quarta-feira, 21 de junho de 2017

O Rei. (parte 1)

Eu estou tentando dormir, mas não consigo tirar essa ideia da minha cabeça. Não foi por isso que eu comecei a escrever afinal de contas? Enquanto o resto dorme, cá estamos nós. Eu e você, você e eu - ligados por uma teia invisível de probabilidades que nos levaram a esses dois momentos específicos. O primeiro, sobre o qual escrevo minhas palavras, eu imortalizo para que cheguemos enfim ao teu: a leitura da obra final. Mas não vá se entusiasmando, anônimo leitor, pois esta história não tem final. Até onde eu vejo, inclusive, mal possui início e, dificilmente, dada a conjectura atual, será capaz de possuir um clímax. Ou será que este já chegou? Nesse caso, a história antecipou-se à pena.
Explico-lhe:
Existe, é claro, o momento da escrita, mas também há aqueles anteriores ao ato: uma inquietação, uma lágrima, uma ideia. Existe razão por cada palavra e por cada ato humano, caro leitor, e só neles tal razão é cabível de existir. Dadas minhas palavras, pode-se eliminar, desde já, a possibilidade de uma consciência maior controlando minha voz, pois Esta não está aqui. Lhe digo mais: em toda a minha existência, jamais pude ve-la manifestando-se de qualquer forma que fosse, salvo pelo único momento em que eu próprio me senti divino. Não é proibido se sentir divino, sabia? Nem mesmo prejudicial, acho eu. Acredito que podemos ter pequenos acessos de loucura se forem controlados. Já o descontrole, porém, é o maior perigo do homem. Não a ganância, a guerra ou a malevolência - a existência desta última ainda não está comprovada do meu ponto de vista - mas o descompasso e o exagero. Querer sempre foi demasiadamente humano, por que não? Segundo a filosofia budista, querer é apenas uma sensação carnal, pois o espírito em si não deseja. Eu discordo. Desejar é também amar, também sentir e também sofrer. Se não há querer, nada existe por nenhum porquê existir. Obviamente a ausência de vontade nos tornaria menos impulsivos e inconsequentes, mas também faria-nos apáticos. Querer é, portanto, natural e produtivo: contanto que um não queira demais.
Bom, tendo esclarecido isso, eu deveria começar a escrever. Ainda assim, temo que poucos de vocês me entenderão e, aos poucos que puderem talvez me compreender, peço perdão pela incoerência: por vezes utilizarei-me da parcialidade que me cabe como testemunha, mesmo sabendo que tal inadequação como narrador poderia dificultar a visão do leitor sobre os fatos - afinal, já vimos isso acontecer em Dom Casmurro - mas quais são eles?
Quais são os fatos?
Veja bem, esta tem sido a minha dificuldade em contar uma história. Se digo-lhes meu ponto de vista, tendo à parcialidade, mas se procuro relatar de forma imparcial, mais parcial eu posso ser sem nem mesmo perceber. Pense comigo: colocar-se como onisciente é o primeiro da lista de grandes erros cometidos por grandes homens e eu aparentemente sou um desses homens. Afinal, nenhum ser humano em sã consciência se disporia a ler-me até esse ponto se considerasse minha escrita medíocre. Você deve estar bem atento agora e dizer-se "este homem está confundindo-se com seu eu lírico, ele está louco!". Acontece, caro leitor, que um homem é feito pelas suas ações e não pelos seus pensamentos. Tudo que você pensa e não faz morre com seu corpo. Mas nem tudo que você faz sem pensar terá o mesmo destino. Compreende? Dessa forma, minha grandiosidade na escrita é também minha grandiosidade pessoal, embora meu total conteúdo não se resuma a ela. Esses mesmos grandes homens que mencionamos não foram lembrados pelos seus pensamentos, intenções e angústias. Foram lembrados por seus ATOS, querido espectador.
Por outro lado, são esses mesmos atos que os destroem.
Claro que, para uma mente menos atenta do que a dos meus leitores habituais, muita coisa pode não fazer sentido. Afinal, nem todos possuem tempo de sobra para questionar a temporalidade da ética e a inexorabilidade da natureza humana, nem todos vêem além do bem e do mal. Estudiosos costumam dizer que a história se repete, mas por vezes falham em entender os porquês das próprias frases. Desse jeito, como podem ser chamados de estudiosos pra começo de conversa? Eu não sei, mas chamam-se uns aos outros assim e eu apenas uso por falta de palavra mais simples que os descreva em toda sua ignorância e falsa superioridade. Os dizeres populares ficam gravados como verdades palpáveis em seus cérebros e daí surgem colunas e castelos de ideias, que formam-se a partir de uma simples dúvida que foi posta junto às certezas. É como o câncer. Qualquer aluno de segundo grau deve saber do que eu estou falando, não é mesmo? Vocês todos estudam tão bem a reprodução das células, com todas aquelas palavras que somem da cabeça depois de um ou dois anos, que não teriam como não saber. Se você ainda está nessa fase da vida, peço que não se culpe, nosso sistema de ensino é patético. Somos moldados em verdades absolutas quando o mundo inteiro é, na verdade, apenas o nosso ponto de vista construído sobre esse mundo, com diversas dúvidas sendo falsamente solucionadas e colocadas na pilha de certezas até que não restem mais dúvidas e toda aquela juventude tenha se transformado em ego e câncer. Se não se vê a diferença entre um estudante de doutorado e uma pré-adolescente se deparando com as primeiras noções de lógica, em que mundo vocês estão? Quando foi que todos vocês se esqueceram de que são crianças? Que sociedade estúpida!
Aqui estou eu, com tanto a aprender e cercado de prisioneiros. Onde foram parar os espíritos livres que já deveriam ter acompanhado o processo? O que se fez dos reais pensadores atuais, que nasceriam para suceder as gerações passadas?
Chega. Novamente, todo esse parágrafo vira apenas uma demonstração de ego, uma igualdade de raciocínio pífio. Vê? Nem mesmo eu, com todas as minhas convicções lógicas, consigo escapar da certeza. Esta não deve pensar em existir ou você começará a pensar que pode opinar qualquer coisa sobre mim quando você está aqui para ler.
Perdoe-me pela interrupção, meus dedos não conseguem acompanhar meu cérebro. O fato é que, de fato, nada posso afirmar senão o que vi e vivi. Foram contadas mentiras sobre mim, mas como dizer se a mentira pra mim não é, pros que a disseram, a mais absoluta verdade? Mas aí eu não estarei contando a história do início como eu prometi que faria. Acontece, caro leitor e amigo, que nem mesmo eu sei quem deu início aos boatos. Uma pitada de medo e incompreensão implementada com o veneno das más bocas e eu já era o vilão. Aos treze, aos dezoito ou aos vinte e cinco, nunca fez nenhuma diferença. É vontade encontrar um culpado, embora digam-se tão pensantes. Queria poder chacoalhar cada um de nós e dizer que errar com quem erra é também errar - se me permite o termo. Queria poder contar minha história sem denunciar meu carrasco ou denuncia-lo tendo certeza de que não estaria me tornando como ele ao executar sua sentença.
Mas eu vou contar minha história, caro leitor.
Espere pra ver.

quinta-feira, 15 de junho de 2017

Marie.

Gosto de ver o vento e sentir o ar nas minhas bochechas. Gélidos ares fazem meu rosto esquentar e corar pois estou fugindo das gélidas luzes de ensino. Gosto de sentir a grama nos meus pés descalços e de me deitar pra observar o céu azul não artificial. Quando eu era criança, minha mãe me proibiu de deitar na grama porque grudava toda na minha saia plissada azul.
Sinto falta da minha saia plissada azul.
Eu não ligo muito, pois não estou em nenhum quarto fechado. Não preciso saber se eu sou bonita porque não tenho espelhos e nem saberia o que fazer se eu por acasso encontrasse algum. Às vezes sinto falta de uma pessoa que eu encontrei em uma caixa, mas ela não queria sair da caixa.
"Por que você não sai da caixa?", eu perguntei.
Pessoas não apreciam coisas simples. Semana passada eu peguei carrapato em uma parte secreta do meu corpo porque nadei nua no lago que tem aqui perto. Acho que o Julio, filho pequeno do vizinho, estava me olhando no arbusto. Não liguei. Situações diferentes acontecem quando menos se espera e eu nunca estou esperando nada.
Esses dias eu sonhei com uma pessoa só e foi maravilhoso.
Tudo está bem aqui. Ainda não encontrei uma forma de escrever o que estou pensando, mas um dia o farei. Tem a ver com flores.

Uníssono.

Não escrever é muito mais do que não querer escrever. Eu gostaria de estar criando, mas não possuo capacidade para tal; seja por entorpecimento ou frustração, meu corpo não obedece minha imposição e despedaça como Troia. Sou invadido por um calor que preenche meu corpo em um suspiro, mas não tem pra onde explodir e morre ali. A criatividade apodrece dentro de mim e tudo que eu posso fazer é observar por um aquário. É engraçado, é como se as portas que eu antes dominava ao expressar-me tivessem sido agora tomadas pelo medo do julgamento. Me vejo como homem que virou besouro, como um eletrodoméstico obsoleto que foi deixado, sem maiores motivos, no meio da sala - sem nunca efetivamente ser jogado fora. Minhas paixões da carne conflituam com meus mais profundos e puros desejos, mas me acalmam diante à frustração. Não me curvo à ideia de que o sucesso seja causado por persistência e não pela capacidade, mas não sei de nada e agora já estou velho, essa é a verdade. Aos poucos eu me torno medíocre na carne e na literatura. Na escrita, as várias vozes que aqui falavam calam-se. Quando voltam, chegam devagar e logo vão embora. O pouco do dizer que fica teima a dizer, em uníssono: "eu não sou mais suficiente... me perdoem."
Mas sou incapaz de perdoar.

quarta-feira, 14 de junho de 2017

Dualidade ou dualismo?

É estranho como o raciocínio funciona independente da minha permissão. De tempos em tempos, percebo a colocação de termos como "na minha opinião", ou "acredito eu", mas são apenas floreios para lembrar-me que não sou dono da verdade universal - que é, até onde posso dizer, uma das minhas maiores certezas.
O fim também é uma delas, mas não penso nele. Deveria, talvez então, faze-lo com o objetivo de assimilar que as minhas verdades também terão seu tão esperado fim. O que seria, porém, de mim? Eu e meu enorme ego, o que eu sou sem ele? No mundo idealista, tudo eu seria. Na prática, por outro lado, seria um atraso. É aí que eu devo definir minhas prioridades nessa encruzilhada mental: desejo ser mais consciente do que já sou ou ter maiores chances de sucesso na minha vida profissional e situação econômica? É nisso que se baseia toda dualidade que eu já enfrentei: não no bem e no mal, mas na aceitação da perversão como meio para um outro tipo de crescimento. Em um caminho, eu corro maiores riscos de morrer pobre e indiferente aos olhos da humanidade. No outro, tendo a me converter à perversão do capitalismo selvagem. De um lado, minhas possibilidades de ajudar o mundo são limitadas pela humildade. Do outro, pela minha própria vontade de ajudar o mundo, que possivelmente se submeterá à ganância e ao egocentrismo. Vejo hoje que a suposta maldade é bem mais efetiva do que a nobreza. A perversão é um vício, a benevolência é um sacrifício. A real pergunta é: estaria eu disposto a percorrer um tortuoso caminho até o esquecimento para ser fiel às minhas ideologias? Serão elas mais sólidas do que o gosto por tudo que me for imoral e proibido?
Melhor ainda! Será a perversidade perecível ao relance da consciência? Será o altruísmo perecível à corrupção?