terça-feira, 24 de março de 2015

Um dia.

Um dia,
Teu suor não me trará conforto
Tua boca não será prazer
E teu corpo não me virá à memória
De tanto em pranto que fodemos.
Um dia,
Teus gritos de desejo e dor
E teu hálito de desfastio
Não serão mais, para mim
Do que a ausência da perdição.
Um dia,
Minhas palavras não te prenderão
Rastejantes pelo futuro estéril
Nos lençóis sujos de nós dois
Nas pulsantes quinas dessa cama.
Um dia,
Meus arranhões riscados de amor
Sujos de romance e ódio
Desaparecerão nas bordas do tempo
De tanto desbotarem pro amanhã.


(a)

quinta-feira, 19 de março de 2015

O acidente.

Nós acordamos imóveis. Por dentro, choramos e choramos até enxarcar o travesseiro com as nossas lágrimas e acordar a vizinhança com os nossos gritos, mas permanecemos imóveis. Pensamos em tudo que já passamos e pensamos em pular de um edifício, mas não pulamos. Era muita coisa pra se jogar fora, mas era muita coisa ruim. Sonhamos que estávamos de frente com nosso malfeitor, perguntamos como havia acontecido e ele respondeu. Nos torturamos com as imagens que se formaram na nossa cabeça, formando-as propositalmente com o objetivo de nos torturar. Escrever não adiantava, beber não adiantava e dormir, obviamente, não adiantava.
"Estamos perdidos" dissemos, mas ninguém ouviu.

Descemos as escadas e ligamos para o terapeuta.

"Você sabe que eu não sou seu terapeuta de verdade, né?"
"Sabemos."
"E sabe que não tem mais ninguém na sala além de nós?"
"Sim."
"O que está acontecendo?"
"Não conseguimos dormir, doutor. Sempre que tentamos, nosso corpo estremece e começamos a sonhar com ela, com o acidente, com tudo."
"Isso começou depois do acidente?"
"Sim, doutor, a gente não sabe mais o que fazer."
"O que você lembra do acidente?"
"Eu não lembro de nada."
"O que aconteceu com o 'nós'?"
"Ahn?"
"Você se referiu a si mesmo como 'eu', o que mudou?"
"É que nós não estávamos lá, doutor."
"Que?"
"Nós ainda não existíamos, doutor."

Sonho bom.

Sono que me bate
Que me abate
Que me segue
Sono sonho sono
Sonho triste
Que me negue
Triste sono
Que me pegue
Que me regue:
Moça boba
Não se apegue
"Faz pra mim
Um poeminha
De minuto?"
Diminuto
Tão tolinha
"Faz rima faz rima"
Que corpinho!
Miudinha ela
Bonitinha
"Não se apegue"
Eu repito
"Não me negue
O coração!"
Não me irrito
Eu existo e ela não.

Baby, Baby...

Ela me cumprimentou com um tiro no ombro e outro nas costas.
"Por que isso, baby?"
Um tiro na mão. Pode ter certeza de que qualquer um que atira na mão não sabe o trabalho que dá pra reconstruí-la.
Mas eu sei.
"O que aconteceu, baby?"
Ela apontou pra minha cara e pensou em atirar. Seus olhos ardiam em lágrimas, mas eu não tinha certeza se ela sabia de alguma coisa. começar a pedir perdão agora por algo que ela NÃO SABE que eu fiz é o jeito mais fácil de voltar pro inferno.
"Só conversa comigo, amor, o que eu fiz?"
"você comeu essa piranha?"
"quem??"
um tiro no teto e eu fiquei surdo. foi uma boa hora pra eu ficar surdo porque ela começou a gritar e chorar mais. eu não sabia o que responder, eu ia levar mais um tiro.
mas aí eu pensei: onde ela conseguiria uma arma? Não poderia ser com o JK, ele está de férias em teresópolis. o Zeca me contaria se vendesse uma arma pra ela e ela não conheceria o meu fornecedor.
só poderia ser o...
"você tem saído com aquele tal de Jonas?", perguntei.
ela não respondeu.
"responde."
"e se eu tiver saído, qual o problema?" ela falou, apontando a arma pra minha cabeça e tremendo.
"você deu pra ele, não deu?"
os olhos dela começaram a se abrir e pingar, pingar e piscar e a arma começou a tremer. peguei a arma com calma e coloquei pro lado.
"quando foi?"
"segunda..."
dei-lhe um tapa na cara e fiz uma cara de puto.
"quando você deu pra ele pela primeira vez?"
"eu não dei pra ele!"
uma coronhada do lado da cabeça. é só o que se precisa.
"começou em janeiro", ela disse, "eu não queria mas ele ficou insistindo e falando que você me traiu..."
outra coronhada. eu não gostava do cara; nunca gostei, mas não odiava também. é incrível o que o amor faz porque agora eu queria matar o filho da puta. eu não queria mais comer a Luciana, a Geisy ou a Carol, tava pouco me fodendo se ele estava ou não certo sobre mim. mesmo se estivesse, isso não lhe dá o direito de comer a minha mulher.
ela me deu o endereço e eu fui até a casa do tal Jonas. ele abriu a porta com cara de babaca e perguntou quem eu era.
Eu o cumprimentei com um tiro no ombro e outro nas costas.

segunda-feira, 16 de março de 2015

Sossego.

Um buraco
me abre o peito
e tudo some.
Mas quem foi que disse
que é teu direito
me esvaziar?
O que te faz pensar
que eu te quero aqui?
Não foste tu que escolheste ir?
Pois fiques longe
do meu sossegar!
Ao que te diz respeito:
eu não sei amar.


(a)

domingo, 15 de março de 2015

Vida.

Sequidão.
Decepção, amargura e indiferença
(cronologicamente).
Noção de espaço, de tempo e de insignificância.
Noção do nunca e contestação do sempre.
Crise.
Valorização do ócio, do edonismo e do prazer.
Vício.
Queda, perda de valor e de identidade.
Rouquidão.
Perda de eloquência e de coerência.
Ausência de motivos.
Experiência.
Inexatidão de resultados.
Exaustão.
Perda na produção intelectual e material.
Ócio, tédio e dor.
Morte.

Cronologicamente.

sexta-feira, 6 de março de 2015

desvios

Com tantos mestrados,
doutorados e diplomas,
certificados de conhecimento,
especialistas de momento,
manuais de instrução e quebra,
seguro contra quebra, seguro
contra morte, roubo, furto,
incêndio, será que estamos
seguros? remédio contra gripe,
rouquidão, homossexualidade,
catarro, remédio contra burrice,
contra feiura, espinhas, contra
nós mesmos e os bons efeitos
colaterais: pseudotumor cerebral,
alucinações, delírio, visão
turva, manchas na pele, perda
parcial do tato, do olfato, da
decência, da humildade, da
humanidade e da noção plena de
desumano, queimaduras, sangramento,
psicose, dores musculares, coriza e
perda de opinião justamente quando tem
tanta gente gritando "vote" porque
é bom você votar e comer e fumar
e beber e transar sem querer transar,
ser batizado e ter que rezar:
rezar por ter transado e votado
e comido e fumado e bebido do
jeito errado, ganhar um papel
que diz que você foi perdoado
por tudo que você já fez ou
deixou de fazer por medo:
medo de morrer, de cair, de
se envergonhar, de chorar, de
sorrir, de tentar e não conseguir,
de sossegar o pensamento e dormir,
medo de sofrer, de voltar, de andar
sozinho e não chegar porque disseram
que tem que ter medo de andar só,
de dormir só, de morrer só, mas aí
já é tarde porque você tem medo de
viver, então pra que servem tantos
mestrados e doutorados e diplomas,
tantos assassinos de oportunidade,
tantos sequestradores de vontade,
certificados do emburrecimento e
do processo de ignorância plena
quando todos nós, sem exceção,
somos iguais na fila do pão?
Entre os demônios da escuridão e os maus espíritos do crepúsculo, entre os sussurros e os sonhos turvos de uma noite fria, eu me escondo na tua luz; planto meu sossego em uma lembrança de nós e durmo até o sol raiar.

quarta-feira, 4 de março de 2015

plástico

Estou afundando em um
lodo de monotonia com
cigarros velhos e tossidos
de uma boca rouca e sem
voz, sem cor, sem sangue
sangrando frio e dor
vomitando lembranças em
banheiros sujos de bar
e digerindo o passado
com a acidez do amanhã
quero esconder entre as
almofadas velhas e mofadas
o meu rosto velho e tosco
quero arrancar-me a pele
triturar-me em medo e
embrulhar, em saco plástico
meu estômago pra viagem.

terça-feira, 3 de março de 2015

Regozijo.

Quero poder te agarrar, te chupar,
me enfiar em ti e tirar.
Quero te fazer gritar, gemer,
uivar de prazer e de cura.
Quero que, de tua testa,
gotas de suor pinguem,
como um silencioso "obrigado".
Quero te lamber dos pés às orelhas,
passando pelos mais indizíveis e
insensatos cantos da tua pele.
Quero as voltas dos teus mamilos e
a suavidade dos teus outros lábios.
Quero que minha mão faça parte de ti
e que minha boca sinta o teu amargo gosto.
Quero te arrancar da pele que te aprisiona
e te meter tão forte que viraremos um só.
Quero destruir-te, desejar-te e te refazer,
quero te saciar e te insaciar,
quero te viciar em mim;

Conscious.

It makes no sense that, in one moment, you mean the world to someone and, in another, you mean nothing. Life can be so pathetic, meaningless in the beauty of the universe, yet so painful. It's like I never meant anything to anyone because it always fades away. People forget and time passes by, but somehow I remain here (do I?), and that's depressing. I don't think I have a real motive to be sad, but I can't find anything that makes me happy. It's an existential crisis, I guess. I don't know why I exist and I fail to see what good I'm doing in this world. I'm empty, just like everyone else. Except I'm conscious of my emptiness.

segunda-feira, 2 de março de 2015

122,5km

Considero tua presença um escuro de palavras
e tua ausência um escuro de idéias.
Considero a tua voz carinho
e teu calar castigo.
Penso no teu andar sozinho
e no que ele faz comigo.
O que ele fez comigo?
Eu penso em não te pensar
mas aí eu paro, não adianta.
Como adianta o tempo pra te ver?
De que adianta o tempo passar
Se ele passa e você vai pra lá?
Se eu passo a ver que você já passou?