terça-feira, 15 de novembro de 2016

vou te dizer, Poesia, o que eu tenho sonhado

Poesia, queria que
teus versos me abraçassem
e chorassem comigo pela
dor, quem dirá que é
exagero de nós dois?
palavra e poeta, sofrendo pois
de que será que sofreríamos?
certamente amor e falta
e de raiva em caixa alta
e de colo e de saudade
mas aí então, Poesia
chegaria o final do dia
e amar-te-ia entre estrofes
e ficaria ali, olhando tuas letras
e tuas vírgulas, teus pontos
tonto de ler-te cabo a rabo
de novo, de novo e de novo...

impregnados

estamos impregnados de paixão
e amargura, temos medo
morremos de medo
vivemos dele
e só pensamos em
nós mesmos, apenas
enquanto não admitimos
nossa maior capacidade:
amor. a ele se curvam
todas as outras vontades e
lógicas, planos, futuro,
ao amor nada se nega
nem nada se pede.
queria a estar recitando
esses versos entorpecidos
e aborrecidos, não quero
mais escrevê-la nem
dizer que é meu e dela
esse meu arrependimento
de faltá-la agora
ao invés de
tê-la amado antes.

sábado, 5 de novembro de 2016

Tomates.

Perguntei pra onde ela tinha ido mais cedo.
É complicado, respondeu.
Então ta.
Que foi, Roberto?
Nada, ué!
Você fez uma cara estranha.
Não fiz não. Eu não faço cara estranha, só a minha cara que é assim.
Você não quer saber onde eu tava?
Você quer dizer?
É complicado.
Então por que você ta voltando pro assunto, Marta?

Transamos. Muito bem até. Marta era nova. Não que fosse muito mais jovem do que eu, mas era nova na minha vida. Antes da Marta veio a Sofia e antes da Sofia veio a Aurora. Eu tenho essa mania de só encontrar mulher descompensada, mas a Marta era diferente. Muito insegura pra ser descompensada, mas o resto não prestava. Sofia era puta, Aurora era esnobe. Marta era só meio boba, então tava tudo bem.

 - Comprei tomates - falou.
Eu gostava do jeito como ela dizia a palavra "tomates", com um S no final. Marta tinha um sotaque do sul do país que me arrepiava e me fazia querer transar de novo até quando já tínhamos acabado de transar. Isso não acontecia com as outras.

- Marta, eu acho que to apaixonado por você.
Ela sorriu de um jeito que eu não vou descrever, mas que deu vontade de transar ainda mais.

Conforme o tempo foi passando, Marta começou a sair com outro homem. Não me importei. Uma coisa que eu não suporto é quem me faz de bobo, e ela não o fez. Me contou quando o caso começou e eu não me importei, disse que ia fazer o mesmo. Arrumei outra mulher também, a Lola, mas a Marta não ligou. Uma vez Lola veio passar o final de semana conosco e transamos os três. Lola era melhor de cama, mas Marta era mais atenciosa a mim. No domingo de noite eu terminei com Lola e disse pra Marta que eu queria ficar só com ela.
Veja bem, isso não acontecia com Sofia, que só estava comigo pelo dinheiro. Aurora não era má, mas tinha uma família esnobe, daquele tipo que dá asco, sabe? Foi mimada demais e apodreceu por dentro, acredito eu. Das outras eu não lembro muito, naquela época eu bebia demais.
O tempo foi passando e eu e Marta acabamos nos casando. Tivemos dois lindos filhos, mas um deles não era meu. Marta nunca parou de ver o outro homem e faz uma semana que ela não aparece.
Queria ter amado Lola.

terça-feira, 1 de novembro de 2016

Incômodos.

O gosto amargo na minha boca é o epicentro de todas as minhas crises existenciais. A metáfora em si é repleta de outros significados: a acidez do cotidiano sendo tragada, aos poucos, por uma pessoa como eu, jamais fará bem algum. Mas vai além - Eu não sinto amargor quando durmo, quando como ou quando beijo. Não o percebo quando sorrio, quando canto ou quando me apaixono, mas percebo quando escrevo. Daí vem a minha quebra: a dor que eu sinto na palavra é a espora para a continuidade da poesia e, portanto, essência da conservação do meu estado mental. Mas não gosto do amargor. Compreende-lo não me traz nenhum prazer, nem mesmo o da aceitação. Eu não aceito que a minha sanidade necessite uma âncora, não suporto que a minha compreensão de mundo precise ser tão negativa e não o deixarei ser. Mas então eu devo começar uma mudança! e na minha cabeça eu a começo: planejo todas as possíveis dificuldades e destruo de uma vez só a base lógica que forma o individualismo egoísta, egocêntrico e podre. Aplico meus conhecimentos em diversas áreas, espalho ideias pelo mundo e espero. Nada acontece. Ao refazer meus passos, descubro que minhas sementes foram cuidadosamente arrancadas por aqueles que me desprezam e que preservam o mesmo ódio que, neles, eu hoje tento destruir, mas eu não desisto. Tento de novo e falho novamente, tento "mais uma vez" durante tanto tempo que o amargor agora é permanente. Choro tudo em rum e veneno, me acalmo um pouco, encontro uma bela jovem e me apaixono. Frustro-me tentando explicar minhas ideias e perco a cabeça, saio de casa e vou dormir na sarjeta, mas ainda estou na minha cabeça, então desisto de tentar. Maquiavel uma vez disse que não há nada mais difícil ou perigoso do que tomar a frente na introdução de uma mudança. Volto ao meu cigarro, apesar de não fumar. Apego-me a velhos atos prejudiciais pra me assegurar de que a morte chegará antes da loucura, mas o amargor volta a me assombrar os dias. Apago-me no cigarro. Por que logo eu a enxergar o mundo? Com tantos outros grandes homens...