sábado, 29 de novembro de 2014

Conversas de Ônibus (I)

Mentira! Quem te contou isso? Era isso que eu descofiava, que ele era doente mental. Ele é louco, Carol. Você tinha que ver o tamanho da minha perna agora. Ele quase ARRANCOU a minha perna. To dentro do 46 subindo a colina. Eu tinha que sair daí, Carol. Toda vez que a gente brigava ele batia a cabeça na parede, tipo um touro. A vizinha sabe de tudo, pergunta pra ela. Que? Aposentado porque tem problema mental? Como ela descobriu isso? Ele não trabalha, eu sei, ele mentiu pra mim. Você tem que avisar aos meninos pra eles saírem daí, pra eles saberem. Faz isso logo. Ele ta contando outra coisa pros meninos. Mamãe não acredita em mim porque ela não me quer lá, ela acredita nele. Eu já tentei falar, Carol, não adianta. Ele é DISSIMULADO, cheio de tique nervoso. Ele começa a piscar o olho olhando pra cima. Ele amolece, ele tem muita lábia, consegue me convencer de que eu sou dura pra cacete. Ele fica convencendo os meninos. E olha que eu sou mulher pra caralho, cara. Sou mulher pra caralho. Anota o telefone de mamãe agora e manda Jane ligar pra ela falar com mamãe. Anota aí - Jane? Me ajuda, amiga, eu to muito nervosa, liga pra minha mãe. Conta tudo que aconteceu porque você tem um ouvido aí, pelo amor de deus.

Obrigado, eu não fumo.

Eu não acordo com pesadelos no meio da madrugada, não sorrio de volta pra estranhos, não pego ônibus lotado. Não possuo desejo algum de conhecer gente nova, não sinto atração pelo sexo oposto e muito menos pelo meu. Não construo metas, não alimento sonhos, não me prendo a lembranças, não almejo chegar a lugar algum.
Não urino em banheiros públicos.
Não dou dinheiro aos pobres.
Não confio na sorte, não acredito em superstições, não sou dotado de manias, cacoetes ou cismas. Não expresso minhas opiniões de nenhuma forma, chegando a me perguntar se as possuo.
Não faço esportes, não tenho um time, não vou para bares e não torço pro Brasil na copa.
Não possuo nenhuma doença terminal ou crônica.
Não possuo maus hábitos à mesa.
Não fumo, não bebo, não escrevo.
Em suma, não vivo.

Paus e pedras.

Minha presença é atraída pela dela como a desgraça é atraída pelo caos. Nossas mentes são meros instrumentos da perversidade que nos rodeia, nossos corpos são os objetos de desejo um do outro. Meu hálito fede a álcool e o dela fede a cigarro. Meu olhar é de desprezo e o dela é de amargura. Fomos feitos um pro outro, unha e carne, almas gêmeas, com um único porém:
Não nos suportamos.

quinta-feira, 27 de novembro de 2014

Agosto.

Doce doce doce doce ironia
que nos outros não se substancia!
Tu entendes bem o que eu falo
pois, perante tua verdade, me calo
e dou voz ao teu grosso canto.
De tanto cinismo, me encanto:
de tanta lenda que tua boca diz,
a vericidade já não te condiz
e ficas a balbuciar novela
(lisuras pintadas em aquarela)
lamentando na cachaça amarga
os segredos que o passado guarda.
Enquanto invoco, de ti, tua ira
eu desafio-te, como traíra
a ser mais fiel ao teu encosto
do que as cartas manchadas de agosto.

Presente.

Fechar os olhos na tua presença é uma tarefa impossível: escolher não te olhar para encarar a escuridão da alma, ainda que o sono peça, me faz lacrimejar. Tua beleza é pura, consistente e única, teu olhar é meu paraíso, pessoal e intransferível. Tua carne é meu lar, tua pele é a minha pele. Teu ser é tão meu quanto teu, minha essência é a nossa. Minha única esperança é a tua estadia, meu único porém é a falta dela. Meu único medo é acordar e não mais te encontrar, procurar em vão e me perder no vazio.

(Tu és minha única certeza,
és a última luz
para toda escuridão que guardo
- A.B.)

segunda-feira, 24 de novembro de 2014

cada pouco

Voltando da madrugada
Do fumo, do pó, do nada
Procurando um encosto
Um desgosto pra dormir
Tentando esquecer seu rosto
Cochilando em cada pouco
Quando cada porco que aparece
Acusa-me de ser louco
Mas de rouco que sou
(Do louco, nada sei)
eu rio:
Do fumo
Do pó
Do nada.

aluga-se

- to pensando em me tornar assassino de aluguel.
-tipo aqueles caras de filme?
-tipo aqueles caras de filme.
-legal.
-você ainda daria pra mim se descobrisse que eu sou assassino de aluguel?
-eu vou continuar dando pra você enquanto você continuar me pagando.
-você vai continuar sendo puta pra sempre?
-não,daqui a uns anos eu paro.
-quantos anos?
-dois.
-só dois?
-é.
-e depois, o que você vai fazer?
-ainda não decidi, quero fazer alguma coisa com moda.
-você podia ser modelo com esse corpo, baby.
-ã-ahn.
-por que não?
-você ja viu como são os corpos das modelos de hoje em dia? parecem esqueletos!
-você moraria comigo?
-agora?
-daqui a dois anos.
-com você sendo assassino de aluguel?
-é.
-aí eu acho que você foi longe demais.
-é?
-é. to indo embora.
-mas já? ainda nem começamos a beber...
-é, mas eu não trepo tão bem quando eu bebo.
-e daí?
-tchau, Zé.
-até mais, Rita.

domingo, 23 de novembro de 2014

facas.

Os cigarros acabam enquanto fumo o último deles no meu quarto-banheiro. Tem um homem esfaqueado ali no canto, mas ninguém faz nada a respeito. Eu também sou como ele. Esfaquearam meu orgulho, minha masculinidade, minhas crenças e minha liberdade. De homem mesmo, só me sobraram as bolas, e tenho certeza que algum imbecil desses já pensou em arranca-las. Ainda não o fizeram, porém. Eles tem medo de mim aqui, eu sou maluco. Não dá pra controlar um homem que não teme nada, e é isso que eles acham que eu sou. Eu não sou esse homem, eles só não encontraram meus medos ainda. Eu temo não poder sair daqui nunca, ficar preso na mesma comida com gosto de bosta e no quarto-banheiro fedendo a facada. Temo não ser capaz de progredir intelectualmente, me tornar um deles, esfaquear alguém. Mais do que isso, temo não poder esfaquear alguém quando realmente PRECISAR esfaquear alguém, e acabar morrendo por isso. Meu cigarro acabou. O homem sangrando acabou de sangrar e agora me olha com uma cara torta, sem piscar. Talvez eu deva meter a porrada nele, só pra dizer que fui eu quem fez isso. Talvez não. Vasculho os bolsos dele e encontro mais um cigarro. Acendo-o e espero pelas facadas que ainda estão por vir.

sexta-feira, 21 de novembro de 2014

cu

Nessa privada desesperada
eu sento meu cu doído
de tanto fodido
que levei
dos mais fiéis
companheiros.
Nesse banco indigesto
eu sento minha bunda dura
de tanto chute
que levei
das minhas mais "fiéis"
meretrizes.
Nesse miserável trono
eu sento meu cu sem dono
e espero pelo inevitável:
uma merda ainda maior
que ainda está por vir.

quinta-feira, 20 de novembro de 2014

acabado.

Não acorde a calma, amor
Não sujeite a alma
à sua pequinês.
Não corra o mundo,
fique em casa
até melhorar desse mim
que te aflige.
Não me espere acordada
quando eu disser que
"eu não volto dessa vez",
que "não quero te ver
te viver, cheirar, sentir
ouvir ou comer."
Não briga nem chora
pelas manhãs chuvosas
que não vimos,
pelas canções chorosas
que não ouvimos
enquanto você me acabava.
Só me acaba de vez, amor
porque eu já acabei você.

Leito.

Deixe-me só, puro e doente
Não mais existe bem nessa carne
Não me melhore ou alimente
E não terá razão para alarme

Não ouça meus prantos e lamentos
Não pense que eu estou morrendo sozinho
Eu o recuso e aos seus alentos
Eu só preciso de mais vinho

Socorre meus entes queridos
Que de queridos não se substanciam
E diga aos meus bons amigos:
Fizeram tudo o que podiam

Não encerro-me sem me lembrar
Da mais formosa das criaturas míticas
Sereia por quem tardei a amar
Merece lugar nessas páginas fatídicas:

Se teus olhares não houvessem fitado
Tal monstro que a ti se dirige
Eu teria vivido exilado
Do amor que hoje me aflige

Aos outros, ao resto, obrigado
Todos meus anseios foram satisfeitos
Minha estadia não teria significado
Se não me ouvessem colocado defeitos

E àquela que me vem na calma
Aquela por quem tanto anseio
Tão mansa quanto pede a alma:
Minha inspiração mamou em teu seio.

segunda-feira, 17 de novembro de 2014

senti.

Senti minha pele fria tocar a água quente,
senti a água esquentar minha alma.
Senti as lágrimas secando no rosto
e o cansaço que vem depois do choro.
Deitei-me na água e a água me cobriu.
Sorrimos.
Senti o meu cabelo se afogando.
Quis fechar os olhos, mas não fechei.
Encarei o teto à minha frente.
Encarei o teto que me aguardava
e o futuro que era aguardado por mim.
Ouvi o som da água e tudo se silenciou.
Eu sou a água.
Ouvi o mundo,
acordei.
Vesti-me de vidro e azulejo,
deixei-me entrar dentro de mim.
Me mergulhei.
Parei de chorar e gargalhei.
Chorei de novo e enlouqueci.

Vivi.

horas

Antes de dormir, conto as horas de sono que terei e lembro dos sonhos que abandonei. Acordo, quase sempre cedo demais, e conto as horas que consegui dormir. Levanto, dou 15 passos até a escada (em média) e conto os degraus enquanto desço: doze, na maior parte das vezes. Onze degraus não significam muito, mas treze são os piores dias. Destranco a porta da frente, girando a chave duas vezes (duas vezes), cumprimento meu cachorro e faço carinho em sua barriga por dois minutos e meio. Caminho até a cozinha (mais sete passos) e coloco água pra ferver em fogo baixo. Lavo a cafeteira, lavo o funil de café e lavo a xícara. Monto o funil, coloco um novo filtro e ponho 3,5 colheres de pó de café.
Enquanto espero, ligo o notebook na cozinha, respondo meus emails e comento redes sociais.
Apago o fogo, espero mais alguns minutos até a água esfriar. O café perfeito deve ser feito à temperatura de 90 graus. 100 graus faz com que os grãos queimem e percam um pouco do sabor. Enquanto coloco a água, gosto de imaginar que estou num processo quase cirúrgico de não molhar a ponta do filtro. Esse pensanento me distrai.
Tomo uma xícara de café, jogo o filtro fora, lavo o funil, a xícara e a cafeteira e volto pro computador.
Levo o computador até a sala (11 passos em média) e trabalho até ir dormir, às 4:15 da manhã. Minhas pausas são meramente simbólicas, como para pedir comida, ir ao banheiro e fumar.
Desligo o computador às 3:45, ando até a cozinha para deixa-lo sobre a mesa (doze passos em média). Ando até a escada (7 passos) e subo doze degraus. Chegando lá, dou 13 passos até o banheiro e escovo os dentes. Conto as escovadas que dou em cada lado (quarenta). Caminho até minha cama (quatro passos), deito às 4:15 e penso nas horas de sono que ainda terei.

lixo lixoso

Você é lixo, tudo é lixo. Você é a mais lixosa de todos eles do mundo inteiro e eu não sei se eu quero gostar dessa sua SUJEIRA porque não sei se eu quero CABER nela. Cuspo o pouco de decência que ainda tinha presa na garganta enquanto caminho pelas calçadas de Botafogo. Lixo, lixo, lixo. Rua da Matriz, Rua das Palmeiras, Viro a esquina na Rua Sorocaba. Eu queria que tivesse sobrado mais desse lugar e que tivesse mais de MIM sobrando pra ver alguma coisa além de PODRE em todas as coisas pertencentes a este mundo fétido. Você fez isso comigo. Pego um Dunhill do bolso enquanto passo por uma velhinha sorridente. DESPREZO. Você diria que a velhinha não tem culpa (Foda-se). Risco um fósforo e puxo a fumaça pra dentro. Olho para o céu nublado e ouço os poucos passarinhos que ainda cantam. Tudo vai ficar bem.Meus pulmões estão virando lixo (agora tem um pouco de você em mim).

sábado, 15 de novembro de 2014

Poema de rua.

A chuva não é bem-vinda, o frio também não. Tudo no mundo é poesia, mas nada me satisfaz como tal. Sou como o fósforo que se apaga antes de queimar o pavio da vela, morrendo antes de completar meu propósito. O mais triste, porém, é acordar a cada dia e perceber que estou mais distante de ser eu mesmo do que no dia anterior, perceber que meu fogo está diminuindo e diminuindo, e que um dia não sobrará mais nada. Essa falta de motivação para viver, descrita por muitos como um "vazio existencial", é a causa de um vazio ainda mais profundo, de um lamento ainda mais doído: a falta de motivação para escrever. Como na vida, nada do que leio me conforta e nada do que escuto me faz querer confortar. Sou um perfeito infeliz viciado em cafeína, cocaína, nicotina. Visivelmente cru e inevitavelmente morto, para os mais leigos. Não posso ser um bom escritor porque não almejo ser um. Um escritor nos dias de hoje é, para mim, o exato oposto de um cão domesticado: gasta palavras demais e adquire pouca ou nenhuma felicidade. Eu também não sou o cão, me vendo assim em uma posição neutra entre ambos; não gasto suficientes palavras, mas também não sou feliz. Essa anormalidade me faz uma pessoa simples. Guardo o cigarro no bolso e o isqueiro no outro, pra não confundir. Não ando com dinheiro para não ser assaltado, não faço compras no cartão abaixo de 10 reais. Não tenho objetivos ou amizades, não tenho porquês ou poréns. Sou um meio-poeta vira-lata, andando nas ruas à procura de alguma coisa que queira ser procurada. Entretanto, minha busca permanece sendo um mistério além de minha compreensão, sendo apenas menos confuso do que todas as pequenas nuances do cotidiano.

sexta-feira, 14 de novembro de 2014

Tout.

L'amour
éclaire l'âmé égarée
pour un demain
qui ne viendra jamais.

La pluie
nettoie les rues
oubliées
et efface les précieux
mémoires.

Le feu
fait peur le froid,
assèche la pluie,
brûlant et consume
Tout.

quinta-feira, 13 de novembro de 2014

Femme.

"Ela é mulher, porra. Não pode dizer o que sente e o que não sente, não sabe fazer uma escolha rápida. Ela NUNCA vai terminar o namoro, vai ignorar as palavras insidiosas da boca de lama dele, o estorvo ao qual ela se sujeita. Ela me deixa a doer passados e nutrir delírios, com a coragem de indagar POR QUE me mostro em rosto tão triste na sua presença. Eu não tenho que aguentar esses absurdos, isso é sacanagem. Ela é SUJA, Jack. Uma PUTA suja."


(Sinceros Agradecimentos
à melhor pior "pessoa"
Que um vira-lata pode ter
- Um Amigo)

T.

quarta-feira, 12 de novembro de 2014

Pequeno.

Aquela anã de quatro patas saiu tropeçando pelo meu assoalho enquanto eu bebia mais vinho. Não era uma anã de verdade, não tinha cara de anã, era só muito pequena e não pesava quase nada. Suas nádegas escorregavam pelos meus olhos a cada passo trôpego - a anã estava bêbada. Peguei-a por debaixo dos braços como se faz com uma criança e comecei a despi-la. "Vamos tomar um banho.", ela não respondeu. Terminei de tirar sua blusa e encarei seus peitos redondos. Tirei o short jeans, sentei na cama e coloquei a coisa pra fora. A bunda dela era perfeita. Infantil, talvez até doentia, mas perfeita. Sentei ela no meu colo, cheguei a calcinha pro lado e entrei. "Ahhh" ela arregalou os olhos enquanto eu me encaixava. Não podia vê-la arregalando-os, mas podia sentir. Ela então entendeu o que estava acontecendo e começou a se mexer, como uma criança num touro mecânico. Eu urrava e ela mexia e gemia e eu urrava mais e então ela olhava pra mim com aqueles olhos de inocência e eu a batia e urrava mais. Aquela bunda era tão perfeita e aquela voz era tão sexy e aquele buraco tão apertado e aquele vinho tinha sido tanto que gozei duas vezes. Coloquei ela na cama em estado semi-vegetativo e deitei. Tudo girava e girava mais, olhei para o lado e aquele corpo estava lá. Imóvel, dopado, mas perfeito.
Abri os olhos e já era dia, a dor de cabeça já chegara e o enjôo também. Levantei para perceber que o quarto inteiro estava vomitado. A cama e o chão e o armário e até O MEU PAU estavam todos vomitados e eu olhei para a anã e ela não era tão bonita e suas nádegas não eram tão perfeitas. Sua boca havia se transformado em uma boca de anã e o resto era anão também. Os pequenos bracinhos eram de uma desproporcionalidade ilógica e também estavam cobertos de vômito. Que merda, pensei. Então eu olhei aquele cuzinho e não estava tão ruim assim. Limpei meu pinto e vesti a anã por trás, socando e urrando e latejando enquanto podia. Ela acordou e eu continuei e ela entendeu mas não podia fazer nada porque ela era muito PEQUENA e eu era ENORME. Eu ia urrando e socando e ela chorando. Novamente não podia ver seu rosto mas Senti ela chorar. Gozei naquele cuzinho e acabei. Botei as calças, peguei minhas coisas e saí. O quarto continuava vomitado e a anã continuava bébada e eu não estava nem aí. Ainda tinha mais uma semana paga no motel, mas não me importei. Acendi um cigarro e andei até encontrar o mercado mais próximo. Precisava de mais vinho.

terça-feira, 11 de novembro de 2014

boca seca

cansei de beber vinho e fui escrever. cansei de escrever, obviamente - era muito menos divertido do que beber e deixava minha boca seca. fui desenhar e acabei desenhando um velho. o velho estava muito sozinho, então desenhei uma garrafa de José Cuervo em uma de suas mãos. pronto: Um Velho Bêbado e Safado. amassei o desenho e comi. amassei os meus textos e comi. bebi um gole de Whisky Barato com água pra tudo descer. não desceu. cuspi, limpei o chão e bebi mais Whisky barato. Fui dormir e não consegui. Fui beber Vodka pra ficar com sono e dormi. acordei no dia seguinte com mau hálito, bebi anti-séptico bucal e acendi um cigarro. o cigarro tinha gosto de bosta, preparei uma caipirinha e o gosto passou. Fui escrever, mas já estava bêbado, então só me restava beber mais.
Acordei morto num dia qualquer da minha vida e vim parar aqui.
Mas minha boca já está começando a secar.

Despedida.

Peguei minhas folhas de rascunho, meus poemas, meus cadernos de desenho, minhas roupas; coloquei tudo na mochila velha e surrada. Olhei as fotos e ignorei. Olhei os móveis, as paredes, a geladeira velha. Ignorei. Peguei a bebida, tomei um trago e afoguei uma lágrima. Tinha que sair antes que as outras lágrimas chegassem, então me apressei e enfiei a garrafa de qualquer jeito na mochila, amassando os poemas e as lembranças. Parei. Respirei fundo e segurei a dor, segurei a mochila e saí porta afora. Me despedi do cachorro que se despediu de mim enquanto chorávamos (ele e eu). Andei pela selva que cobria meu quintal, me despedindo mentalmente daquele insuportável cortador de grama. Pulei o muro enquanto me despedia do muro que era pulado por mim, e o cachorro continuava latindo e chorando e pulando. Cheguei no chão com força demais, bati. Lati e continuei chorando. Manquei até o ponto e peguei o primeiro ônibus que passou. Sentei, chorei e dormi até chegar o meu destino, fosse ele qual fosse. Parei na frente de uma igreja e deitei ali mesmo. Rezando, latindo e chorando por um amanhecer que tardaria a chegar.

sábado, 8 de novembro de 2014

simpatia

Esse é o máximo de gentileza ao qual eu me sujeito, o máximo de doçura que se apresentará em mim. O gosto amargo da bebida ainda percorre as papilas e a alma, o ódio ainda escorre pela pele e o coração ainda bate mais forte quando te vê. Minhas palavras são a atuação perfeita de um bom escritor, a lábia perfeita de um traíra e a falsidade perfeita de um cínico. Teu sorriso me enoja, tua felicidade me corrói. Teu nome é sinônimo de desgraça, tua presença é um mau presságio. Nada mais serei senão frio, nada meu te pertencerá senão o passado. Tu és a nuvem que impede o sol de brilhar, tu és a morte que eu consegui driblar.

sexta-feira, 7 de novembro de 2014

rotina

O mundo é o lugar onde a rotina se torna uma meta e as metas se tornam sonhos e os sonhos se tornam fantasia e as fantasias são pra crianças ou para doentes mentais. Se você não quiser ser confundido com um desses pode arranjar um emprego chato ou casar com alguém que tenha um emprego bom e chato pra sustentar sua vontade de não fazer parte do sistema mas você É O SISTEMA. Os bilhetes de ônibus e as faturas de banco e as contas de luz sabem disso mais do que você porque OS NÚMEROS DIZEM TUDO e você é só mais um número pra eles mas Do Outro Ponto De Vista todos somos só números e números não dizem nada. Números são burros e imutáveis e ignorantes e teimosos e se você quiser SE MATAR aí você vai ser um número a mais nas pessoas que o fizeram e se você quiser ficar vivo vai ser só mais um e etc então NÃO FUJA: respire o sistema e cheire um pouco da poeira que você varre do chão e tudo vai ficar bem.

a noite

Acho que ele está dando em cima de mim. Acho não, ele ESTÁ. Acabou de passar a mão nas minhas coxas de leve, ele acha que eu não reparei. Ele bebe demais, eu acho, não sei se vai aguentar se levantar e me levar pra casa. Sugeri que a gente fosse pra minha casa e ele aceitou. Vamos pro carro dele - ele trôpego, entregue aos tropeços e ao desequilíbrio - e me ofereço pra pegar o volante. Enquanto dirijo, ele passa a mão em mim de novo. 'Ei, o que pensa que está fazendo?' Falei, fazendo cara de puta. Ele sorri com uma boca de tonto. Acho que não vai aguentar até em casa. 'Acho que um pneu furou'. Paro o carro. Ele me responde que tem um pé-de-cabra no banco de trás e eu finjo que não ouvi. Olho fixamente aqueles olhos de bêbado, a barba mal feita e a camisa amassada. Tem um ar de elegância nisso tudo, como se ele fosse assim de PROPÓSITO. Abro a blusa e mostro os peitos. 'É isso que você quer, doçura?' Ele avança e me beija com a barba espetando. Eu saio do carro e vou em direção ao banco de trás. Ele faz o mesmo. Começo a tirar meu short enquanto ele tira a calça e puxo ele pra cima de mim. Ele é feroz. Bêbado, mas feroz. Beijo-o e pego nas suas partes enquanto procuro o pé-de-cabra. Encontro e bato na cabeça dele com toda força. Ele desmaia. Vasculho seus bolsos, pego uma carteira vazia e uma nota de cinquenta amassada. Jogo o corpo e a carteira pra fora do carro e sujo minha mão de sangue. Merda. Amanhã eu dou um jeito de me livrar desse carro, já ta tarde e o puto não vai acordar tão cedo. Bêbado nojento, penso. Guardo a nota no bolso e começo a dirigir até minha casa.

Bicho.

Cala a boca. Não me responde. Você é bicho, não gente. Fala comigo quando você for gente. Até lá você não vai ter nada pra dizer que eu queira ouvir, capiche? Não sou seu camarada, chapa, nem mesmo bebo com você - e olha que eu bebo com qualquer um. Se você me oferecer uma bebida talvez eu aceite, talvez não. O que? Não gostou? Olha pra mim com essa cara de novo e eu lhe arrebendo na porrada, ouviu bem? Não me provoca, moleque, me paga alguma coisa ou some da minha frente. Bêbado é o teu CU. Vai embora, isso. Foge. Tchau, adeus e, opa! Vai pagar? Garçom, desce mais uma pra mim e pra esse companheiro aqui.

quinta-feira, 6 de novembro de 2014

Crú.

Os textos estão muito crús e os dias estão muito vazios. Os dias estão muito crús e a comida não tem gosto. As suas cartas se perderam em algum lugar entre os papéis e os ímãs de geladeira e as fotos de família e os incensos e as estatuetas de santo e a cachaça artesanal. Ta tudo lá no mesmo lugar, mas o mesmo lugar está mais vazio do que todos os dias e todos os textos e a alma. Eu não quero mais sentar nessa cadeira gorda e nem pisar nesse chão frio. O chão está frio como os meus textos, como as suas cartas que se perderam entre a bagunça. Os ímãs e as fotos e os incensos e as estatuetas de santo sabem disso tanto quanto eu. Desde que você se foi, tudo aqui parece frio como o chão e flácido como a cadeira e crú como meus textos e sem gosto como a comida e vazio como os meus dias.

quarta-feira, 5 de novembro de 2014

Vagalumes.

As noites de verão eram ensolaradas pela lua, deixando tudo claro quando todas as luzes se apagavam. Os vagalumes confundiam-se com estrelas galopantes enquanto os grilos cantavam para perturbar as formigas. Tinha até uma vizinha que sempre vinha no meu quintal e segurava minha mão enquanto tentávamos pegar os vagalumes. O mundo era um lugarzinho perfeito ali, e ninguém jamais tiraria isso de mim. Não tirou. A miséria chegou aqui, as contas, os mosquitos e as doenças sexualmente transmissíveis, mas ainda vejo aquele lugar quando fecho os olhos, apontando vagalumes e segurando minha mão.

Enjoo.

Fiquei bêbado e tive vontade de vomitar. Lembrei que estava bêbado e tentei me acalmar para ver se a vontade passava. Não passou. Bebi mais pra esquecer a vontade, mas aí veio outra vontade me lembrando da vontade anterior, e a coisa ficou feia. Corri pro banheiro e tropecei nos meus próprios pés, caí e esqueci o que eu estava fazendo quando corri pro banheiro. Bebi mais. Lembrei o que eu estava fazendo e agora não dava pra segurar MESMO a vontade de vomitar, então eu me virei pro banheiro, mas UM OUTRO HOMEM ESTAVA VOMITANDO NO MEU BANHEIRO e eu disse 'sai daí meu chapa' mas o cara me ignorou e eu falei 'VAI SER DO JEITO FÁCIL OU DO DIFÍCIL?' agarrando a camisa dele mas ele já estava desmaiado. Bati mesmo assim a cabeça dele contra a privada, peguei uma cerveja no congelador e fui assistir televisão. Senti o enjoo de novo e ignorei. Que se foda, pensei. Ele que vomite sozinho.

amor

Todo mundo sofre por amor. Não dá pra escrever sobre isso sem parecer um boiola sensível e idiota porque quem sofre de amor acaba Virando um boiola sensível e idiota, entende o que eu digo? Fica fazendo merda onde não devia e depois fica miando bêbado pelos cantos. Tem os homens que bebem para superar, os homens que bebem para aguentar o tranco e tem aqueles que simplesmente bebem. Eu normalmente sou desse terceiro tipo, sabe? As mulheres não me atraem o suficiente pra me deixar desesperado, mas agora eu lembrei de uma situação engraçada, então eu vou ter que contar.
Eu queria comer essa mulher casada e ela não cedia. A conheci num café da minha rua e o marido era um desses figurões que vive trabalhando pra encher o cu da grana, então eu não incomodei quando ela falou dele, só sorri e continuei conversando até ela sugerir que a gente fosse pra casa dela. Cheguei na casa dela e comecei a pegar nas suas gorduras e ela disse 'Não podemos fazer isso' e eu disse 'foda-se' e ela disse 'e se meu marido chegar?' e eu falei 'aí ele vai aprender o que é sexo de verdade' e eu comi. Comi direito, mas aí tive que ir embora porque o marido já estava chegando. Já estava tarde e um homem como eu tem mais coisas pra fazer e mais bocetas para comer quando escurece e o marido chega e o bar enche de bocetas novas.
No dia seguinte eu voltei pra come-la de novo e ela disse 'não' e eu disse 'por que' e acabei enrolando de outra forma e comendo mais uma vez aquela boceta gorda e rica e estúpida que não queria dar pra mim, mas aí o marido chegou. 'Que porra é essa' ele disse, e eu retruquei 'que porra é essa digo eu ao senhor!'. A essa altura eu já estava bêbado como de costume e ele me respondeu 'essa é minha mulher!' como de costume. 'O que?' disse eu, 'não, essa é a minha mulher, eu vi primeiro' e começamos a discutir sobre isso, desequilibrados, ele e eu: mental e fisicamente, nessa ordem. Foi aí que eu levei um soco na cara e tudo ficou preto.
Acordei no dia seguinte bêbado e roxo na frente de um bar. Já passava de meio dia, então pude me dar ao luxo de entrar pra beber alguma coisa, mas eu queria tentar entender o que tinha acontecido, então eu tomei umas doses e fui pra casa da ricaça.
Chegando lá, eu encontrei um monte de policial colocando faixa amarela em volta da casa e não entendi porra nenhuma, perguntei pra um cara de terno 'que porra que aconteceu aqui?' e o homem me respondeu 'o marido encontrou o amante da mulher e matou os dois a tiro' e aí eu gelei. 'Será que eu to morto?' pensei. Aí eu pensei que talvez eu estivesse só bêbado demais e fiquei ali parado mais um tempo enquanto pensava na ideia. Fui perguntar pro policial o nome do amante que morreu. 'Amarildo da Silva'. Não era eu. Porra, ainda bem que não era eu, NÉ? Mas isso queria dizer que eu não era o único amante da vagabunda, e chamo de vagabunda justamente porque eu não era o único amante dela. Sacana.
Voltei pro bar que eu tava e estou bebendo e escrevendo nele até hoje. Não lembro por que comecei essa história, mas vou sentir saudade daquela boceta gorda e rica e esnobe que me traiu com outro pé rapado. Luciana era o nome dela.
'Um brinde à Luciana'.
O barman me ignorou e eu voltei a beber.

terça-feira, 4 de novembro de 2014

ácidos voadores cagantes

- dizem que você viu os discos voadores.
- depende, quem é você?
- meu nome é jonas, mas isso não importa muito.
- você é capricorniano?
- eu nasci em porto alegre.
- e seu signo?
- sei la, acho que é virgem.
- ha ha, sabia!
- porra nenhuma.
- sabia sim, só precisava ter certeza.
- e os discos voadores, você viu mesmo?
- aham.
- como eles eram?
- eram assim, e tinham umas luzes piscando desse jeito, sabe? Tudo colorido e rápido demais.
- você usa ácido?
- não, por que?
- é que eu tenho um aqui sobrando.
- tem mesmo?
- não.
- por que disse que tinha?
- eu queria saber se você usava.
- mas eu disse que não uso.
- sei...
- por que veio perguntar dos discos voadores?
- porque eu vi também.
- viu nada.
- eles tinham umas luzes coloridas do jeito que você falou.
- acho que você ta caçoando de mim.
- não estou não, eu vi mesmo e achei que tava maluco.
- ainda acha que ta maluco?
- acho, mas pelo menos não estou sozinho.
- não?
- não.
- quer sair e beber uma cerveja?
- e conversar sobre discos voadores?
- talvez.
- talvez.

Eles sabem.

"Bukowski sabia disso", "Nietzsche sabia daquilo outro", "Freud... blablabla" e etc. Eu acho mesmo é que ninguém sabe de nada. Todos eles sabem escrever, e nenhum deles sabe. São uns merdas. Nós somos uns merdas de escritores, usando menos de dez por cento da nossa capacidade cerebral. Óbvio, porque os outros noventa a gente usa pra beber e tentar comer alguém, que é muito melhor do que escrever. Os verdadeiros escritores não escrevem porque querem, eu acho. Eles não tem muita escolha porque não comem ninguém. Mas novamente, quem são os verdadeiros escritores? Os mais sinceros bebem demais - ou os que bebem demais se tornam mais sinceros? De repente beberam o suficiente pra se passarem por escritores, mas não escreveram o suficiente pra deixarem de beber. Pra que parar de beber afinal? Tanta morte, calor, espinhas, multas de trânsito, acidentes, camisinhas furadas e café morno. O mundo é uma bosta. Todo o resto é uma bosta e ninguém faz nada a respeito e quando fazem fica pior ainda. Nada vai reduzir as multas, as camisinhas furadas, os acidentes e nada vai esquentar meu café sem deixar aquele gosto horrível de microondas. Não importa o quanto eu escreva, o mundo não vai ser um lugar melhor. Bukowski sabia disso. Pelo menos disso ele sabia...

segunda-feira, 3 de novembro de 2014

Terminar.

Quero terminar de escrever você,
Sufocar seus pensamentos,
Afogar minhas feridas em água morna
E comer sua melhor amiga.

Quero enfiar-me entre as suas costelas,
Penetrar no profundo do seu peito,
Corroer sua alma podre
E viver dentro dos seus restos

Quero construir uma cabana,
Com tudo que sobrou de nós,
Encher tudo de gasolina
E atear fogo

Eu estou melhor agora, meu bem.
Me sinto mais saudável,
Mais livre!