quarta-feira, 30 de outubro de 2013

Venha.

Teus poemas mudos me cercam, que me percam no universo da paixão, eu imploro! Me deixe para morrer, viver, superviver em um pós-apocalíptico pensamento. Me afunde em minha confusão, nos meus bebes e serves, no meu tabaco, no pacato imbecil. Me encontre uma verdade nula, surrealidade realista, impossibilidades linguísticas e paradoxos matemático-temporais, só a morte será minha prisão. Só o corte da minha condição me virá como fim. Me deixe no vermelho dos teus lábios, na surdina dos teus medos e no foco dos teus desejos, nas carícias da tua voz e nas pontadas dos teus segredos. Entre em um mundo só teu, escreva e reescreva teu modo verbal e faça, de tu, nós.

quinta-feira, 24 de outubro de 2013

Mais de Mim.

O pior é abraçar a solidão, a cachaça,
Das muitas faces que sou,
Todas ao mesmo tempo,
Uma de cada vez,
Ninguém nunca quer ver de verdade
E nem aguenta, por que iria?
São várias pessoas em uma
É defeito de poeta
Acreditar em várias verdades
Mas ver tudo de uma vez só.

quarta-feira, 23 de outubro de 2013

Deixa pra lá.

Eu tentei ajudar,
Mas toda vez que eu dizia,
Menos eu queria dizer.
E no final,
Só conseguia parecer um bobo,
Tentando me ensinar esperança.

Não existe solução, sabe?
Algumas pessoas tem tudo,
Outras não, fazer o que?
Você pode pagar um pão ou uma água,
Mas não pode mudar o que as outras são.

Talvez meu erro tenha sido acreditar.

Cabô.

Torci pra acabar e acabou.
Sem choro, grito ou drama,
O Pedro teve o que pediu a Deus:
Uma vida sofrida, sem final feliz,
Sem amigos, abandonou a família,
Que pecado que é a ganância, não?
Envenena a alma e machuca tudo ao seu redor
Mas eu rezei pra que parasse, e parou
Não do jeito que eu queria, mas
"Deus escreve certo por linhas tortas"
Bateram na casa dele ontem à noite
Três tiros, dois no peito e um na barriga
Ele segurava o crucifixo que eu dei
Agora ele segura lá do outro lado.

Sombras.

Não existe lado bom sem lado ruim, e se existisse, ele não teria muita importância. Não é nada demais se você olhar por outros pontos de vista. A mesma coisa tem diferentes sombras, e não deixa de ser uma coisa só. Depende de quantas luzes incidem nela, entende? Quanto mais luz, mais sombra, e é assim com tudo que é concreto. A menos que você seja transparente, aí nesse caso não faz diferença. Mas convenhamos, as pessoas raramente notam as coisas transparentes como notam as opacas. Não pode ser só coincidência, não é? A sombra deve ter alguma importância afinal, e ignorá-la talvez seja fatal.

Corra.

O podre vermelho da alma se arrasta no chão gelado. Vísceras mancham os azulejos de sangue e o fedor é insuportável. Aos poucos, a carne ganha forma e aquele emaranhado de nervos e músculos vai se transformando. Se torna um homem, mas não um homem qualquer. É sua alma, afinal. Está lá, pronto para acabar com qualquer esperança que você tenha de mudar, para rasgar qualquer pedaço de bondade que restou em você. Esse o momento, e não tem como escapar.
Corra.

domingo, 20 de outubro de 2013

Mais ou menos.

A vida não é mais do que uma piada ruim, sabe? Todo aquele blues arrastado já descobriu que não tem muito o que fazer dela - mas que, por outro lado, pode-se ganhar um dinheiro com discos ruins se você entender isso de uma vez por todas.
Não vou dizer que tem que ser sempre assim, deprimente. Afinal, cada um vê como quer, não é? O problema é entender que a coisa toda é muito simples e continuar tendo a mesma animação e sendo o mesmo bambambam de antes. É como aprender equações de segundo grau e perceber que você nunca vai usar isso de verdade, entende? É assim que as coisas são, e essa complicação toda é inacreditavelmente chata. Mas tudo bem, você pode dizer que é diferente. Que tem um sentido maior por trás disso tudo e que eu estou terrivelmente errado, mas isso só vai convencer aqueles que tem fé. E fé é o que mais falta nesse lugar esquecido por Deus.

quinta-feira, 10 de outubro de 2013

Era Uma Vez.

Tentou.
Não por mal,
Nem proposital,
Que a querida,
Ferida em batalha,
Navalha alegre,
Na febre, sozinha,
Cortou.

Chorou
A vida que teve.
Esteve caída.
Sofrida, doeu,
De tanto perdeu
A merda da sorte,
A morte
Abraçou.

Cheirou
Esperança em pó,
Que dó de destino
Canino, uivando,
Chorando ardor,
O amor não deu alta.
E a falta que fé
Que deu ré na cura,
Voltou.

Mandou.
"Fiz porque fiz"
Quis mais cocaína,
Vacina pra vida,
Querida paixão,
Coração dispara
E pára, com choro
Do coro do vício,
No início do mês,
Era uma vez
Acabou.

quarta-feira, 2 de outubro de 2013

Corvo.

O corvo saiu da árvore e começou a cantar rangidos. Seus olhos vociferavam as dores do mundo, suas asas se contorceram contra o vento. Ferrugens lhe saíram da pele, enquanto seu voo fincava os céus. Aos prantos, o corvo urrava pelos galhos que saíam de si, cada pena virando folha, cada osso se ramificando e pesando o ar. Cantou o hino da perseverança até murchar, mas de nada adiantou. Aos poucos, o corvo começou a cair, e caindo ele foi crescendo cada vez mais. Sua estrutura foi sendo deixada para trás, seu sangue foi virando seiva e seus olhos perderam a cor. Ao chegar no chão, do corvo só o bico sobrou: cravou-o na terra e criou raiz, fez o sol refletir o verde das folhas e enrijeceu a base.
Se foi para ali permanecer, para ali pousaem novos corvos.

terça-feira, 1 de outubro de 2013

O Pássaro.

Quando eu era menor, morando na casa da minha avó, havia um pássaro.
O pássaro era de um tio louco, e o coitado vivia piando cada vez mais alto por comida, ecoando pela casa velha e gasta.
Infelizmente, para o pobre coitado, minha paciência já estava velha e gasta, apesar da minha idade. Eu era o que passava mais tempo na casa, portanto, o que mais tinha que aturar a terrível criatura suplicando por um punhado de atenção e sementes. Um belo dia, com dor de cabeça, parei bem perto do animal e me perguntei se ele sentia medo. Não havia qualquer reação que me fizesse crer que sim, então decidi fazer uma experiência. Com um objeto pontiagudo - talvez um lápis, não me lembro ao certo - fiquei tentando acertar o animal. Não foi uma atitude nobre, admito, mas o silêncio que se seguiu sufocou qualquer possível protesto da minha consciência. Agora aquele pássaro me temia. Não fazia diferença se ele sentia vontade de piar, contanto que não o fizesse mais na minha frente.
Diferente do amor, o medo não dá brechas para erros ou reclamações. O medo tira a voz, tira a luz. Lá estava eu, com algum simples graveto na mão, silenciando a mais terrível besta que tinha como fraqueza meus tímpanos. Seria tão desumano afinal, se é em legítima defesa?
Os dias seguintes foram a mesma coisa, mas o que é bom dura pouco, e assim foi a minha satisfação. Ele parou de temer o objeto de antes e voltou a piar mesmo depois das minhas ameaças de dor. Não queria machucar o pobre coitado, mas ele não me deixava outra escolha. Era ele ou eu. Não poderia enfrentar seu dono, pois sou para ele o que o pássaro é para mim: um incômodo. Como poderia eu acusar criatura irracional de maldade, se ao fazê-lo estaria me igualando a ela? Não poderia e não o fiz. peguei outro objeto - dessa vez um pedaço de metal que encontrei atrás de um móvel - e o acertei no olho. Não foi minha intenção, mas não pestanejei quando o fiz. O prisioneiro soltou um pequeno grito, mas depois voltou a se calar. Não o deixei cego, se é o que está pensando. Mesmo eu, com minha imaculada consciência, não seria capaz de tal feito - ou seria?
O fato é que o demônio alado voltou a cantar sem tom mais uma vez, e tive que acertá-lo novamente. Não sei se esperava que ele se calasse pra sempre, minha esperança é de que ficasse deprimido e acabasse morrendo, mas continuava a torturá-lo. Afinal, era isso que ele estava fazendo comigo, não Conscientemente ou não, me colocava numa posição de encarcerado dentro da minha própria casa. Me levava à loucura e me fazia duvidar de meus próprios sentidos mesmo que isso prejudicasse a ele. Crueldade? Não, não vejo assim. Não por parte dele e nem pela minha. Sei que se houvesse alguma vantagem em me matar, certamente ele o desejaria, então não vejo por que não ansiar pelo fim do mesmo. É só uma questão de poder. No mundo animal, não é por malícia que o leão caça o javali. Tenho certeza, ainda, que se não fosse pela alimentação, garanto que ambos conviveriam em paz, e assim é a minha relação com o pequeno pássaro: se eu fosse surdo ou ele mudo, nossos caminhos não se cruzariam de maneira menos pacífica do que a de dois vizinhos que se esbarram em um elevador.
Por fim, acabei me mudando daquela casa infeliz antes que meus pequenos delitos pudessem ser notados - para sorte minha e dele - e nunca mais retornei àquele lugar. Quando imagino, porém, quantos gritos mais deve ter dado o antes de finalmente sucumbir à fome e á idade, me arrependo de não tê-lo matado quando tive chance.

Última Vez.

Lá no fundo do poço
Tem uma luz
Da luz, se fez o fundo do poço
Lá na última porta
Tem uma saída
Da saída, se fez a última porta
Lá no último olhar,
No último suspiro,
Na última lágrima,
Tem uma lembrança
E das lembranças se fez o mundo.