terça-feira, 30 de junho de 2015

Escrita sobre a escrita.

Escrever nunca foi sobre falar verdades. "A palavra mente", diria um sábio, se tal afirmação não fosse absolutamente verídica. Por ser verídica - uma vericidade paradoxal, mas válida ainda assim - o sábio se cala. O ato da escrita é puramente simbólico, no sentido mais puro da palavra. Nada existe como é contado, não foram as palavras que deram vida ao mundo. A meu ver, o que acontece é exatamente o oposto: o mundo dá vida às palavras. Afinal, a palavra "avião" não teria significado nenhum se Dumont - ou os Wright, fica a seu critério - não tivesse tido a ideia de sair voando por aí. Enquanto escrevia essa última afirmação, percebi que a palavra tem mais ou menos o mesmo objetivo de Dumont: sonhar mais alto. Dizer que a escrita dá asas a quem escreve e a quem lê é um desmerecimento, um castigo à língua, seja ela qual for. As letras dão a possibilidade de ser e de não ser, de estar ou seguir em frente. Ela diferencia os bêbados dos poetas, os bem treinados dos ignorantes. Sem a palavra, nada significaria existência e nada desqualificaria o silêncio. Ainda penso, como disse antes, que ela não tem a capacidade de dizer verdades - por um motivo bem óbvio, eu presumo - mas é só isso que ela não faz.

segunda-feira, 29 de junho de 2015

Café derramado.

Às vezes penso que todo grande conflito tem uma origem mínima e idiota, como um sinal furado ou um café derramado numa calça branca. Alguém fica irritado, faz alguma coisa a respeito e atinge outras pessoas, que continuam o ciclo atingindo outras e por aí vai. Aos poucos, o mundo inteiro é afetado por essa onda de impaciência e o dia-a-dia é coberto com um véu de decepção. Os governantes, também afetados pelo mau humor do cotidiano, tomam decisões estúpidas e mesquinhas, entram em guerras e geram fome, morte, miséria e dor, tudo isso por causa de uma pessoa só.
Mas a pessoa não sabe disso, ela não teria como saber. Às vezes tudo que ela fez foi responder às coisas ruins que o mundo lhe deu, fruto de outras pessoas igualmente insatisfeitas. Ele não teria como mudar, como fazer diferente, como ser melhor.
A menos, é claro, que ele quisesse.

sábado, 27 de junho de 2015

Supérfluo.

(I)
Estou pensando em pequenas palavras porque são mais fáceis de serem pensadas do que as grandes. As grandes precisam ser divididas, separadas em categorias e interpretadas por um júri popular existente apenas dentro da minha cabeça, mas as pequenas não.
Deve ser por isso que eu tenho pensado demasiadamente em "nós" e esquecido de outras coisas, como nicotina.

I()I
Às vezes me sinto como um poeta morto: citado por muitos, mas nunca totalmente compreendido. Como se minha voz houvesse se esvaído com as estações e meus sentimentos tivessem sido adulterados pelo tempo. Sinto-me um fantasma da minha própria escrita, uma sombra de uma sombra de uma sombra. Nunca sou reconhecido pelos meus acertos e, ainda mais preocupante, nunca sou julgado pelos meus erros.

I)I)I)

Se eu fosse um objeto, eu não seria essencial. No máximo útil, mas nem tão útil assim. Antigamente eu pensava em ser uma cadeira, um aparelho de barbear ou um adesivo de carro, mas hoje cheguei à conclusão de que eu seria um pires. Afinal, existe coisa menos importante do que o pires?

sexta-feira, 26 de junho de 2015

Sai daqui.

"Por que?"
Meu amor é ácido, corrosivo e fétido.
"E daí?"
Você não entende! Meu carinho é áspero, meu calor é gélido...
"Meu coração é morte."
Minhas verdades são o pessimismo de uma sociedade doente, meus bons dias são chuvosos!
"Eu aguento a chuva."
Mas não é só chuva! Minha sanidade é desespero, meu café é conhaque e a tempestade é o meu pôr-do-sol.
"Ainda tem conhaque?"
Quem em sã consciência escolheria viver assim?
"Eu não estou em sã consciência."
Mais um motivo para que se afaste!
"Não!"
Tudo que eu toco quebra ou falece, seca ou apodrece, tudo que eu amo morre.
"Então que morra, foda-se."
Mas eu não quero que você morra.
"Então não me toque, mas daqui eu não saio."
Eu não sei não te tocar.
"Aprenda."
Mas eu sou burro velho, cavalo manco. Nada cresce em mim, nada floresce senão você.
"Então por que me quer longe?"
Porque não te aguento perto.
"Pois nem eu te aguento perto."
Então por que não me expulsa?
"Eu não quero, não me convém."
E se eu te disser que você não me convém?
"Então estará mentindo."
Como sabe?
"Caso contrário, não teria problema em me tocar."




-T.

Transtorno.

Sangra em mim esse teu cigarro, meretriz, me corrói com tua saliva pública e me faz desejar como uma vagabunda o faria. Vou esfaquear esse teu estômago sujo e furar-te até que vomites toda a dor que causaste em mim, arrancar-te o coração por cliché, morder-te os lábios até arrancá-los desse teu sorriso falso. Vou meter-me entre as tuas pernas e te ver tremer, me ver tremer dentro de ti enquanto eu gasto o último relance de desejo que eu sinto por algo tão sujo. Me purificarei na podridão, beberei da tua tragédia, viverei mergulhado nas tuas entranhas. Viverei como parasita, sugando de volta tudo aquilo que me tiraram, para renascer do sangue e despedaçar meu hospedeiro. Eu sou como um vírus, amor, e tu és um sistema doente, defeituoso, ultrapassado. Espere por algum sinal, pois não me verás chegando. Quando estiver lendo isso, querida, eu já estarei atrás de você.

Hello again.

quinta-feira, 25 de junho de 2015

Silentium Sonare.

Aos poucos, tudo que eu conheço morre e tuas pupilas me afogam em escuridão. Enquanto suplico, teus cabeços negros me perdem em uma floresta de anseios e perfumes, tua nuca me animaliza e teu silêncio me despedaça. Enquanto choro, teus olhos me esquecem na compaixão do fogo, tua voz distante me despreza, mas não me mata - será assim o teu sentir de mim; em mim ou por mim? Seria eu, tonto e inútil, aquele por quem teu coração te bate sem folga? Aquele por quem tuas veias aquecerem o mármore que te cobre o peito? Estarei eu preso à ilusão da insegurança ou eximido do sofrimento da verdade? Que tal mármore aqueça-me os lábios, por delírio ou necessidade minha - temo definhar-me sem te pagar carícias - mas que deixe-me quente, tolo, fútil, bem! Deixa-me, em vida como em sonho, beijar-te os pés sem que me negues o resto de ti. Que não me negues sufocar o abraço do frio dentro dos cobertores inquietos, adentro à insensata noite, que me espante a tristeza e deixe-nos febris, cansados e descobertos, encobertos e redescobertos pela embriaguez desse novo amor.

domingo, 21 de junho de 2015

Como que pra sempre.

Seus olhos se fechavam como que pra sempre
Mas depois se abriam
E a tristeza declarava-se, gritava e chorava em cores
Mas depois os olhos se fechavam
Como que dormindo, como que em vazio
Como os meus, eles falavam
Mas não me viam, não escutavam
Talvez estivessem perdidos de tanto gritados
de tão chorados, eles fechavam
Como que acabados, como que sozinhos
Mas não se vá agora, amor, que eu não desisti
Abre esses olhos, que eu ainda não dormi
Abre essas portas fechadas, solta esses gritos contidos
Canta esses olhos calados
Que me fitavam, me amavam
Mas não amam mais
Mas não me fazem ser, não nos fizeram
Não nos fecharam antes de se acabarem
Antes de me acabarem como que pra sempre
Pra depois se abrirem
Pra depois se amarem
Pra depois fecharem.

Borboletas.

O dia começou anoitecendo em um quarto escuro. Minhas pálpebras queimavam de cansaço enquanto eu acendia outro cigarro ruim do Jack. A casa era dele, o cigarro era dele, o quarto era meu.
"Aquela borboleta está se mexendo?"
Jack não sabia o que falava, estava sob o efeito de drogas pesadas. Todos nós estávamos, de um jeito ou de outro. A borboleta à qual ele se referia era um enfeite grudado na parede que só se mexia em dias como aquele.
Olhei pra borboleta e ela olhou pra mim.
"O que você está olhando, verme estúpido?", eu disse.
Jack riu. Ri de volta, sem humor. Não havia um pingo de alegria em mim naquele dia-noite, foi por isso que eu resolvi me drogar. Algum sábio alguma vez me disse que a droga não vicia, que o hábito de se drogar é uma simples adaptação do ser humano à realidade em que ele se encontra, que eu posso parar na hora que eu quiser.
Mas eu não acredito nisso, eu não sou burro.
Virei-me para Jack, interrompento-lhe algum pensamento fútil.
"Ainda tem beck aí?"
"Tem."
"Aperta um então."
"Aperta você, vadia."
Jack riu de novo. Ele não era a criatura mais inteligente do mundo, talvez não fosse nem do quarto. Naquela época eu ainda tinha algum cérebro, alguma consciência, algum limite, ao contrário do Jack. Dizem que essas são as características da velhice e da experiência, mas eu acho que é o contrário: quanto mais velho, mais burro e acostumado você fica. Mais destemido, mais despreocupado, mais idiota. É aqui que a gente erra. Quando jovem, o mundo é um perigo atrás do outro, tudo é importante demais e tudo deve acontecer rápido demais, temos que prestar atenção em tudo. Eu cheguei a prestar, pelo menos por um tempo, mas aí o tempo vai passando e a gente deixa de ligar. Talvez meu futuro fosse diferente se eu tivesse pensado nisso antes, mas provavelmente não. Meu futuro não teria modos de ser diferente.
Jack já estava de pé quando eu terminei de apertar o baseado. Acendi, dei duas tragadas e segurei a fumaça no pulmão.
"Libera o beck aí, policial." - Jack se achava muito engraçado.
"Lei do duende: quem aperta, acende."
"Lei do gnomo: o segundo é o dono."
"Mas fui eu que comprei o boldo."
"Com o meu dinheiro."
"Foda-se, já to chapado mesmo."
Joguei o beck pro Jack, que o pegou desajeitadamente, queimando a palma da mão.
"Filho da puta!"
"Parece até que você sentiu queimar... Haha"
Meu coração acelerou, o mundo queimou e eu voltei a dormir.

terça-feira, 9 de junho de 2015

Nostalgia.

Eu costumava dormir.
Escrevia até dormir e dormia -
Antigamente eu escrevia.
Nos tempos áureos, a cafeína,
A nicotina, o álcool e a cocaína
Não faziam parte do meu sangue -
Antigamente eu não bebia.
A solidão sentia e era sentida
E a tarde de domingo era sofrida
E a de segunda nunca terminava -
Antigamente eu não ligava.
E se chovia eu me molhava
E se nevava eu me cobria
E se eu chorava eu logo ria -
Nesses tempos eu ainda ria.
Agora é tudo lodo
E eu só vejo esse lixo todo
Cobrindo as ruas da minha mente,
E a verdade se tornou ausente
Como essa rima forçada,
Como uma relação arrastada.
Hoje meu coração punge,
Finge, mata, troca, pega,
Nega, peita, peida e fode -
Antigamente ele batia.

quarta-feira, 3 de junho de 2015

Ah, L'Amour...

Alguém alguma vez me disse que o melhor jeito de superar um grande amor é transformando-o em literatura. Assim, na esperança de não mais sentir, passei grande parte da minha vida escrevendo ao invés de viver. Levou tempo, mas hoje eu percebi meu erro: o amor é, dentre todas as outras coisas, literatura. Para escrever sobre ele, é preciso lembrar, e lembrar é como reler. Não é relendo que se esquece um bom livro, mas é relendo-o que se esquece dos outros  ― e foi relendo outras que esqueci você.

Cínico.

Esse frio me domina enquanto a esperança me condena, meus olhos riem e minha alma chora, tua falta despedaça e protege, teu perfume me traz um choro cínico e um sorriso nostálgico. Queria estar apagado, esquecido e irreversível. Queria não poder te olhar, te ouvir, te lembrar, te querer. Queria poder, fazer, perder. (Queria ser e somente ser).
Quero perder tudo que me faz querer.
(Quero querer perder-te.)

Retratos do delírio (I)

Imagine estar teto-pretando na casa de uma tia louca com 947 gatos: esse era eu naquele momento. Meus braços se moviam como cobras imaginárias do inconsciente coletivo de tudo que a cobra representa, meus olhos eram quadrados e tudo era azul. Deitei-me de bruços pelo que pensei estar em pé, esforcei-me para lembrar de alguma música conhecida e comecei: "essa moça tá difereeente, ja não me coonheeece MAIS" enquanto a tal tia louca continuava a conversar com os gatos. Senti que precisava fazer alguma coisa, então domei meus braços enquanto continuava a canção.
"Mas o tempo vai, mas o tempo vem..."
Consegui alcançar meu bolso e pegar, com o auxílio de unhas muito mal cortadas, mais uma das pílulas mágicas. Eu não queria fazer isso, mas era preciso. Senti-a tocar minha língua e descer minha garganta. Esperei enquanto cantava:
"Se do lado esquerdo do peito, no fuuundo ela ainda me quer bem..."
Em um sopro, senti-me bem de novo. O mundo era totalmente normal e chato, mas agora em câmera lenta. Eu sabia que eu não conseguiria fazer com que qualquer um me entendesse, então fiquei quieto enquanto a velha louca se aproximava:
"Pega esse aqui, meu filho, leva ele pra casa."
Eu só sorri por horas e esperei até que ela fosse embora. Em uma ocasião, eu estava contando essa história pra um amigo e ele duvidou que eu tivesse sorrido por tanto tempo, então precisei explicar que, para a velha e para todos os seus 947 gatos, passaram-se só alguns segundos.
Saí de lá enquanto a murcha gritava algo para mim, segurando um dos gatos como quem segura um pênis em uma orgia gay. Fiquei enjoado com a cena e perdi a fome. fui pro bar tomar uma cerveja e fumar um cigarro, mas não mais se fuma em bar então eu fiquei só com a cerveja. Malditos moralistas pútridos, com absurdos conceituais e lógicos de tamanha estupidez que perdem em argumento e sentido pra uma criança bem treinada. Vocês todos, na minha opinião, não passam de crianças mal treinadas esperando a vida inteira pelos próprios lugares ao Sol. Eu digo: "Que fiquem no sol, mas deixem-me fumar na sombra!"