Seus braços me escondem,
Sua pele me disfarça,
Suas roupas me esquentam,
Suas palavras me alegram,
Sua voz me acaricia,
Seu sorriso me acalma,
Seu corpo me denuncia.

Pois sou tudo aquilo que sei,
Eu sou toda a maldade do mundo.