segunda-feira, 29 de dezembro de 2014

Temor:

O nome é Medo, suprimido por desejos ou aspirações inalcançáveis; Queda; Ausência de coragem e de palavras. Se alimenta de insegurança, perda; Uma buzina, uma sombra, uma dor; Sensação de fuga - de que deveria fugir; Aquele que foge - ou aquele que faz fugir; Escuridão, perversidade, desconhecido; pavor, pânico, covardia...

(ad indefinitum)

domingo, 28 de dezembro de 2014

Cópia.

Meus falsos lamentos morreram de sede pelas lágrimas que eu não derramei. Minhas mentiras viraram pó, minhas ilusões perderam o porquê. Meus falsos sonhos se dissiparam com a minha falsa desesperança, meus amigos imaginários partiram. Minha casa de mentira não tem teto, nem paredes, nem casa. Minhas falsas amizades me abandonaram e meus irmãos de consideração me deixaram pra trás. Olho pro espelho e vejo uma mera cópia de tudo que eu já quis ser. Minha falsa vida está despedaçada, meu falso coração está partido e não sobrou nada que me torne mais real.

Por sorte, esse é só o meu falso eu.

Peito vazio.

Guerras
de sangue gelado
e facas sem fio,
homens mal-amados
de peito vazio
que já não conhecem
o sabor do sol.

Lágrimas
não derramadas
aquecem o frio
e vidas tiradas
por homens vazios
de mãos não tocadas
pela luz do sol.

sábado, 27 de dezembro de 2014

Guerra.

Era meio dia e eu ainda não tinha levantado da cama. Ressaca, pensei, mas não era. Era só o mal estar de sempre. Porra. Levantei com a cabeça girando, desci as escadas cambaleando e cheguei exausto na cozinha. Abri a geladeira enquanto pensava na nova ortografia. "Guerra" pode virar "Gerra". Talvez eu devesse sair do país. Peguei uma cerveja e liguei a TV. Religião. "NA GUERRA, AQUELES QUE TINHAM ESPERANÇA PRA VOLTAR PRA CASA E ACREDITARAM EM DEUS, VOLTARAM DA GUERRA. MAS OS DESCRENTES" e desliguei. Tomei um gole da cerveja e me deitei. Dormi e sonhei.
Estou flutuando no mar morto. Nada me impele, nada me comanda. Estou nu, mas não tem ninguém por perto. Está tudo muito escuro. Acende uma luz no teto e estou no meu banheiro. Minhas pernas estão mergulhadas na privada e tenho uma escova de dentes cravada no peito. Aperto a descarga e acordo.

Água.

Sem ti, meu soneto é poesia e meu presente é nostalgia. Sem teus lábios, minha boca seca e meu coração para. Sem teus olhos, sou invisível e, sem tuas palavras, indizível. Sem teu jeito, perco o jeito, o modo e a cor. Em tuas notas eu encontrei minha música, em teus sussurros eu encontrei meus segredos e minhas vontades. Sem teu corpo, eu perco forma, sem teu chamado eu não vou. Sem teu zelo, sou insolente. Sem teu cheiro, sou inolente. Sem teu sabor, amor, eu sou água.

terça-feira, 23 de dezembro de 2014

Negrume.

Estou afundando em profunda e seca monotonia, me afogando na minha própria displicência de palavras, me matando em cansaço. Estou insosso, minha multidão de ideias se perdeu na cotidianidade, na unissonância da vida, na mornidão do dia-a-dia. Me tornei um anônimo flutuante, um apócrifo, um equívoco. Mais um entre tantos tolos que pouco fazem de si. Guardo mais inimigos do que dinheiro nos bolsos, respiro morte, defeco dor. Bebo, mas não o bastante. Tomo meus tragos e doses para anular o desconsolo do anfêmero, para retalhar o rancor e o ódio, para poder amar. Não amo, porém, mas consigo gostar. Gosto dessa ausência de palavras, dessa profunda e seca monotonia.

segunda-feira, 22 de dezembro de 2014

Espetáculo de um Amanhecer (Peça)

Cena 1

Fezes humanas escorrem pelas paredes enquanto o sangue grita 'ESTUPRO ESTUPRO' e o padre reza e o descrente ri querendo chorar, o negro clama pelos seus direitos e o machado corta 'chopchop' as moscas voam e tudo fede: as moscas e o negro e o padre e o descrente o sangue e as fezes. 'PAI NOSSO QUE ESTÁS NO CÉU' e o chopchop que o machado faz na moça continua até o sol raiar.
Todos sorriem para a câmera.

Fim da cena 1.

Creedmoor.

Os portões guardam o breu infinito, medem e censuram a maldade do homem para dentro daquela instituição maldita. Ninguém ouve, ninguém vê. São os esquecidos, deixados de lado para morrer. As chuvas são mais fortes ali do que em qualquer outro canto, como se a própria natureza o quisesse extinguir da face da Terra. Os horrores são indescritíveis e as gentilezas são uma fantasia. Ninguém sai vivo de Creedmoor, muito menos são.

terça-feira, 16 de dezembro de 2014

Somente.

A solidão
Solidifica
O solitário.
Só-lhe-deixa
E só-lhe-faz.
Ser sozinho
Fode a gente
Deixa mente
Alie(nada).
Tão somente
Sem razão,
Pura e
Indefinida
Mente
Só.

Espetáculo de um Amanhecer (Peça)

Cena 2

O homem se masturba enquanto todos da sala se espalham pelos cantos. Uma idosa bate a cabeça na parede TOC TOC e o sangue vermelho vermelho desce e escorre. 'Os bombeiros estão a caminho!', grita o homem que se masturba. Um gato morto descansa em um pote redondo de madeira que descansa sobre a mesa que descansa sobre o chão. A freira reza enquanto segura o pênis mutilado do negro CHOPCHOP e todos estão usando coleiras menos o gato. O gato está morto e o quarto fede. O homem que se masturba tenta acender um cigarro com a mão que não está cortando o negro e tudo pega fogo.
CHOPCHOP

Fim da cena 2

domingo, 14 de dezembro de 2014

Se te me quer...

Se te me quer
te me terás.
Mas se tu tens
tênue me ter,
Teme querer
(me)ter-me;
Meros temores
que não me têm!
Quer-me meter?
Me meterás.
Quer-me temer?
Me temerás.
Se me te quer
te me terás.

terça-feira, 9 de dezembro de 2014

pra vocês seus nojentos

estou exausto desse pseudo-feminismo, pseudo-romantismo e arrogância sem porquê. estou cansado de disseminar amor e ser recebido com GUERRA, cansado do mal-humor da manhã, do café fraco misturado com leite, dos gritos sem motivo derramados por essa gente dramática. estou de saco cheio dessa lealdade de papel, dessa falsidade cotidiana, desse imbecilismo habitual. estou cansado de vocês, merdas de porco gigantes, buzinando sem parar enquanto sentam seus cus peludos - que nunca levaram uma alfinetada sequer - nesse banco estofado na frente do ar-condicionado nesse carro importado. estou farto, ligeiramente desiludido e inteiramente estupefato com este mundo por onde ando COM TANTA CALMA e COM TANTO PUDOR.

domingo, 7 de dezembro de 2014

Segredos.

Sabiste
dos sábios sabiosos
segredos segregosos.
Não viste, porém,
horror tão horrorosos!
Seguiste,
com olhos curiosos,
caminhos tortuosos.
Sumiste
das vistas dos vistosos,
sorriste
pra homem veludoso.
"Aviste
casebre tenebroso
que lá está seu gozo."
Mediste
perigo perigoso.
"Desistes?
Me achas duvidoso?"
Caíste
em falas tão sedosas,
entraste
no escuro tão negroso
com o homem oleoso
que diz-te:
"Sumiste
dos olhos dos vistosos
e em meus braços pegajosos
caíste."
Tão tristes
teus olhos curiosos
azuis depreciosos!

sexta-feira, 5 de dezembro de 2014

Invisíveis.

Nas docas, nos becos, nos esgotos
Nas praças abandonadas, nos bueiros
Ratos rateiam as ruas enratoadas
Baratas nascem de profundezas impensáveis
Distantes de olhares repulsivos
Monstros nascem da escuridão
Animais são criados da fome
Visíveis e risíveis aos olhos de Deus.

segunda-feira, 1 de dezembro de 2014

Diálogos (I)

- Às vezes eu tenho a impressão de que encontrei você no meio da minha muvuca. É como se eu tivesse enfiado a mão no bolso furado da minha calça e puxado você de lá.
Como um objeto de valor perdido em uma rua de subúrbio, você é uma pessoa de valor, perdida nesse mundo fétido.

- E você é um doce poeta incompreendido.

- Mais incompreendido do que doce poeta, querida.

sentir (II)

O que você sentiria se ela fosse embora?

O que? Agora? Eu não faço a menor ideia. Acredito que seja mais fácil descrever o fim do mundo do que o fim de nós. Toda a cor desapareceria, com certeza, como uma foto antiga. Os dias sem ela ficariam mais cinzas, mais arrastados, mais monótonos. Eu ficaria mais cinza. Não é a toa que as pessoas não param pra pensar sobre isso, a ideia já me dá lágrimas aos olhos, então eu vou voltar à comparação com o fim do mundo. Um escritor uma vez disse "Assim expira o mundo: não com uma explosão, mas com um suspiro." Eu nunca entendi o que ele quis dizer com isso, mas não é um suspiro que eu queira ouvir.


(a)

Alou

Você está aí? Pode ler o que eu escrevo? Pode me ouvir? De onde você veio? Como veio parar nesse fim de mundo de palavras chatas e sentimentos supérfluos? É a sua primeira vez aqui? É a última? Você me acompanha? Lê o que eu escrevo, sinto, falo? Já me ouviu falar? Se não, como imagina que seja minha voz? E minha aparência?
Existe mesmo algum sinal de vida do outro lado desta tela? Se existe, por que não veio ao meu encontro? Se me vê, por que não me cumprimenta? Eu não sou um jornal velho, eu sou real. Eu EXISTO, então MANIFESTE-SE. Eu sinto sombras ao meu redor, sombras sem identidade - como as minhas. Elas são as suas? Elas vem com a sua presença? Eu sinto, mas eu não consigo ver. Por que tudo está tão frio? Por que as coisas perderam a cor? As coisas aí do outro lado estão muito diferentes? O que você entende de solidão?
Sabe como curá-la?

sentir (I)

O que você sente quando a beija?

Num instante antes, é como se tudo estivesse pulsando... Como se tudo fosse absolutamente VIVO; as calçadas, os carros, os prédios. Como se todos eles tivessem ouvidos, como se estivessem me olhando, assistindo, esperando por uma reação minha. Então acontece. Os lábios dela tocam os meus e o resto se cala. A multidão de pessoas que eu conheço magicamente desaparece do meu subconsciente, minhas mãos sentem os cabelos dela e todos os pêlos do meu corpo se arrepiam ao mesmo tempo. Até o relógio para pra ver o que está acontecendo, e os pássaros param de cantar. O sol só brilha pra nós dois, e o resto do mundo permanece - nesse instante - em breu, esperando para ser descoberto. Eu imagino que, para os outros, haja uma sensação de falta enquanto eu a beijo, discreta e inexplicável. Como se eles pudessem SENTIR o que estão deixando pra lá. Eu imagino que, se pudessem, sairiam se beijando pela rua, só pra fugir dessa monotonia que os persegue. "Se eles soubessem que estão tão vazios, amor, eu sei que o fariam."


(a)

sobre as calotas polares

Eu não vou escrever sobre uma sociedade em decomposição. Eu vou escrever em decomposição, como a sociedade que me criou, mas não vou fazer isso de forma depressiva e muito menos engraçada. Com a minha escrita, eu espero ser sincero. Com a minha sinceridade, eu espero alcançar sua profunda indignação, nada mais nada menos, só isso. Talvez então eu consiga mover uma massa forte o suficiente pra terminar de estragar tudo que existe hoje, para então tentar criar algo realmente novo. Talvez eu só consiga a rejeição daqueles que negam os problemas, que passam os dias em ônibus lotados tentando lembrar de coisas boas, mas até isso já vai ser alguma coisa. Meu objetivo, no momento, não é claro. As minhas aspirações foram sugadas, etiquetadas, numeradas e impressas em uma folha de papel. Nada - e quando eu digo NADA, eu deixo de lado qualquer sentimento que eu tenha por alguma coisa ou alguém - faz sentido em um país fétido como esse, em um mundo podre como o nosso. Eu não ligo se as calotas polares estão derretendo, não ligo se os macacos-prego estão entrando em extinção, mas essas coisas começaram a me afetar. Minhas palavras estão desaparecendo e, para um escritor meia-boca como eu, isso é o fim do mundo.

sábado, 29 de novembro de 2014

Conversas de Ônibus (I)

Mentira! Quem te contou isso? Era isso que eu descofiava, que ele era doente mental. Ele é louco, Carol. Você tinha que ver o tamanho da minha perna agora. Ele quase ARRANCOU a minha perna. To dentro do 46 subindo a colina. Eu tinha que sair daí, Carol. Toda vez que a gente brigava ele batia a cabeça na parede, tipo um touro. A vizinha sabe de tudo, pergunta pra ela. Que? Aposentado porque tem problema mental? Como ela descobriu isso? Ele não trabalha, eu sei, ele mentiu pra mim. Você tem que avisar aos meninos pra eles saírem daí, pra eles saberem. Faz isso logo. Ele ta contando outra coisa pros meninos. Mamãe não acredita em mim porque ela não me quer lá, ela acredita nele. Eu já tentei falar, Carol, não adianta. Ele é DISSIMULADO, cheio de tique nervoso. Ele começa a piscar o olho olhando pra cima. Ele amolece, ele tem muita lábia, consegue me convencer de que eu sou dura pra cacete. Ele fica convencendo os meninos. E olha que eu sou mulher pra caralho, cara. Sou mulher pra caralho. Anota o telefone de mamãe agora e manda Jane ligar pra ela falar com mamãe. Anota aí - Jane? Me ajuda, amiga, eu to muito nervosa, liga pra minha mãe. Conta tudo que aconteceu porque você tem um ouvido aí, pelo amor de deus.

Obrigado, eu não fumo.

Eu não acordo com pesadelos no meio da madrugada, não sorrio de volta pra estranhos, não pego ônibus lotado. Não possuo desejo algum de conhecer gente nova, não sinto atração pelo sexo oposto e muito menos pelo meu. Não construo metas, não alimento sonhos, não me prendo a lembranças, não almejo chegar a lugar algum.
Não urino em banheiros públicos.
Não dou dinheiro aos pobres.
Não confio na sorte, não acredito em superstições, não sou dotado de manias, cacoetes ou cismas. Não expresso minhas opiniões de nenhuma forma, chegando a me perguntar se as possuo.
Não faço esportes, não tenho um time, não vou para bares e não torço pro Brasil na copa.
Não possuo nenhuma doença terminal ou crônica.
Não possuo maus hábitos à mesa.
Não fumo, não bebo, não escrevo.
Em suma, não vivo.

Paus e pedras.

Minha presença é atraída pela dela como a desgraça é atraída pelo caos. Nossas mentes são meros instrumentos da perversidade que nos rodeia, nossos corpos são os objetos de desejo um do outro. Meu hálito fede a álcool e o dela fede a cigarro. Meu olhar é de desprezo e o dela é de amargura. Fomos feitos um pro outro, unha e carne, almas gêmeas, com um único porém:
Não nos suportamos.

quinta-feira, 27 de novembro de 2014

Agosto.

Doce doce doce doce ironia
que nos outros não se substancia!
Tu entendes bem o que eu falo
pois, perante tua verdade, me calo
e dou voz ao teu grosso canto.
De tanto cinismo, me encanto:
de tanta lenda que tua boca diz,
a vericidade já não te condiz
e ficas a balbuciar novela
(lisuras pintadas em aquarela)
lamentando na cachaça amarga
os segredos que o passado guarda.
Enquanto invoco, de ti, tua ira
eu desafio-te, como traíra
a ser mais fiel ao teu encosto
do que as cartas manchadas de agosto.

Presente.

Fechar os olhos na tua presença é uma tarefa impossível: escolher não te olhar para encarar a escuridão da alma, ainda que o sono peça, me faz lacrimejar. Tua beleza é pura, consistente e única, teu olhar é meu paraíso, pessoal e intransferível. Tua carne é meu lar, tua pele é a minha pele. Teu ser é tão meu quanto teu, minha essência é a nossa. Minha única esperança é a tua estadia, meu único porém é a falta dela. Meu único medo é acordar e não mais te encontrar, procurar em vão e me perder no vazio.

(Tu és minha única certeza,
és a última luz
para toda escuridão que guardo
- A.B.)

segunda-feira, 24 de novembro de 2014

cada pouco

Voltando da madrugada
Do fumo, do pó, do nada
Procurando um encosto
Um desgosto pra dormir
Tentando esquecer seu rosto
Cochilando em cada pouco
Quando cada porco que aparece
Acusa-me de ser louco
Mas de rouco que sou
(Do louco, nada sei)
eu rio:
Do fumo
Do pó
Do nada.

aluga-se

- to pensando em me tornar assassino de aluguel.
-tipo aqueles caras de filme?
-tipo aqueles caras de filme.
-legal.
-você ainda daria pra mim se descobrisse que eu sou assassino de aluguel?
-eu vou continuar dando pra você enquanto você continuar me pagando.
-você vai continuar sendo puta pra sempre?
-não,daqui a uns anos eu paro.
-quantos anos?
-dois.
-só dois?
-é.
-e depois, o que você vai fazer?
-ainda não decidi, quero fazer alguma coisa com moda.
-você podia ser modelo com esse corpo, baby.
-ã-ahn.
-por que não?
-você ja viu como são os corpos das modelos de hoje em dia? parecem esqueletos!
-você moraria comigo?
-agora?
-daqui a dois anos.
-com você sendo assassino de aluguel?
-é.
-aí eu acho que você foi longe demais.
-é?
-é. to indo embora.
-mas já? ainda nem começamos a beber...
-é, mas eu não trepo tão bem quando eu bebo.
-e daí?
-tchau, Zé.
-até mais, Rita.

domingo, 23 de novembro de 2014

facas.

Os cigarros acabam enquanto fumo o último deles no meu quarto-banheiro. Tem um homem esfaqueado ali no canto, mas ninguém faz nada a respeito. Eu também sou como ele. Esfaquearam meu orgulho, minha masculinidade, minhas crenças e minha liberdade. De homem mesmo, só me sobraram as bolas, e tenho certeza que algum imbecil desses já pensou em arranca-las. Ainda não o fizeram, porém. Eles tem medo de mim aqui, eu sou maluco. Não dá pra controlar um homem que não teme nada, e é isso que eles acham que eu sou. Eu não sou esse homem, eles só não encontraram meus medos ainda. Eu temo não poder sair daqui nunca, ficar preso na mesma comida com gosto de bosta e no quarto-banheiro fedendo a facada. Temo não ser capaz de progredir intelectualmente, me tornar um deles, esfaquear alguém. Mais do que isso, temo não poder esfaquear alguém quando realmente PRECISAR esfaquear alguém, e acabar morrendo por isso. Meu cigarro acabou. O homem sangrando acabou de sangrar e agora me olha com uma cara torta, sem piscar. Talvez eu deva meter a porrada nele, só pra dizer que fui eu quem fez isso. Talvez não. Vasculho os bolsos dele e encontro mais um cigarro. Acendo-o e espero pelas facadas que ainda estão por vir.

sexta-feira, 21 de novembro de 2014

cu

Nessa privada desesperada
eu sento meu cu doído
de tanto fodido
que levei
dos mais fiéis
companheiros.
Nesse banco indigesto
eu sento minha bunda dura
de tanto chute
que levei
das minhas mais "fiéis"
meretrizes.
Nesse miserável trono
eu sento meu cu sem dono
e espero pelo inevitável:
uma merda ainda maior
que ainda está por vir.

quinta-feira, 20 de novembro de 2014

acabado.

Não acorde a calma, amor
Não sujeite a alma
à sua pequinês.
Não corra o mundo,
fique em casa
até melhorar desse mim
que te aflige.
Não me espere acordada
quando eu disser que
"eu não volto dessa vez",
que "não quero te ver
te viver, cheirar, sentir
ouvir ou comer."
Não briga nem chora
pelas manhãs chuvosas
que não vimos,
pelas canções chorosas
que não ouvimos
enquanto você me acabava.
Só me acaba de vez, amor
porque eu já acabei você.

Leito.

Deixe-me só, puro e doente
Não mais existe bem nessa carne
Não me melhore ou alimente
E não terá razão para alarme

Não ouça meus prantos e lamentos
Não pense que eu estou morrendo sozinho
Eu o recuso e aos seus alentos
Eu só preciso de mais vinho

Socorre meus entes queridos
Que de queridos não se substanciam
E diga aos meus bons amigos:
Fizeram tudo o que podiam

Não encerro-me sem me lembrar
Da mais formosa das criaturas míticas
Sereia por quem tardei a amar
Merece lugar nessas páginas fatídicas:

Se teus olhares não houvessem fitado
Tal monstro que a ti se dirige
Eu teria vivido exilado
Do amor que hoje me aflige

Aos outros, ao resto, obrigado
Todos meus anseios foram satisfeitos
Minha estadia não teria significado
Se não me ouvessem colocado defeitos

E àquela que me vem na calma
Aquela por quem tanto anseio
Tão mansa quanto pede a alma:
Minha inspiração mamou em teu seio.

segunda-feira, 17 de novembro de 2014

senti.

Senti minha pele fria tocar a água quente,
senti a água esquentar minha alma.
Senti as lágrimas secando no rosto
e o cansaço que vem depois do choro.
Deitei-me na água e a água me cobriu.
Sorrimos.
Senti o meu cabelo se afogando.
Quis fechar os olhos, mas não fechei.
Encarei o teto à minha frente.
Encarei o teto que me aguardava
e o futuro que era aguardado por mim.
Ouvi o som da água e tudo se silenciou.
Eu sou a água.
Ouvi o mundo,
acordei.
Vesti-me de vidro e azulejo,
deixei-me entrar dentro de mim.
Me mergulhei.
Parei de chorar e gargalhei.
Chorei de novo e enlouqueci.

Vivi.

horas

Antes de dormir, conto as horas de sono que terei e lembro dos sonhos que abandonei. Acordo, quase sempre cedo demais, e conto as horas que consegui dormir. Levanto, dou 15 passos até a escada (em média) e conto os degraus enquanto desço: doze, na maior parte das vezes. Onze degraus não significam muito, mas treze são os piores dias. Destranco a porta da frente, girando a chave duas vezes (duas vezes), cumprimento meu cachorro e faço carinho em sua barriga por dois minutos e meio. Caminho até a cozinha (mais sete passos) e coloco água pra ferver em fogo baixo. Lavo a cafeteira, lavo o funil de café e lavo a xícara. Monto o funil, coloco um novo filtro e ponho 3,5 colheres de pó de café.
Enquanto espero, ligo o notebook na cozinha, respondo meus emails e comento redes sociais.
Apago o fogo, espero mais alguns minutos até a água esfriar. O café perfeito deve ser feito à temperatura de 90 graus. 100 graus faz com que os grãos queimem e percam um pouco do sabor. Enquanto coloco a água, gosto de imaginar que estou num processo quase cirúrgico de não molhar a ponta do filtro. Esse pensanento me distrai.
Tomo uma xícara de café, jogo o filtro fora, lavo o funil, a xícara e a cafeteira e volto pro computador.
Levo o computador até a sala (11 passos em média) e trabalho até ir dormir, às 4:15 da manhã. Minhas pausas são meramente simbólicas, como para pedir comida, ir ao banheiro e fumar.
Desligo o computador às 3:45, ando até a cozinha para deixa-lo sobre a mesa (doze passos em média). Ando até a escada (7 passos) e subo doze degraus. Chegando lá, dou 13 passos até o banheiro e escovo os dentes. Conto as escovadas que dou em cada lado (quarenta). Caminho até minha cama (quatro passos), deito às 4:15 e penso nas horas de sono que ainda terei.

lixo lixoso

Você é lixo, tudo é lixo. Você é a mais lixosa de todos eles do mundo inteiro e eu não sei se eu quero gostar dessa sua SUJEIRA porque não sei se eu quero CABER nela. Cuspo o pouco de decência que ainda tinha presa na garganta enquanto caminho pelas calçadas de Botafogo. Lixo, lixo, lixo. Rua da Matriz, Rua das Palmeiras, Viro a esquina na Rua Sorocaba. Eu queria que tivesse sobrado mais desse lugar e que tivesse mais de MIM sobrando pra ver alguma coisa além de PODRE em todas as coisas pertencentes a este mundo fétido. Você fez isso comigo. Pego um Dunhill do bolso enquanto passo por uma velhinha sorridente. DESPREZO. Você diria que a velhinha não tem culpa (Foda-se). Risco um fósforo e puxo a fumaça pra dentro. Olho para o céu nublado e ouço os poucos passarinhos que ainda cantam. Tudo vai ficar bem.Meus pulmões estão virando lixo (agora tem um pouco de você em mim).

sábado, 15 de novembro de 2014

Poema de rua.

A chuva não é bem-vinda, o frio também não. Tudo no mundo é poesia, mas nada me satisfaz como tal. Sou como o fósforo que se apaga antes de queimar o pavio da vela, morrendo antes de completar meu propósito. O mais triste, porém, é acordar a cada dia e perceber que estou mais distante de ser eu mesmo do que no dia anterior, perceber que meu fogo está diminuindo e diminuindo, e que um dia não sobrará mais nada. Essa falta de motivação para viver, descrita por muitos como um "vazio existencial", é a causa de um vazio ainda mais profundo, de um lamento ainda mais doído: a falta de motivação para escrever. Como na vida, nada do que leio me conforta e nada do que escuto me faz querer confortar. Sou um perfeito infeliz viciado em cafeína, cocaína, nicotina. Visivelmente cru e inevitavelmente morto, para os mais leigos. Não posso ser um bom escritor porque não almejo ser um. Um escritor nos dias de hoje é, para mim, o exato oposto de um cão domesticado: gasta palavras demais e adquire pouca ou nenhuma felicidade. Eu também não sou o cão, me vendo assim em uma posição neutra entre ambos; não gasto suficientes palavras, mas também não sou feliz. Essa anormalidade me faz uma pessoa simples. Guardo o cigarro no bolso e o isqueiro no outro, pra não confundir. Não ando com dinheiro para não ser assaltado, não faço compras no cartão abaixo de 10 reais. Não tenho objetivos ou amizades, não tenho porquês ou poréns. Sou um meio-poeta vira-lata, andando nas ruas à procura de alguma coisa que queira ser procurada. Entretanto, minha busca permanece sendo um mistério além de minha compreensão, sendo apenas menos confuso do que todas as pequenas nuances do cotidiano.

sexta-feira, 14 de novembro de 2014

Tout.

L'amour
éclaire l'âmé égarée
pour un demain
qui ne viendra jamais.

La pluie
nettoie les rues
oubliées
et efface les précieux
mémoires.

Le feu
fait peur le froid,
assèche la pluie,
brûlant et consume
Tout.

quinta-feira, 13 de novembro de 2014

Femme.

"Ela é mulher, porra. Não pode dizer o que sente e o que não sente, não sabe fazer uma escolha rápida. Ela NUNCA vai terminar o namoro, vai ignorar as palavras insidiosas da boca de lama dele, o estorvo ao qual ela se sujeita. Ela me deixa a doer passados e nutrir delírios, com a coragem de indagar POR QUE me mostro em rosto tão triste na sua presença. Eu não tenho que aguentar esses absurdos, isso é sacanagem. Ela é SUJA, Jack. Uma PUTA suja."


(Sinceros Agradecimentos
à melhor pior "pessoa"
Que um vira-lata pode ter
- Um Amigo)

T.

quarta-feira, 12 de novembro de 2014

Pequeno.

Aquela anã de quatro patas saiu tropeçando pelo meu assoalho enquanto eu bebia mais vinho. Não era uma anã de verdade, não tinha cara de anã, era só muito pequena e não pesava quase nada. Suas nádegas escorregavam pelos meus olhos a cada passo trôpego - a anã estava bêbada. Peguei-a por debaixo dos braços como se faz com uma criança e comecei a despi-la. "Vamos tomar um banho.", ela não respondeu. Terminei de tirar sua blusa e encarei seus peitos redondos. Tirei o short jeans, sentei na cama e coloquei a coisa pra fora. A bunda dela era perfeita. Infantil, talvez até doentia, mas perfeita. Sentei ela no meu colo, cheguei a calcinha pro lado e entrei. "Ahhh" ela arregalou os olhos enquanto eu me encaixava. Não podia vê-la arregalando-os, mas podia sentir. Ela então entendeu o que estava acontecendo e começou a se mexer, como uma criança num touro mecânico. Eu urrava e ela mexia e gemia e eu urrava mais e então ela olhava pra mim com aqueles olhos de inocência e eu a batia e urrava mais. Aquela bunda era tão perfeita e aquela voz era tão sexy e aquele buraco tão apertado e aquele vinho tinha sido tanto que gozei duas vezes. Coloquei ela na cama em estado semi-vegetativo e deitei. Tudo girava e girava mais, olhei para o lado e aquele corpo estava lá. Imóvel, dopado, mas perfeito.
Abri os olhos e já era dia, a dor de cabeça já chegara e o enjôo também. Levantei para perceber que o quarto inteiro estava vomitado. A cama e o chão e o armário e até O MEU PAU estavam todos vomitados e eu olhei para a anã e ela não era tão bonita e suas nádegas não eram tão perfeitas. Sua boca havia se transformado em uma boca de anã e o resto era anão também. Os pequenos bracinhos eram de uma desproporcionalidade ilógica e também estavam cobertos de vômito. Que merda, pensei. Então eu olhei aquele cuzinho e não estava tão ruim assim. Limpei meu pinto e vesti a anã por trás, socando e urrando e latejando enquanto podia. Ela acordou e eu continuei e ela entendeu mas não podia fazer nada porque ela era muito PEQUENA e eu era ENORME. Eu ia urrando e socando e ela chorando. Novamente não podia ver seu rosto mas Senti ela chorar. Gozei naquele cuzinho e acabei. Botei as calças, peguei minhas coisas e saí. O quarto continuava vomitado e a anã continuava bébada e eu não estava nem aí. Ainda tinha mais uma semana paga no motel, mas não me importei. Acendi um cigarro e andei até encontrar o mercado mais próximo. Precisava de mais vinho.

terça-feira, 11 de novembro de 2014

boca seca

cansei de beber vinho e fui escrever. cansei de escrever, obviamente - era muito menos divertido do que beber e deixava minha boca seca. fui desenhar e acabei desenhando um velho. o velho estava muito sozinho, então desenhei uma garrafa de José Cuervo em uma de suas mãos. pronto: Um Velho Bêbado e Safado. amassei o desenho e comi. amassei os meus textos e comi. bebi um gole de Whisky Barato com água pra tudo descer. não desceu. cuspi, limpei o chão e bebi mais Whisky barato. Fui dormir e não consegui. Fui beber Vodka pra ficar com sono e dormi. acordei no dia seguinte com mau hálito, bebi anti-séptico bucal e acendi um cigarro. o cigarro tinha gosto de bosta, preparei uma caipirinha e o gosto passou. Fui escrever, mas já estava bêbado, então só me restava beber mais.
Acordei morto num dia qualquer da minha vida e vim parar aqui.
Mas minha boca já está começando a secar.

Despedida.

Peguei minhas folhas de rascunho, meus poemas, meus cadernos de desenho, minhas roupas; coloquei tudo na mochila velha e surrada. Olhei as fotos e ignorei. Olhei os móveis, as paredes, a geladeira velha. Ignorei. Peguei a bebida, tomei um trago e afoguei uma lágrima. Tinha que sair antes que as outras lágrimas chegassem, então me apressei e enfiei a garrafa de qualquer jeito na mochila, amassando os poemas e as lembranças. Parei. Respirei fundo e segurei a dor, segurei a mochila e saí porta afora. Me despedi do cachorro que se despediu de mim enquanto chorávamos (ele e eu). Andei pela selva que cobria meu quintal, me despedindo mentalmente daquele insuportável cortador de grama. Pulei o muro enquanto me despedia do muro que era pulado por mim, e o cachorro continuava latindo e chorando e pulando. Cheguei no chão com força demais, bati. Lati e continuei chorando. Manquei até o ponto e peguei o primeiro ônibus que passou. Sentei, chorei e dormi até chegar o meu destino, fosse ele qual fosse. Parei na frente de uma igreja e deitei ali mesmo. Rezando, latindo e chorando por um amanhecer que tardaria a chegar.

sábado, 8 de novembro de 2014

simpatia

Esse é o máximo de gentileza ao qual eu me sujeito, o máximo de doçura que se apresentará em mim. O gosto amargo da bebida ainda percorre as papilas e a alma, o ódio ainda escorre pela pele e o coração ainda bate mais forte quando te vê. Minhas palavras são a atuação perfeita de um bom escritor, a lábia perfeita de um traíra e a falsidade perfeita de um cínico. Teu sorriso me enoja, tua felicidade me corrói. Teu nome é sinônimo de desgraça, tua presença é um mau presságio. Nada mais serei senão frio, nada meu te pertencerá senão o passado. Tu és a nuvem que impede o sol de brilhar, tu és a morte que eu consegui driblar.

sexta-feira, 7 de novembro de 2014

rotina

O mundo é o lugar onde a rotina se torna uma meta e as metas se tornam sonhos e os sonhos se tornam fantasia e as fantasias são pra crianças ou para doentes mentais. Se você não quiser ser confundido com um desses pode arranjar um emprego chato ou casar com alguém que tenha um emprego bom e chato pra sustentar sua vontade de não fazer parte do sistema mas você É O SISTEMA. Os bilhetes de ônibus e as faturas de banco e as contas de luz sabem disso mais do que você porque OS NÚMEROS DIZEM TUDO e você é só mais um número pra eles mas Do Outro Ponto De Vista todos somos só números e números não dizem nada. Números são burros e imutáveis e ignorantes e teimosos e se você quiser SE MATAR aí você vai ser um número a mais nas pessoas que o fizeram e se você quiser ficar vivo vai ser só mais um e etc então NÃO FUJA: respire o sistema e cheire um pouco da poeira que você varre do chão e tudo vai ficar bem.

a noite

Acho que ele está dando em cima de mim. Acho não, ele ESTÁ. Acabou de passar a mão nas minhas coxas de leve, ele acha que eu não reparei. Ele bebe demais, eu acho, não sei se vai aguentar se levantar e me levar pra casa. Sugeri que a gente fosse pra minha casa e ele aceitou. Vamos pro carro dele - ele trôpego, entregue aos tropeços e ao desequilíbrio - e me ofereço pra pegar o volante. Enquanto dirijo, ele passa a mão em mim de novo. 'Ei, o que pensa que está fazendo?' Falei, fazendo cara de puta. Ele sorri com uma boca de tonto. Acho que não vai aguentar até em casa. 'Acho que um pneu furou'. Paro o carro. Ele me responde que tem um pé-de-cabra no banco de trás e eu finjo que não ouvi. Olho fixamente aqueles olhos de bêbado, a barba mal feita e a camisa amassada. Tem um ar de elegância nisso tudo, como se ele fosse assim de PROPÓSITO. Abro a blusa e mostro os peitos. 'É isso que você quer, doçura?' Ele avança e me beija com a barba espetando. Eu saio do carro e vou em direção ao banco de trás. Ele faz o mesmo. Começo a tirar meu short enquanto ele tira a calça e puxo ele pra cima de mim. Ele é feroz. Bêbado, mas feroz. Beijo-o e pego nas suas partes enquanto procuro o pé-de-cabra. Encontro e bato na cabeça dele com toda força. Ele desmaia. Vasculho seus bolsos, pego uma carteira vazia e uma nota de cinquenta amassada. Jogo o corpo e a carteira pra fora do carro e sujo minha mão de sangue. Merda. Amanhã eu dou um jeito de me livrar desse carro, já ta tarde e o puto não vai acordar tão cedo. Bêbado nojento, penso. Guardo a nota no bolso e começo a dirigir até minha casa.

Bicho.

Cala a boca. Não me responde. Você é bicho, não gente. Fala comigo quando você for gente. Até lá você não vai ter nada pra dizer que eu queira ouvir, capiche? Não sou seu camarada, chapa, nem mesmo bebo com você - e olha que eu bebo com qualquer um. Se você me oferecer uma bebida talvez eu aceite, talvez não. O que? Não gostou? Olha pra mim com essa cara de novo e eu lhe arrebendo na porrada, ouviu bem? Não me provoca, moleque, me paga alguma coisa ou some da minha frente. Bêbado é o teu CU. Vai embora, isso. Foge. Tchau, adeus e, opa! Vai pagar? Garçom, desce mais uma pra mim e pra esse companheiro aqui.

quinta-feira, 6 de novembro de 2014

Crú.

Os textos estão muito crús e os dias estão muito vazios. Os dias estão muito crús e a comida não tem gosto. As suas cartas se perderam em algum lugar entre os papéis e os ímãs de geladeira e as fotos de família e os incensos e as estatuetas de santo e a cachaça artesanal. Ta tudo lá no mesmo lugar, mas o mesmo lugar está mais vazio do que todos os dias e todos os textos e a alma. Eu não quero mais sentar nessa cadeira gorda e nem pisar nesse chão frio. O chão está frio como os meus textos, como as suas cartas que se perderam entre a bagunça. Os ímãs e as fotos e os incensos e as estatuetas de santo sabem disso tanto quanto eu. Desde que você se foi, tudo aqui parece frio como o chão e flácido como a cadeira e crú como meus textos e sem gosto como a comida e vazio como os meus dias.

quarta-feira, 5 de novembro de 2014

Vagalumes.

As noites de verão eram ensolaradas pela lua, deixando tudo claro quando todas as luzes se apagavam. Os vagalumes confundiam-se com estrelas galopantes enquanto os grilos cantavam para perturbar as formigas. Tinha até uma vizinha que sempre vinha no meu quintal e segurava minha mão enquanto tentávamos pegar os vagalumes. O mundo era um lugarzinho perfeito ali, e ninguém jamais tiraria isso de mim. Não tirou. A miséria chegou aqui, as contas, os mosquitos e as doenças sexualmente transmissíveis, mas ainda vejo aquele lugar quando fecho os olhos, apontando vagalumes e segurando minha mão.

Enjoo.

Fiquei bêbado e tive vontade de vomitar. Lembrei que estava bêbado e tentei me acalmar para ver se a vontade passava. Não passou. Bebi mais pra esquecer a vontade, mas aí veio outra vontade me lembrando da vontade anterior, e a coisa ficou feia. Corri pro banheiro e tropecei nos meus próprios pés, caí e esqueci o que eu estava fazendo quando corri pro banheiro. Bebi mais. Lembrei o que eu estava fazendo e agora não dava pra segurar MESMO a vontade de vomitar, então eu me virei pro banheiro, mas UM OUTRO HOMEM ESTAVA VOMITANDO NO MEU BANHEIRO e eu disse 'sai daí meu chapa' mas o cara me ignorou e eu falei 'VAI SER DO JEITO FÁCIL OU DO DIFÍCIL?' agarrando a camisa dele mas ele já estava desmaiado. Bati mesmo assim a cabeça dele contra a privada, peguei uma cerveja no congelador e fui assistir televisão. Senti o enjoo de novo e ignorei. Que se foda, pensei. Ele que vomite sozinho.

amor

Todo mundo sofre por amor. Não dá pra escrever sobre isso sem parecer um boiola sensível e idiota porque quem sofre de amor acaba Virando um boiola sensível e idiota, entende o que eu digo? Fica fazendo merda onde não devia e depois fica miando bêbado pelos cantos. Tem os homens que bebem para superar, os homens que bebem para aguentar o tranco e tem aqueles que simplesmente bebem. Eu normalmente sou desse terceiro tipo, sabe? As mulheres não me atraem o suficiente pra me deixar desesperado, mas agora eu lembrei de uma situação engraçada, então eu vou ter que contar.
Eu queria comer essa mulher casada e ela não cedia. A conheci num café da minha rua e o marido era um desses figurões que vive trabalhando pra encher o cu da grana, então eu não incomodei quando ela falou dele, só sorri e continuei conversando até ela sugerir que a gente fosse pra casa dela. Cheguei na casa dela e comecei a pegar nas suas gorduras e ela disse 'Não podemos fazer isso' e eu disse 'foda-se' e ela disse 'e se meu marido chegar?' e eu falei 'aí ele vai aprender o que é sexo de verdade' e eu comi. Comi direito, mas aí tive que ir embora porque o marido já estava chegando. Já estava tarde e um homem como eu tem mais coisas pra fazer e mais bocetas para comer quando escurece e o marido chega e o bar enche de bocetas novas.
No dia seguinte eu voltei pra come-la de novo e ela disse 'não' e eu disse 'por que' e acabei enrolando de outra forma e comendo mais uma vez aquela boceta gorda e rica e estúpida que não queria dar pra mim, mas aí o marido chegou. 'Que porra é essa' ele disse, e eu retruquei 'que porra é essa digo eu ao senhor!'. A essa altura eu já estava bêbado como de costume e ele me respondeu 'essa é minha mulher!' como de costume. 'O que?' disse eu, 'não, essa é a minha mulher, eu vi primeiro' e começamos a discutir sobre isso, desequilibrados, ele e eu: mental e fisicamente, nessa ordem. Foi aí que eu levei um soco na cara e tudo ficou preto.
Acordei no dia seguinte bêbado e roxo na frente de um bar. Já passava de meio dia, então pude me dar ao luxo de entrar pra beber alguma coisa, mas eu queria tentar entender o que tinha acontecido, então eu tomei umas doses e fui pra casa da ricaça.
Chegando lá, eu encontrei um monte de policial colocando faixa amarela em volta da casa e não entendi porra nenhuma, perguntei pra um cara de terno 'que porra que aconteceu aqui?' e o homem me respondeu 'o marido encontrou o amante da mulher e matou os dois a tiro' e aí eu gelei. 'Será que eu to morto?' pensei. Aí eu pensei que talvez eu estivesse só bêbado demais e fiquei ali parado mais um tempo enquanto pensava na ideia. Fui perguntar pro policial o nome do amante que morreu. 'Amarildo da Silva'. Não era eu. Porra, ainda bem que não era eu, NÉ? Mas isso queria dizer que eu não era o único amante da vagabunda, e chamo de vagabunda justamente porque eu não era o único amante dela. Sacana.
Voltei pro bar que eu tava e estou bebendo e escrevendo nele até hoje. Não lembro por que comecei essa história, mas vou sentir saudade daquela boceta gorda e rica e esnobe que me traiu com outro pé rapado. Luciana era o nome dela.
'Um brinde à Luciana'.
O barman me ignorou e eu voltei a beber.

terça-feira, 4 de novembro de 2014

ácidos voadores cagantes

- dizem que você viu os discos voadores.
- depende, quem é você?
- meu nome é jonas, mas isso não importa muito.
- você é capricorniano?
- eu nasci em porto alegre.
- e seu signo?
- sei la, acho que é virgem.
- ha ha, sabia!
- porra nenhuma.
- sabia sim, só precisava ter certeza.
- e os discos voadores, você viu mesmo?
- aham.
- como eles eram?
- eram assim, e tinham umas luzes piscando desse jeito, sabe? Tudo colorido e rápido demais.
- você usa ácido?
- não, por que?
- é que eu tenho um aqui sobrando.
- tem mesmo?
- não.
- por que disse que tinha?
- eu queria saber se você usava.
- mas eu disse que não uso.
- sei...
- por que veio perguntar dos discos voadores?
- porque eu vi também.
- viu nada.
- eles tinham umas luzes coloridas do jeito que você falou.
- acho que você ta caçoando de mim.
- não estou não, eu vi mesmo e achei que tava maluco.
- ainda acha que ta maluco?
- acho, mas pelo menos não estou sozinho.
- não?
- não.
- quer sair e beber uma cerveja?
- e conversar sobre discos voadores?
- talvez.
- talvez.

Eles sabem.

"Bukowski sabia disso", "Nietzsche sabia daquilo outro", "Freud... blablabla" e etc. Eu acho mesmo é que ninguém sabe de nada. Todos eles sabem escrever, e nenhum deles sabe. São uns merdas. Nós somos uns merdas de escritores, usando menos de dez por cento da nossa capacidade cerebral. Óbvio, porque os outros noventa a gente usa pra beber e tentar comer alguém, que é muito melhor do que escrever. Os verdadeiros escritores não escrevem porque querem, eu acho. Eles não tem muita escolha porque não comem ninguém. Mas novamente, quem são os verdadeiros escritores? Os mais sinceros bebem demais - ou os que bebem demais se tornam mais sinceros? De repente beberam o suficiente pra se passarem por escritores, mas não escreveram o suficiente pra deixarem de beber. Pra que parar de beber afinal? Tanta morte, calor, espinhas, multas de trânsito, acidentes, camisinhas furadas e café morno. O mundo é uma bosta. Todo o resto é uma bosta e ninguém faz nada a respeito e quando fazem fica pior ainda. Nada vai reduzir as multas, as camisinhas furadas, os acidentes e nada vai esquentar meu café sem deixar aquele gosto horrível de microondas. Não importa o quanto eu escreva, o mundo não vai ser um lugar melhor. Bukowski sabia disso. Pelo menos disso ele sabia...

segunda-feira, 3 de novembro de 2014

Terminar.

Quero terminar de escrever você,
Sufocar seus pensamentos,
Afogar minhas feridas em água morna
E comer sua melhor amiga.

Quero enfiar-me entre as suas costelas,
Penetrar no profundo do seu peito,
Corroer sua alma podre
E viver dentro dos seus restos

Quero construir uma cabana,
Com tudo que sobrou de nós,
Encher tudo de gasolina
E atear fogo

Eu estou melhor agora, meu bem.
Me sinto mais saudável,
Mais livre!

quarta-feira, 29 de outubro de 2014

Appétit.

Tem um pouco de chocolate nas minhas têmporas
um tanto de saudade entre meus dedos
e esperança entupindo meus ouvidos

Meus sonhos têm uma pitada de açúcar
e uma onda de amargura me assola
asfixiando-me de azeda dúvida

Serei eu mais um bocado de frutas podres?
Faltaria em mim uma pitada de tempero?
Aceitaria-me então em teu paladar?

Ser ou fazer de ti juíz?
Provar do teu âmago joliz
ou servir-me à tua insaciável gula?

Imune.

tarde tranquila.
- quero tomar fluoxetina, ela disse.
- que que é isso?
- é um remédio que a pessoa toma pra ficar feliz, mas só mulher pode tomar.
- por que homem não pode?
- porque não, poxa.
- Anda, fala.
- Falar o que?
- Por que que eu não posso tomar essa merda?
- porque fica broxa.
- mentira sua.
- verdade.
- mentira.
- então toma, ué. vai ficar broxa e a culpa não vai ser minha.
- nenhum remédio pode me deixar boxa, essa coisa não é de nada.
- toma então.
tomei o remédio e esperei.
- E aí, ta broxa?
- ainda não.
- ta feliz?
- também não.
- ué, como assim? você tomou?
- tomei, porra. eu avisei que nenhum remédio ia me deixar broxa.
- talvez ainda não tenha tido efeito, faz quanto tempo que você tomou?
- duas horas.
- e conseguiu ficar de pau duro?
- como não ficar de pau duro olhando pra essas suas coxas?
- você deve ter tomado de um jeito errado... não ta nem um pouquinho feliz?
- to um pouquinho.
- aí! viu?
- ah, foi só impressão.
- então você deve ser imune.
- imune a ficar broxa ou a ficar feliz?
- os dois.
- é, talvez eu seja imune aos dois mesmo.

Ônibus.

ponto de ônibus qualquer, dia quente. depois de tanta falta de transporte público quanto de paciência, me vem um ônibus lotado. merda, pensei. não sei se os motoristas fazem isso de propósito quando está calor, mas minha próxima carta será endereçada a eles. peguei aquele mesmo, não tinha muita opção. tinha sido um dia cheio, daqueles que parece que não vão acabar nunca, sabe? pois é, vida de pobre é isso. já sabia que os primeiros a descer seriam os de classe mais alta, então fiquei perto dos mimadinhos. rico escroto só anda de ônibus se for pra ir até a esquina, meu pai dizia - e estava certo. os primeiros a descer foram eles, então eu consegui pegar o trono que era meu de direito. não era lá grande coisa, tinha um homem fungando atrás, mas eu não tava nem aí. tudo está bem dentro de um ônibus desde que você não tenha que ficar em pé.
eu estava ali há um bom tempo, já até havia passado da central. o ônibus já tinha esvaziado e a viagem tinha sido tranquila. foi quando esse desgraçado sentou do meu lado. já não gosto de quem senta do meu lado, mas ele não tem culpa, pensei. ele não faz por querer. mas acho que faz. será? suava como um porco, parecia que tava fazendo de propósito. quando sentou, abriu um sorriso pra mim assim, como quem sorri pra qualquer um. EU não sou qualquer um, meu chapa. Com aquelas nádegas borbulhantes e aquela cara de senil, não pude nem sentir pena quando seus inúmeros braços - camadas e mais camadas de gordura - encostaram em mim, lambuzando meu assento: pele, suor, sujeira, meleca, pobre, nojento, gordo. depois de três pontos, o desgraçado levanta com aquela cara de retardo só pra deixar um pouco mais de líquido cair em mim. filho da puta, pensei, ele fez de propósito.

Sobre nós...

Isso não é mais sobre a chuva, sobre Deus ou sobre as vozes na minha cabeça. Não tem a ver com os jogos que eu fiz, os planos que tracei ou as vinganças que executei. Não é mais sobre os mosquitos, as lembranças ou os ruídos.
Não é sobre a sua voz.
Não se trata do seu perfume.
Nem do seu cabelo.
Nem da sua boca.
Não é mais sobre os tantos cacos de vidro que pisei para chegar aqui, ou sobre as lágrimas que derramei.
Também não é sobre o futuro
(Pois não mais existe um).
Nem sobre o pretérito imperfeito e singular
De nós.
Não tem a ver com as estrelas.
Não se trata dos planetas.
Isso é sobre mim agora.
Só eu e mais ninguém.

podre

Fica aqui comigo nessa cama fétida
Nesse lar de puta
Em fim de carnaval

Fica aqui nesses lençóis rasgados
No colchão manchado
Nessa podridão

Fica aqui comigo
Nesse coitus uninterruptus
Nesse bacanal
Sendo meu voyeur

Fica nessa sujeira assim
Lambendo tudo aqui
Fica e não sai mais

Você me pertence
Você é o lixo que me cerca
É a imundice que me afoga

Te quero-me.

Te quero-me em cores vivas
Tão alegres, tão ativas
Te jogo-me na cama vil
Tão sincero, tão senil
Te bebo-me como veneno
Tão mortal e tão ameno
Te guardo-me com desdém
Tão carinho não faz bem
Te acabo-me em mais bebida
Tão querida quanto a vida
Te afogo-me de me amar
Tão quanto teu me desejar
Te mato-me pois te preciso
Tão quanto precisou Narciso.

segunda-feira, 27 de outubro de 2014

Notas.

Essas notas já não fazem mais sentido. Nada faz. Nada jamais fez. Enquanto escrevo, a caneta que percorre o papel chora e a folha enruga, rasga, quebra - como você. Nas esquinas, prostitutas lamentam e viciados se abraçam. Hoje é um dia triste. Meus cabelos perdem a cor e minha alma perde o gosto pensando em nós. Nada foi e nada será completo. Refaço os caminhos de um passado não tão esquecido e tento ver onde eu errei. Não soube, não sei, não saberei.

domingo, 26 de outubro de 2014

Sob a pele.

Sob a razão do meu ser
sob minha inútil pele
sob meu domínio frustrado
sob meus medos
meus desejos
habita um ser.
E sob o efeito do mundo
ele chora.

quinta-feira, 16 de outubro de 2014

sem título

Minha pele já apodreceu nos teus lençóis e as moscas já rodeiam tuas lembranças. Meus restos se encontram espalhados pelo chão, pelas cômodas, pelas quinquilharias. Meu pulso só existe na memória do seu medidor de pressão, minha voz só existe nos ecos desta casa velha. Meus olhares estão por toda parte, mas não sobrou ninguém pra admirar. Teus cabelos, metamórficos como tuas vontades, já não aparecem pelos cantos como fantasmas da tua presença. Meu coração já se decompôs, meus ossos foram comidos pelo tempo, minha mente foi corroída pelo desvario. Não ando, não durmo, não como. Em termos gerais, não existo. Minha solidão perdeu o sentido porque não lembro como é não senti-la.
Ainda tem alguém aí? Sobrou alguém pra me ajudar?

segunda-feira, 13 de outubro de 2014

Família.

- Esta metamorfose adolescente estúpida não sabe nem ao menos escrever metamorfose. Olhe para esses cabelos, esses furos, essas manchas. Isso é cavalo velho, doente, ponto de abate. E esses dentes cheios de metal, o que é isso? Elástico colorido ridículo no pulso ridículo desse indivíduo ridículo. Isso me dá asco. Onde já se viu isso? Me diz? Criança idiota dessas querendo saber o que é certo ou errado? Não troca nem fralda, não sabe ser filha, vai querer ser mãe? E você, Dolores, apoiando essa palhaçada?
- Roberto...
- Estou fora, Dolores. Fora! Cuide desses dois você, eu me demito.
- Você não pode deixar de ser pai!
- Mas posso escolher não ser avô!

Lhe (me) partir.

Me peguei pensando em você. Será possível que suas mãos um dia abraçarão as minhas? E seu colo, será meu também? Nem sei se tenho idade pra colo, mas aceito ter. Quando eu chegar, ainda vou lembrar do seu sorriso? E se eu não lembrar, você pode sorrir de novo? Já não conheço mais os livros que anda lendo. Eles ainda serão mais interessantes do que minhas futilidades? Precisarei contar todas as minhas novidades ou você precisará contar as suas? E seu choro? Cessará com a minha presença ou será acordado por ela? Serei eu o primeiro a avistar você ou estará me esperando a todo instante do outro lado? Doeu pra você? Doerá pra mim? Partir - ou melhor, chegar - é tão difícil quanto ver você fazê-lo? Tudo aqui está irreversivelmente chato, como sempre. Se você pudesse voltar, eu traria, só pra deixar esse lugar melhor. Como sempre, tomaríamos um sorvete, mesmo que eles já tenham perdido o gosto. Será que a dor me passa? Eu sei que ela nem existe comparado ao que você sentiu. E se você não mais lembrar de mim? Eu tenho medo que esse resto seja tudo que me sobrou. Será que não estou perdendo nada? Será que você me deixou sem nada mais pra eu me apoiar? Será que eu ainda existo pra você? Será que você ainda existe por aí?

- T.

Us.

I am the rain.
I am the sun, I am the heat.
I am the lifeless part of nature,
The useless part of production.
I am the emptiness,
The solitude,
Buried alive by superfluity.
I am a part of you
And everything about you.
Don't come near me.
Don't get close.
But don't get too far.
While I am dimly lit,
You are all the brightness.
While I am filled with void,
You are everything, everywhere.
I can be the past
Because you are every future.

Because you are every "us"
And I am all the lonely people.

domingo, 12 de outubro de 2014

Mosca.

Eu não consegui escrever nada hoje.
Minha falta de inspiração se deve à ressaca de hoje ou à bebedeira de ontem.
Como já tenho muitos textos sobre não conseguir escrever, dedicarei este enredo aos sapos.
Comam-o.

sexta-feira, 10 de outubro de 2014

Café derramado.

Hoje eu bebi um copo de suco e lembrei de você. É incrível como as coisas bobas como o cheiro de grama, os comerciais de TV e os degraus da escada me trazem a sua lembrança. Essa casa tem estado muito sozinha, precisando de cuidados. Não há mofo nas paredes - não que eu tenha reparado - mas há podridão nos cantos, eu sinto. Há esquecimento, café derramado na mesa, camisas velhas furadas, banho quente e lareira. E você, o que anda fazendo por aí? Deve estar feliz, pois não tem dado notícias... Vê se volta logo pra gente contar as estrelas e dormir na rede. Você ainda gosta disso? Eu espero que goste... Tenho que ir, estou fazendo um chá agora. Não sei se você vai conseguir chegar aqui antes que esfrie. Espero que chegue.

segunda-feira, 6 de outubro de 2014

Pão dormido.

Eu não chuto mais os mendigos que encontro.
Eu já não xingo mais no trânsito,
Não cuspo catarro na rua
E já não mijo fora do vaso.
Eu não tiro mais meleca em público,
Nem olho pras mulheres que passam.
Eu não arroto depois que como,
Não durmo mais em conversas chatas.
Na verdade, não durmo hora nenhuma.
Eu não compro mais briga em bar,
Não como mais puta sem pagar,
Não peido em ônibus lotado.
A coisa ta tão preta pra mim
Que eu não faço mais piada racista
Com medo de me sentir ofendido.
(Essa foi a última delas)
Eu até parei com os jogos de azar
E parei de apostar em cavalos.
Também parei de esmigalhar insetos
E de atirar pedra em passarinho.
Já não como mais coisa do chão
E nem vejo mais pornografia.
A falta de vontade é tanta
Que até parei de comer pão dormido.

O que foi que você fez comigo?

domingo, 5 de outubro de 2014

Soberano.

Tuas aspirações descansam em minhas mãos.
Tuas inseguranças apontam para mim.
Teus medos, teus desejos e teus segredos são meus.
Teu passado é meu escravo.
Tua dúvida é alimento das minhas certezas.
Tuas obscenidades fazem o meu silêncio.
Tua leviandade teve fim em meu discernimento.
Tuas mentiras me assimilam plausível.
Eu sou mestre de mim mesmo.
Tu és servo da perdição.

sábado, 4 de outubro de 2014

Eu temo.

Eu tentei não temer, tentei abdicar esta parte de mim, mas eu sou esta parte. Não mais do que todos, e nem menos do que qualquer um. Sou apenas um ponto comum no gráfico, e eu temo. Meus medos são os mais genéricos - e talvez por isso os mais terríveis! - porque sou exatamente igual a todos aqueles que maltratei. Maltratei, talvez, não por desprezo ou maldade. Eu fui, por tempo suficiente, o carrasco, por medo de ter minha cabeça cortada. Mas aqui estou eu, não estou? Lamentando meus temores para um pedaço de papel. Não sei por quanto tempo resistirei a eles, ou se já sucumbi há anos, mas só hoje que os confesso. Eu temo a ausência daqueles que maltratei e, embora esta já esteja presente, me recuso a encará-la de perto. Temo que volte a emoção daqueles que amei, porque ainda os amo. No fundo do poço - do meu poço, no caso - estão todas as lembranças que lá deixei para que nada mais pudesse me atrapalhar a seguir em frente. Mas eu já cheguei no fundo do poço. Eu temo a morte dela e minha vida a posteriori. Temo não resistir à tendenciosa ideia de despedaçar-me no asfalto sempre que enxergo o mundo de um prédio alto. Temo também ser abandonado por superfluidades, mas temo ainda mais ser deixado por minha causa. Ser injustiçado é um temor de muitos, mas pra mim é um conforto. Por tanto tempo fingi não me importar, por esta ser minha única defesa contra o caos do mundo. Nada pode me proteger do caos. Eu cansei de não mais temer, e me arrisquei. Por me arriscar, temi de novo, e cá estou eu. Temo agora ser a última pessoa do planeta, ou que não tenha sobrado ninguém para me classificar como "pessoa". Este é o texto mais sincero que escrevo e ainda temo não ser sincero o suficiente. Minhas vontades foram moldadas ao redor do medo e agora eu não as sinto mais. Deve ser difícil, para alguém muito corajoso, enfrentar os piores males do mundo. Temo que seja pior pra ele, e temo que vá ser pior pra mim um dia. Eu temo tanta coisa... Será que não há mais ninguém para temer comigo? Será que eu posso dizer que estou aqui ou não posso dizer absolutamente nada? Será que o medo me fez perder a voz? Se sim, de quem será a voz que me fará perder o medo?

segunda-feira, 29 de setembro de 2014

Lapso.

Eu não sei o que você me fez.
Não sei quem você é ou o que você tem nas mãos.
Eu não sei o que fomos, se fomos alguma coisa.
Será que existe um nós? Estou tão confuso...
Me desculpe, eu não consigo me lembrar do seu rosto.
No bar? Que bar? Na Brasil?
Não, nunca fui lá.
Não, espera. Talvez eu tenha ido.
O que é isso na sua mão? Parece afiado.
Não lembro de ter dito essas coisas.
Por que está chegando tão perto? Eu vou gritar!
Eu me lembro de você agora, por favor não faça isso.
Por favor! Não chegue mais perto!
Eu sei, eu lemb...

quarta-feira, 24 de setembro de 2014

Pode levar.

Os sons que imito são pra você.
As plantas, os rios,
Todos os animais são pra você.
(menos os mosquitos)
E todas as flores,
Todas as cores,
São indiscutivelmente suas.
Os meus segredos são seus,
Minhas verdades óbvias também;
Como não saber lidar com o amor,
E não saber esperar.
Os meus medos são os seus,
(Meu maior medo é por você)
E minha casa não é minha mais,
Além das árvores em volta dela,
Que também são suas.
Minha cama, especialmente,
Além do meu rádio velho
E dos raios do sol pela manhã.
Também é seu o meu coração,
Mas não sejamos clichés,
Pois é seu o resto do corpo.
Os hematomas
E os futuros hematomas.
Minhas lembranças são suas,
Além da coleção de discos do Chico
E das outras coleções.
Minhas risadas, minhas lágrimas,
Elas não me pertencem mais.
Meu futuro é seu,
O resto todo também.
É tudo seu, sem exceção.
Menos você.
(Porque você ainda é minha)

Espírito livre.

Eu sou inadvertidamente mau
Repugnantemente triste
Inquieto
Vil

Toda a minha vida se supôs
incomodamente infértil
Inapta
Oca

Tudo que sei
Se baseia em pontos cegos
Na inexorável moral dos homens

Sou analogamente chato
Invariavelmente cru
Sentimentalmente débil
Intelectualmente inadequado
Insuficientemente piedoso

Paradoxalmente, talvez,
Sou demasiadamente humano.

domingo, 21 de setembro de 2014

.

Parece que cada passo que eu dou pra longe dela vai me desmoronar
É como se eu estivesse perdendo o oxigênio, me afogando em ausência
Como se toda a minha existência desaparecesse diante de mim
Passado, presente, futuro
Sonhos, metas, aspirações
Eu sinto o vazio como se não tivesse conhecido a vida
Me sinto inútil e incômodo
Como uma cadeira quebrada
Como um poema sem fim

sexta-feira, 19 de setembro de 2014

AVISO

Este texto foi abandonado.
O autor não pôde ser encontrado
E a imaginação se aposentou.
Este corpo foi esquecido, deixado de lado.
Esta alma foi vendida ou trocada.
Este universo não está mais disponível.
Esta casa foi hipotecada.
Cada grão foi recolhido
Cada lembrança foi eliminada
Cada coração, partido.

(berenice)

fábio ama berenice
tanto faz
berenice não ama fábio
tanto faz
berenice ama o padeiro, o pedreiro, o porteiro
tanto faz
fábio não sabe de nada
tanto faz
o padeiro também ama berenice
e falou de berenice pra fábio
tanto faz isso
tanto faz aquilo
fábio foi tirar satisfação
berenice disse que não
que não tem nada disso
tanto faz
tanto faz
tanto faz
fábio não ama mais berenice
tanto faz:
o padeiro
o pedreiro
o porteiro
berenice ama fábio agora
mas o padeiro ainda ama berenice

(tanto faz)

domingo, 7 de setembro de 2014

Amarga.

Acordei
Vi a foto que me restou
Bebi da água amarga que me sobrou
Bebi todo amargo de nós

Sofri
Vi o loucura seca de dois
Deixei a lembrança lúgubre pra depois
Desatei o resto dos nós

Menti
Fingi não sentir o que me regeu
Tentei esquecer o que não bebi
Reduzi a lembrança a pó

Bebi
Acordei a foto que me esqueceu
Sofri os nós que não desatei
Menti o gosto triste da lembrança

Senti

sábado, 6 de setembro de 2014

(...)

Boca seca.
Pupilas dilatadas.
Batimento cardíaco acelerado.
Vontade de cuspir toda verdade de uma vez só.
Vontade de cuspir toda vontade na tua cara.
Quero sair, correr, pular.
Viver.
Transar.
Mãos suando.
Pés batendo.
Andando para todos os lados.
Ardendo.
Dormente para a vida.
Andando sem sair do lugar.
Andando sem querer andar.
Não, não é amor.
É cocaína.

Jogo-te.

Tu és pouco daquilo que te consideras ser. Tua existência na vida dele não é mais que mero coringa para a falta de mim. Eu te desprezo. Tu não és mais que um peão; irritante, ainda assim, insignificante.
Eu poderia deixar passar. Eu poderia deixar pra lá, sei lá. "Ela não importa", ele diz - Ou sou eu que digo? Será que a peça chegou à casa final do meu jogo, e ocupou meu lugar como rainha? Não, não poderia ser. Tu não és tão astuto, verme. A partida não termina até o meu xeque-mate. E que xeque-mate será! A conquista, por mais prazerosa que seja, de nada significaria sem o gosto da tua ruína.
E com isso não te preocupas, pois ainda tenho todas as peças na posição que desejo. No próximo movimento, te coloco fora.
Mas te quero fora? Estaria eu disposto a desistir da tortura, da perversão de te ver tentando ganhar? Seria eu maduro ou irresponsável o suficiente para aposentar meu vício no tabuleiro? Embora tua estadia me irrite, não me irritaria mais se não a tivesse para me distrair?
Por bem ou por mal, tolo, tu ainda vives em mim. Por bem ou por mal, eu ainda vivo nele. O tempo que essa dualidade vive não é mais eloquente do que seu epílogo.
Mas isso eu posso antepor na próxima jogada.
Jogue.
É a tua vez.

domingo, 31 de agosto de 2014

Parte de mim.

Fecho as portas do meu quarto.
Bato as janelas, cubro os espelhos.
Despenteio os cabelos e me escondo no canto.
Pego algum objeto afiado e apago a luz.
Meus membros tremem com a escuridão que se segue.
Diminuo a respiração, tento não ouvir os sons.
Tento não gritar com tanta agonia presa à garganta.
Ouço passos, mas tento não ouvir.
Desacelero o coração e finjo que não existo.
Os móveis fingem que nunca me viram existir.
Acalmo os nervos e tento me mover.
Os outros já se foram, ainda ouço os ruídos.
Sou parte dessa casa agora.
Os medos são parte de mim.

Dormir.

Eu acordo e ela me olhar.
Vem com uma boca triste, com olhos caídos e chorar.
"Eu vi o que você fazer."
O que? Nada fiz, não sei do que está a falar.
"Você não vai mais me comer."
Ela pega o celular. Joga verdades na cama e me acusar.
"Olha, verme, e diz se nada tens a dizer."
Eu imploro, amor, não há nada aqui, olhar!
"A conversa diz que sinto falta, que te quero e te amar."
Penso, confuso, se me pode ser.
"Quem é essa a te querer?"
Vejo de novo. Amor, você se confundir.
"Não quero mais saber."
É o seu celular que estamos a ver.
"O que? Não! deixe-me explicar..."
Viro de lado e volto a dormir.

domingo, 24 de agosto de 2014

Silenciosamente.

O despertador não apita mais quando eu acordo.
Os pássaros já não cantam nas árvores da minha casa.
As árvores, por sua vez, já não balançam com o vento.
Foi o vento que parou de assobiar nas janelas.
E a porta da frente que parou de ranger.
A madeira parou de estalar de noite.
E eu não ouço mais os ratos correndo.
Meu cachorro já não late quando a campainha toca.
E eu nunca mais ouvi a campainha tocar.
Até a voz na minha cabeça parou de conversar comigo.
Estou tão sozinho...

sábado, 23 de agosto de 2014

Hipnofrenose.

Primeiro vem o estado de perfeita agonia, onde meus medos se instalam de forma abrupta e crescente no meu peito. Minha única certeza é de que eu devo sair correndo, o mais silenciosamente possível, o mais rápido possível, para que não possa ser visto por ninguém.
O segundo estado é o oposto do primeiro. É composto de uma calma irreparável, de uma serenidade plena e uma satisfação absoluta. É como se tudo ao meu redor fosse inofensivo, desimportante, deselegante ou não existisse. Essa sensação, porém, se torna mais angustiante do que a anterior, pois me torno frágil à todas as maldades do mundo, e desadequado ao mesmo, por me sentir bem. É aí que vem o terceiro estado.
Ele começa com  o silêncio. Não com ele em si, mas com a percepção dele ao meu redor. Antes, tantos pensamentos enfadonhos tumultuavam a minha cabeça e berravam nos meus ouvidos. Agora, tudo aquilo se foi, tanto a calma quanto a covardia, para outro universo distante. Me torno só, no aqui e no agora. O tempo congela, e não existe passado, presente ou futuro. Fecho os olhos e respiro fundo.
Quando acordo, estou no parapeito do prédio, pronto para pular.

Reflexão sobre moral e ignorância.

Aos poucos, me dou conta de que não existe certo ou errado. Já havia de ter percebido antes pela auto-destruição da moral quando exploramos seu conceito (ver Nietzsche), mas só agora vejo sua utilidade em um mundo de verdades tão frágeis.
Eu não sou como os demais. A diferença, até certo ponto, é atrativa para os humanos. Depois que se passa desse ponto, ela é vista como um empecilho. De tudo que eu tinha a comentar sobre isso, só me sobrou a solidão. Pior do que ela em si, só mesmo seu reconhecimento como algo real. Eles não perceberiam. Eu não os culpo por serem estúpidos. Inclusive, eu os admiro.
Deixe-me introduzir um pequeno prefácio sobre minha história. Durante toda a minha vida, tentei ser um perfeito imbecil, adequar-me às normas que não me significam nada, encontrar-me em um grupo de pessoas que compartilham a mesma singularidade repetitiva que se vê em cada grupo "diferente" de pessoas. Eu não nasci pra isso. Eu nasci para pensar, estudar, entender. Eu nasci para viver além das estrelas, além do bem e do mal. Infelizmente, eu não nasci para esse planeta.
O motivo para esta carta confusa e esnobe é que finalmente me sinto livre para dizer tudo que eu quero. Nem você, nem outros, abastecerão a demanda de sentimento de que necessito para continuar assim. Disseram-me que vocês sentem com o coração, e deve ser por isso que vocês são tão burros. Não existe batalha entre sentir e raciocinar, pois fazem parte do mesmo princípio: viver. É por isso que magoam, chutam, quebram tudo que amam, e idolatram tudo que odeiam. Vocês não sabem amar, só pensam que sabem. São como crianças brincando de cozinhar. Este é o primeiro motivo pelo qual nunca nos entendemos muito bem.
O mais triste, porém, é amar aquilo que não pode ser amado. Desse pecado eu tomo parte, por ter me apaixonado por você. A mais bonita e formosa de todas as criaturas, sua inocente moral me cativou e me arrastou para onde sempre desejei ir: às profundezas da ignorância e da burrice. Você, tão convencida sobre o bem que faz, já havia deixado de se perguntar o que é certo antes mesmo que eu pudesse pôr meus olhos em você. Mas como eu poderia saber? Cansado e desleixado como me tornei, qualquer esperança de melhora se tornava melhora, visto que o estado anterior não possuía essa esperança. Com isso, me deixei levar por uma corrente que me destruiria - para pouco depois se tornar motivo de meu renascimento.
De sábio, me tornei um bobo. De louco desleixado, me tornei um escravo da opinião alheia. De sem-cultura (como os índios de Cabral nada sabiam dos homens brancos, e também foram denominados assim), eu me tornei um intelectual, antenado e formado no saber de conhecimentos fúteis. De tudo que não sabia, pouco sobrou. Daquilo que sabia, menos ainda. Eu cavei minha própria cova mental, e a prova disso é a desorganização destas palavras que lhe dirigem. Acredite, pois se lacrimeja agora (e eu sei que sim), morreria antes de tanto chorar, se fosse o mesmo texto escrito por uma parte de mim completamente diferente.
Tendo deixado claro tudo aquilo que você já sabia, venho aqui a dizer aquilo que você não sabe, querida, e não teria como saber. Sua moral não passa de conceitos deturpados de uma mente doentia. Seu bem destrói aos poucos aqueles que por ele são cativados, mas se tornam burros demais para perceberem isso, mesmo no final. Não, não foi por ter escolhido o certo que lhe agrido verbalmente. É pela sua definição do certo e por priorizar o fútil, é pelo seu condenar baseado na opinião pública. Sua inteligência é meramente superficial, sua beleza é de fato muito comum. Seus valores e sentimentos são exatamente iguais aos daqueles que me refiro como dispensáveis, e sua capacidade de raciocinar sobre isso vai somente até o ponto que lhe favorece. Eu lhe odeio para retribuir o ódio que causara de mim mesmo, mas lhe adoro, à medida que suas boas intenções revelaram a triste verdade do mundo: Os homens só amam quando lhes convém amar.

quarta-feira, 20 de agosto de 2014

Lotados.

Vejo espaços vazios em ônibus lotados,
Vejo tristeza em olhos cansados,
Humor na multidão sem graça.
Vejo graça em pouca gente, poucas vezes.
Vejo gente em poucos lugares,
Em poucas ocasiões.
Vejo a gente em cada detalhe.
A todo instante,
Vejo o céu caindo em água,
O mundo virando chuva.
Vejo a chuva de ontem caindo,
Tamborilando nas nossas costas, braços,
Mãos, corpo e alma.
Vejo calçadas cinzas molhadas,
Vejo seus olhos molhados de calçadas cinzas,
Colorindo o preto e branco das ruas.
Lotando o mundo com nós dois,
Desbotando a solidão.

sexta-feira, 15 de agosto de 2014

Cria.

Sento-me em uma cadeira que eu construí, em um mundo que eu mesmo criei. Fecho os olhos e tua imagem cria forma. Me convoco, perante tua vontade, para a vida, e dou o melhor de mim ao imaginar-te. Pois tu me fez, e deste o melhor de ti para fazer-me. Agora e sempre, meu trabalho é fruto do teu, minha vontade é fruto de ti.
Eu sou fruto de ti.
E que fruto sou!
Obrigado.

quinta-feira, 14 de agosto de 2014

(A)ma-te-me.

Segura-me em teus braços flácidos, beija-me com teus lábios sujos de carnaval. Lambe meus colhões com tua língua seca e morde-me com teus dentes podres. Não há nada melhor que isso, amor. Senta em mim como sentou em tantos, e em tantos lugares. Chama-me de teu enquanto rio de ti, clama meu nome enquanto te fujo. Vou-me com outra, ou sem ninguém. Por tua pele não tão grotesca, por teu suor não tão viscoso, por teus repugnantes acertos, abandono-te na tua própria merda. Por não encontrar em ti suicídio, procuro-o nos excrementos da tua lembrança.
Pois repudio-te por teres me amado.

sábado, 9 de agosto de 2014

Omni.

Vejo as pessoas da rua e me poluo com seus pensamentos fúteis. De todo amor que criei, de toda vida que moldei, veio o ódio e a decadência. Destruiu-se o essencial para erguer o desimportante, banalizou-se o sexo e crucificou-se a verdade. Criaram guerras, pestes, igrejas, todas em meu nome. Eu nunca pedi nada disso e não o aceito. Eu os desprezo, todos eles. Meu pior erro e mais profundo arrependimento. "E quanto ao perdão?" Os seres humanos não se arrependem de nada, nunca se arrependeram. Eu sei, eu os conheço melhor do que eles se conhecem. Desde o início, só buscam a sua própria salvação, negando ou aceitando tudo de mais absurdo, tudo que lhes é dito certo. Como ter amor por um filho que se destrói?
Vou até a banca de jornal, compro um maço de cigarro e acendo um. Rio. Só o que me resta é zombar da mortalidade. Não importa, nada importa. Renegaram a voz da razão e se matam com vícios fúteis. Cigarro... Há! O mundo está perdido. "Deus que me livre!" Eu não vou livrar vocês de merda alguma.

domingo, 3 de agosto de 2014

Sou; seu; sei.

Seus olhos me protegem,
Seus braços me escondem,
Sua pele me disfarça,
Suas roupas me esquentam,
Suas palavras me alegram,
Sua voz me acaricia,
Seu sorriso me acalma,
Seu corpo me denuncia.

Pois sou tudo aquilo que sei,
Eu sou toda a maldade do mundo.

quarta-feira, 30 de julho de 2014

Só nós dois.

Bendita chuva, eu penso.
Qualquer proteção, dispenso,
Seguro de final precoce.
Toda gota, toda tosse
Aceito, abraço, confio
Me ponho nos braços macios
Da morte, que me curou.
Deixe o calor para outros.
Deixe viver para poucos.
Que o frio me acaricie
Antes que a solidão esfrie.
Somos só eu e a febre agora,
À espera desse fim célebre.
Só nós dois e a chuva.

segunda-feira, 28 de julho de 2014

Júri Popular.

Palavras tolas e repugnantes, foi o que eu me tornei. Estou sujo de todas aquelas que usaram sobre mim. São como parasitas, que grudam na pele e tiram minha força de vontade. Toda a minha personalidade vai se esvaindo, e o que sobra é esse bando de letras miúdas, repetidas e carrancudas, escritas de qualquer jeito, por qualquer um.
Por que escolhi ser escritor, afinal? Poderia ter sido diabético, deficiente físico ou hipocondríaco, anêmico, hemofílico ou bulímico. Escritor é o pior enfermo. Vive em seu próprio mundo, escreve como dá, quando dá e quando pode. Os únicos poetas decentes que sobrevivem a isso, à fome, à miséria e às críticas, vivem como prisioneiros da própria criação. Afinal, a escrita controla o escritor, e não o contrário.
E quando não escreve?, eu lhe pergunto. O que sobra para o escritor? Nada além de palavras de outros. Ah! E que outros vocês são... De quê adianta grafar minha dor, se já existem psicanalistas de plantão para me diagnosticarem com suas críticas fúteis? De que adianta uma opinião, se já me foi dito e repetido o que está certo e o que não está? De que lhes serve conhecer-me, se já leram minha sinopse?
Um bando de abutres, é o que são. Por não valorizarem a palavra, desperdiçam-na em tolos como eu.
O que farão, aos malignos, aqueles que julgam maligno tudo aquilo que os contraria?
O que será dos bons, se não sobrar o que os descreva?
Pra onde foi tudo que eu sou?

sexta-feira, 25 de julho de 2014

Seco.

Eu estou
seco,
correndo
no eco
perdido
do fim.

Bêbado de
memória,
trôpego de
esperança,
eu abro meu
caminho

Nas ruas do
passado,
vomitando
as esquinas,
preenchendo
as lacunas

Com o gosto
de nós dois
e com pouco
do que fui
eu refaço
a solidão.

Vou beber.

Vou beber
que nem um condenado
que nem um desesperado
que nem um filho da puta.
Vou beber
até minhas tripas saírem
e meu cu se encher de terra
a terra que vai me engolir.
Até o mundo desabar
e até eu fazê-lo acabar
eu vou beber
e não vou lembrar de você.
E eu vou beber
até você esquecer de mim
esse bêbado que te deixou.
vou beber
até encontrar alguém
menos gostosa do que você
mas não vai fazer diferença
porque eu já vou ter bebido
o suficiente pra não saber.
Vou beber
o suficiente pra não ligar
pra sua casa quando acabar
toda a bebida do mundo.

quinta-feira, 24 de julho de 2014

Muito bom dia.

Estou à beira do abismo intelectual que me separa dos mais comuns e ignorantes. Depois de muito viajar, tanto em terra quanto em mente, minha boca secou, meus olhos cansaram e os músculos da minha perna se atrofiaram. Meu cérebro, por mais desenvolvido que seja, não aguenta mais um minuto de monotonia, chegando a optar pela falência de múltiplos órgãos a ter que esperar a chegada. Até o fim, já terei descarregado nas calças todas as excretas, e usado meu canivete cego para tentar suicídio, fracassando miseravelmente. Até lá, estarei velho e decrépito, e todas as lembranças que eu tenho se unirão em uma grande massa paposa, que será dada de alimento a mim depois que meus dentes apodrecerem. Tudo que sou hoje está se esvaindo aos poucos, engolido pelo tempo e pela desgraça, pelo tabaco e pela cachaça, até depois de acabarem todos os meus bons dias.

Terça-feira.

Mais uma noite sem lembranças em que as pernas não me obedecem. Talvez só mais um gole faça com que eu acorde de vez e pare com essa besteira. Tomo mais um. É, talvez não. Tento chegar até o próximo bar, mas é uma distância muito grande, então penso em chegar até a próxima rua. Ainda é uma distância muito grande, então tento dar um passo sem cair. Caio de novo e mais uma vez. Continuo caindo até chegar em casa, tento abrir a porta e a chave não entra. Não é minha casa. Merda. Tento lembrar onde estou, mas lembrar me dá dor de cabeça. Sento pra relaxar e durmo  enquanto durmo, sonho.
Sonho que estou acordado, que tudo está bem e que estou novamente em casa. É Natal e todos estão reunidos para celebrar e comer. Me oferecem um copo de bebida, mas eu não aceito. Não preciso disso, repito, eu estou bem. De repente, a atendente do bar sobe no palco e começa um discurso. Ela começa a falar e todos aplaudem. Não consigo ouvir o que ela diz. Chego mais perto, ela me olha e fala:
"Mais uma, gostoso?"
Acordo vomitando na esquina da minha rua.

Humano.

Não conheço
sossego
Não admiro
coragem
Não perdôo
verdades
ditas
em tom de
silêncio.

Não tolero
pessoas
Não reflito
passado
Não admito
maldades
feitas
em nome do
bem.

Não sou
Não fui
Não serei
Humano.

quarta-feira, 23 de julho de 2014

Apego.

Não se esquece das cobertas entrelaçadas em nós dois e nem das promessas de madrugada. Não esquece do chocolate quente, dos sustos e dos sorrisos. Não deixa pra lá as risadas, ficam lindas em você, e não para de procurar as qualidades em quem não tem, nunca. Já vou explicar por que estou falando isso. Você me salvou de mim e agora é a minha vez: estou salvando você de mim, querida. Vai, vai ficar na sua, vai viver sua vida. Não me procura mais, você ainda tem gente pra ajudar. Não, não vou voltar atrás. Não deixei e nunca vou deixar de pensar em você. A verdade? Eu já disse, não existe felicidade sem seus olhares ou bondade sem seu carinho. Você está deixando de ser tudo para ser mais um pouco, então deixa de ser boba. Eu sempre vou estar aqui, mas não é a minha hora. Eu volto, é claro que eu volto! Por quê? Você é vida, amor. Tem gente que precisa disso mais do que eu.

Cativo.

Teu cheiro me fitou e me possuiu como uma praga. Não sei quem tu és, mas te agradeço por tudo que já fiz, te perdoo por toda a tristeza do mundo e me curvo perante tua soberania. Sem ti, minhas noites seriam sombrias como teus olhos, meu coração seria turvo como nossas memórias juntos. Tua voz me encantou, comoveu, mas o que me dominou foi a falta dela, que escureceu minha alma, que secou minhas esperanças. Não, nem tente. Nada que disseres poderá mudar em mim o que se semeou da tua discórdia. Teu caos venerarei, e somente a ele responderei. Acordar ao teu lado é meu único motivo, seguir em frente é minha única meta. Tu, filha da peste e dama da escuridão, despertaste em mim a mais terrível das maldições, o mais inquebrável dos males: o amor.

quinta-feira, 3 de julho de 2014

Tenta, vai.

Corre
corre mais, vai
não adianta
não vai fugir
nunca vai de mim
não mais
nunca
desiste
eu não estou
nem aí
cala a boca
não
volta aqui
eu te amo
nos amamos
ah não tente
não tente mesmo
tudo bem, vai
não pense
sim, pode pensar
tudo bem
aqui estou eu
de novo
eu avisei.

Enfraquecer.

Só um punhado de palavras me alegra. Isso deveria ser mais desesperador, mas não é. Não é nem ao menos tentador a ponto de querer escrever mais. Sua letra é tão amável que guarda minhas lágrimas em cada ponto, cada vírgula, no espaço de cada frase. Estou morrendo, amor. Não fisicamente, mas minha essência está se esvaecendo com o tempo. Sou poeira, querida, poeira de vida. O que vou fazer com o resto da minha vida, se todo tempo perdido não sucumbe mais meu vazio existencial? Pelo contrário, ele aumenta. Cada movimento do relógio quebra parte do meu tempo e me adoece, cada passo que dou e cada movimento que faço - até mesmo ao escrever este texto - me despedaça em farelos de estagnação. Engraçado, pois a imobilidade se tornou tão fácil, e ao mesmo tempo tão sofrida... Lá vou eu usando reticências novamente. Quando vão cessar as nossas reticências, amor? Não lhe chamei por outro nome, não só por discrição (pois sei que a valoriza), e muito mais por falta de vontade. Como falta a vontade de chamar qualquer outro senão o rum, como falta qualquer ar, senão o cigarro queimando os meus pulmões. Estou caindo em desespero, por decidir permanecer assim. Eu lhe adoro, mais do que isso... Mas não posso completar a frase.

terça-feira, 1 de julho de 2014

Mémoire.

Percebi, sem a ajuda de psiquiatras ou leigos - pois me afastara de todos há tempos - que a solidão seria minha ruína, e foi. Alguém alguma vez disse que ninguém percebe o quanto é sozinho até estar cercado de pessoas, mas não foi assim que aconteceu comigo.
Nunca fui, em juventude, tão ignorado quanto gostaria. Sempre estive rodeado (ou ao menos me sentia assim) por pessoas que admiravam minha falta de interesse, e consequentemente tato, para articular com desconhecidos. Devo ressaltar aqui a incrível capacidade da humanidade de ser contingente com os mais fracos. Fosse em outra época, eu seria apedrejado, queimado, violentado e até castrado, mas aqui eu fui acolhido como mascote. O problema, como saberia dizer Rochefoucauld, foi permanecer assim. "Quelque bien qu'on nous dise de nous, on ne nous apprend rien de nouveau".
Cresci, como os tolos que me veneravam, bronco, inepto e arrogante, para o azar dos que me cercavam. Os piores arrogantes são os de família rica, e eu, como mencionei antes (será que o fiz?), eu era só mais um deles. Nenhum agrado que me era dado satisfazia meus mimos, nenhum desvelo supria minha carência, nenhum afago sufocava minha dor. E como todo melodrama de novela, minha história se sucedeu em catástrofe: Aos nove, longe de entender o significado de Fim, meus pais faleceram em um acidente de carro.
Não cheguei a desenvolver as personalidades de meus criadores, pois não vejo como faze-lo. Como muitos progenitores ricos, me deixaram praticamente ao cuidado das empregadas, que mudavam de rosto antes que eu pudesse gravar-lhes os nomes. O falecimento deles, apesar da ausência, causou-me um choque tão grande quanto se estivessem sempre ao meu lado; foi aí que comecei a cultuar o isolamento.
O que aconteceu com a minha tutela até atingir a maioridade, eu não saberia dizer. Os anos passaram como meses, os meses passaram como dias, e os dias passaram como vultos. Por vidas decaí em livros; por décadas definhei, perante o sopro do vento nas cortinas, perante o barulho do relógio, perante o leve bater de asas de insetos nas paredes. Entre crises e abstinências, tranquei-me do sol e das estrelas, das árvores e das não-árvores. Meu cabelo cresceu, minha barba surgiu, minha roupa encolheu e continuei aqui, nas lembranças entorpecidas do meu passado, nesta casa amaldiçoada, nos papéis que sujo de lágrimas.
Tentei em mente, mas nunca pude - não antes de hoje - confessar a dor. As perguntas que fiz, ainda faço, agora mesmo, enquanto escrevo. Será que alguém encontrará minhas anotações ao lado de meu putrefato corpo, daqui a décadas ou mais além? Quando o fizer, estarei eu livre de minha maldição? Por quanto tempo vagarei por entre as paredes de minha mansão, chorando por dias não continuados, como hoje faço? Até lá, tais dúvidas já terão sucumbido, e junto a outras que ainda não me brotaram, mas as escrevo ainda assim, para que não me atormentem como uma confissão não dita, como fazem com os bons católicos. "La foi eté le premier péché de l'humanité, doute était la première vertu."
Se parte disso, porém, puder ser lido em alto e bom tom, e se os ventos não se encarregarem sozinhos de me levar, peço um único favor, para os que me leem: Queime qualquer evidência de mim que os anos não apagaram, lave meus prantos desse chão imundo e leve esta carta embora. Esqueça-me, e faça-me esquecido. Mate-me, não por carinho, mas por piedade. Se não o fizer, serei lembrado como o covarde que falhou em desaparecer.
E já paguei esse pecado em vida.

domingo, 29 de junho de 2014

Ode ao Ódio.

Eu vou formatar sua memória, sacudir suas certezas até se parecerem com seus miolos jogados pelo chão. Eu vou bater no seu corpo frágil até não sobrar mais nada pra bater, vou cuspir na sua cara, urinar nos seus amigos, colocar gasolina em tudo e acender um fósforo, mas não vou fugir. Quero queimar junto com você em vida, como vou queimar na morte. Foi a última vez que você abusou da minha paciência, foi a última vez que você fez sofrer meu orgulho.

Decoro.

Sabe, eu não entendo a dificuldade que o ser humano tem de dizer verdades desagradáveis. Eu, por exemplo, estou perdendo a vontade de lhe ver, por pura reciprocidade. Nunca me interesso por alguém que não dá a mínima, afinal, seríamos dois indivíduos de mesma motivação (ou seja, nenhuma). Ao contrário do que pensa, me considero muito sentimental e carinhoso com quem me adora, principalmente com as mulheres de meu agrado. Infelizmente (e você é exemplo disso), nem todas conseguem descobrir a tempo meu lado menos egoísta.
Ironicamente perguntei, como se não soubesse a resposta, sobre nosso suposto interesse em comum (eu), sem obter uma resposta satisfatória. Gosto do modo como as coisas se resolvem com mentiras bem contadas; ultimamente, porém, esse tipo de conduta tem me irritado profundamente.
Pois bem, aqui estou eu, me curvando perante toda a sua ignorância, me rendendo perante a sua prepotência, ao dizer um tão sonoro "foda-se" - tão inevitável em situações tão críticas, tão afável para cérebros imaculados. Gostaria de ter tido mais oportunidade para desenhar meu orgulho no seu corpo, mas minha paciência, auxiliada pela sua falta de sensibilidade, se tornou excepcionalmente curta.
Quanto aos nossos encontros, não espero deixar de ver seu rosto para o resto da minha vida, mas pretendo fazê-lo aleatoriamente, entre tropeços e esbarrões, como dois desconhecidos que porfiam em encontrar-se em um elevador de prédio comercial.

sábado, 28 de junho de 2014

Queime.

Desejo ardentemente que o mundo à minha volta queime, que as doenças façam borbulhar a pele de meus inimigos. Desejo os infiéis empalados, torturados, afogados e deixados para trás numa cela sem comida. Desejo que a fome os leve a comerem os próprios membros, e que minha vitória seja clamada pelos sobreviventes incompletos.
Arranquem-os de suas casas, poltronas e televisores, o novo mundo já começou.

sexta-feira, 27 de junho de 2014

Vicioso.

Possui-me em teus braços de zinco, cobre-me com tuas queimaduras de primeiro grau e me corrói com teu suor. Vou envergar e contorcer na tua cama como papel faz diante das brasas do fogo. Não te intimidas, pois vomitei tua vergonha fora. Não te calas, pois roubei o teu silêncio. Tua presença faz brotar calor, então queime! Sem ti, o anoitecer seca meus galhos, o sono solidifica minhas lágrimas. Preciso-te em meu sangue, injetar-te em minhas veias, por minha existência ser teu único propósito. Foge comigo da dor, querida... Salva-me, se teu nome é heroína.

quarta-feira, 25 de junho de 2014

Verbos.

Me sufoquei
em verbos que
não pronunciei
em vão
e maltratei
na boca
até engolir.

Te engoli
em goles que
eu nem tomei
tão só
tentei errar
a boca e
não sufocar.

terça-feira, 24 de junho de 2014

Mon coeur qui bat.

Tudo que eu sou hoje é culpa sua. Você se importava no começo, não se lembra? Todos aqueles cafés da manhã caprichosos e cheios de frescura só para me agradar. O que aconteceu conosco? Aos poucos tudo foi mudando e hoje em dia eu só ganho um café fraco. Não sei se fui eu ou você, mas o sexo foi ficando entediante. Sempre com as mesmas posições, cheguei até a pensar nomes para elas. "Cheguei do trabalho tarde demais para pensar no que estou fazendo" ou "As crianças finalmente dormiram". A sua aparência também não ajudou muito, envelhecendo rápido com esse maldito cigarro na boca sempre que ninguém está vendo. Você acha que eu não sentia seu hálito de carvão? Ah, não deve fazer diferença mesmo. Outro dia eu encontrei a Soninha, lembra dela? Eu a comia no nosso quarto, na nossa cama, com mais frequência do que te beijava. Uma vez você quase nos pegou, e eu passei uns cinco minutos rindo da situação. Enlouqueceu de vez, retardado?, você perguntou. Eu não respondi nada, já tinha feito minha parte.
Sabe por que estou contando isso? Porque eu quero que você sinta nojo de mim, como eu sinto nojo de quem eu me tornei. Não, não foi tudo culpa sua (depois conserto o começo). Acho que parte de mim já nasceu direcionada pro fracasso, para a desistência. Foi por isso que eu não parei de correr atrás de você enquanto era atirado junto aos desprezados, todos vítimas de vossa majestade. Eu nunca tive orgulho próprio de verdade, acho até que isso é besteira. Você percebeu isso, né? Percebeu que eu faria tudo que você quisesse, e por isso casou comigo. A sua existência é podre, mais podre do que eu. Eu tinha um futuro, mas você simplesmente suga o presente de quem te cerca, limitando-o à penumbra da sua perversidade. Talvez um dia eu entenda como isso tudo funciona, como seu corpo fino e frágil esconde tanta podridão e fedor, mas prefiro ficar sem entender do que ver isso como normal. Entendimento é aceitação, e eu não vou aceitar porra nenhuma do que você tem pra me oferecer.

domingo, 22 de junho de 2014

Inocente.

Culpe as drogas.
Culpe a pressão do cotidiano, culpe a sociedade.
Culpe os outros.
Culpe o passado, o inevitável, o desperdício.
Culpe os filmes, as músicas, as novelas da Globo.
Culpe a alienação.
Culpe o descaso, os hospitais públicos, a escola, o Estado.
Culpe o destino, o Diabo, a razão divina.
Culpe tudo.
Menos você.
Nunca assuma a culpa.
(Não vale a pena.)

sábado, 21 de junho de 2014

Ilusório.

Toda essa mentira me enoja, essa falsidade me faz perder a fome. Tuas garras me arrancam a pele e exibem a dor da minha carne frustrada, velha, arrebentada pelo tempo e descamada pelas estações. Todos os truques destinam-se a me manter aqui, imóvel, enquanto tu abaixas minha calça e sugas minha essência. Como não caí no encanto, se teu efeito é letargia? Porque teus olhos de vadiagem te perseguem, menina, revelam teu paladar por sangue. Mais do que isso, tua boca te declara culpada. Ninguém tão puro beija de forma tão sutil e cruel, ninguém tão bom diz mentiras tão delicadas. Tu frustrara meus pecados, me fizera de desejo, mas passou. Tu és uma mentira no final das contas.
Ninguém existe como tu, pois tu não existes de forma alguma.
Agora suma da minha frente.
Tenho outros a subjugar.

domingo, 8 de junho de 2014

O Silêncio.

Queria que a tua existência
pudesse cobrir meus olhos
para a crueldade do mundo.
queria que tua perfeição
me bastasse para viver em paz.

(...)

Minhas mãos
calam o choro
enquanto teu perfume
se desvai
na solidão da calma.
Penso, sinto,
dói.
Tua ausência dói,
e dói de novo!
Pois toda raiva,
e angústia
não conteve
uma única gota
de ti.
Toda ganância,
toda crueldade
não resistiu
perante tua bondade.
Perto desta,
nada sou,
de nada sou
digno.
Mas longe dela
a dignidade
perde a cor.
E perto de nós,
Ah, amor...
O mundo me deixa
e deixa de importar
e viver ao teu lado
se torna
excepcionalmente
digno.

(...)

Tua beleza
não reside na pele,
Tua melodia
não reside na voz
Tua saúde
não reside na carne,
Tua grandeza
não reside em ti.

(Ela reside em mim.)

(...)

O silêncio é a única melodia
que reside em minh'alma
Quando a boca fala,
Quando o coração palpita.
(Quando não o faz para ti.)
É o que me governa
quando a luz me falha
e a esperança queima.

(...)

Estou me perdendo
para mim mesmo,
(Salve-me!)
lutando
contra a própria sombra
que me mantém ileso
enquanto tento
ferir-me em teus braços.
Sou vítima
do próprio medo,
que me priva de tanto sofrimento,
que me protege de tanta alegria.

(...)

Chegou a hora.
Somente algo
tão estupidamente bom
poderia resistir
a tanta desordem.
Somente alguém
suficientemente humano
poderia amar
algo como eu.
Somente eu
para poder negá-la.

(Adeus.)

segunda-feira, 2 de junho de 2014

Passagem.

Tem uma hora que você simplesmente sabe quando seu relacionamento vai acabar. Eu pelo menos soube. Antes de anunciarmos o fim, eu já havia transado com três mulheres diferentes em três semanas, e nenhuma delas era minha esposa. Falando assim, me coloco como um psicopata, mas não sou. Não é que eu não tenha me sentido culpado, sabe? Mas a culpa não me impediu de fazê-lo. Afinal, que tipo de homem eu seria se tivesse impedido? Talvez ser assim tenha vindo do meu pai, brigando e chamando minha mãe de vagabunda - e quem dirá que ela não era? - ou dos meus irmãos, abusando secretamente da empregada no quartinho de cima... Talvez eu esteja impelido a tratar todas as mulheres como lixo, mas quem liga? O fato é que pedi o divórcio e deixei que ela ficasse com a guarda dos filhos. Não fui educado a desprezar crianças, mas isso a gente aprende com o tempo.
Depois do divórcio, parei de transar como um coelho e sosseguei um pouco. Não é como se as mulheres tivessem acabado, mas perdi um pouco da animação para toda aquela atuação necessária antes do sexo. Todo esse fingimento sempre me enojou, mas ultimamente tem ficado pior. O que me leva exatamente onde eu queria chegar, claro! Penso que descobri o motivo para essa mudança de hábitos sexuais. Não acho que as mulheres, com suas silhuetas e outras artimanhas do corpo, me incentivaram a cometer o adultério. É a emoção do pecado - Essa sim! - que me incentivou a comer cada uma delas, e nada mais do que isso.

O pecado é a melodia que rege a minha vida.

Perdoe-me!

Senhor, com todo respeito, eu conheço sua filha há tempos, e ultimamente tenho pedido a ela para que nos apresentasse (embora minhas tentativas sejam falhas e a teimosia dela seja praticamente infinita, como o senhor deve saber). Peço perdão pelas marcas deixadas no pescoço de sua criação, mas peço que não as leve a mal, pois não foram feitas a modo que envolvesse qualquer situação não puritana (e dou-lhe minha palavra). Infelizmente (como o senhor já sabe, e trato em ressaltar-lhe esses pontos simplesmente para reforçar minha lógica), a pele de sua filha, por sua brancura que tanto aprecio, tem a tendência de guardar marcas com muita facilidade, e peço perdão (mais uma vez) por meu descuido em relação a isso. Espero um dia poder transmitir-lhe cara a cara minhas sinceras intenções, de modo que o senhor possa apontar, com alegre discrepância, as diferenças entre mim e os tantos rapazes sem caráter que poderiam estar ocupando meu lugar como - se me permite o termo - namorado (e talvez futuro cônjuge!) - de nossa amada e pequena Aurora.

Colecionador.

Confesso pena, dor, fome, preguiça, e tédio. Confesso ausência de qualquer motivação necessária para continuar atuando por entre seus sempres e ventres. Tudo que carrego pesa e me impede de continuar. Levo em mim a humilhação do rei que não soube diagnosticar a própria loucura e foi consumido pela psicose. Levo o carisma do trapaceiro, a lábia do charlatão e a sabedoria do diabo.
Levo as almas que comprei, as vidas que roubei e as mulheres que amei.
Pois dou deus de meus próprios pecados.
Sou um colecionador de lembranças.

Excelentíssimo Pablo,

A lembrança entorpece a mente, não? Rum, por cura que seja, também envenena. Mas que bela noite de dama tão tonta! Tonta como eu, seus lábios não escolheram agir. Que horror, isso é errado!, Ela disse. Por pior que eu estivesse, foi inadequada a conduta, digna de vagabundo, moleque. Porém, que parte de mim teve escolha? O cárdio bombeava paixão junto ao maldito rum - sabes que, juntos, podem ser letais. Ao menos fui eu, e não outros! - É o que repito - Não farias o mesmo? Sou vítima do pecado como vítima do desejo - dela e por ela - que combato todos os dias com uma dose de literatura. Por isso, vim decorrer a ti. Afinal, escritores são médicos da paixão, então a cura deve estar na palavra. Mas e se nenhuma palavra serve, doutor? Que alternativa tenho senão padecer à presença - e talvez à ausência - de olhares e carícias? O que será de mim, se o que me entristece é a falta de um motivo bom o suficiente pra me entristecer? Será que vou morrer logo, ou já morri há tempos? Escrevo a ti, pois não posso escrever a ela, e nem escrevê-la para fora de mim. Estou ficando louco, senão mortal e pobre de alma. Me ajude, doutor, pois estou renascendo!

sexta-feira, 30 de maio de 2014

Disforme.

Culpo vós, ignorantes de todo o mundo, pela minha decadência e deformidade. Culpo aqueles que julgam ao invés de perguntarem, aqueles que temem a verdade, que temem o olhar da alma. Culpo tu, principalmente, por todo genocídio acometido pelos fracos, por toda descriminação sofrida pelos indefesos - Já não é suficiente? - pela dor que tuas palavras causaram, pela rejeição de tudo que é diferente. Tu, ignóbil ser, patético e imprestável, deverias saber, mais do que os imbecis não escolarizados e mais do que os cristãos patéticos, que a diferença é a melhor arma da evolução. Foi ela, com a surpreendente combinação de genes, que nos pôs aqui, e que, infelizmente, gerou seres humanos tão perversamente discretos em maldade quanto o senhor. Tu és a verdadeira abominação, a última cartada de um criador malévolo, para a destruição da bondade. Tu não mereces ser ouvido, como não fui merecedor de tua palavra. Repudio-te, como repudio todo mal-feitor disfarçado, por tudo que causaste a mim.
Tu, pai e destruidor de sonhos, és o verdadeiro monstro por detrás das cortinas.

- Quasímodo.

quarta-feira, 21 de maio de 2014

Curado.

Costumava cuspir na cara de todo imbecil que me aparecia apaixonado. Eu sei por que fazia isso, e temo que alguns também tenham percebido. Foi meu psiquiatra que descobriu o meu problema, há uns dois anos atrás, e desde então eu tenho vivido bem melhor. Acontece que, no fundo, eu sou um grande admirador de românticos e romantistas, pois sou um deles. Mas a vida já me fodeu de tantas maneiras que sinto ódio de pensar que existe algum idiota por aí exatamente igual a mim, mas feliz. Foi por isso que eu espanquei o florista na rua, o casal apaixonado e, inevitavelmente, tentei suicídio.
Mas esses tempos já se foram, e as coisas agora são diferentes. Descobri a origem do meu sofrimento,e hoje sou um novo homem.
Agora eu só espanco mulheres.

sábado, 17 de maio de 2014

Fedor.

Tua podridão
Vai além do fedor
Que teu cabelo mal lavado
Exala

Minha repulsa
Vai além da oleosidade
Da tua pele
E das cavidades
Da tua alma
Povoadas
Pelo odor da morte

Tua infelicidade
Excedeu o limite da razão
E teu conforto inexiste
No arrastar da tua voz rouca

Saia!
Imploro-te, pelo bem de todos
Vá recostar-te
Em outros cantos
Com outros ratos
Com os que te pertencem, querida...

Teu lugar não é em nós, poetas
Pois não enfeitamos loucura
Com crueldade
E sim com amor.

Mas em ti
Nenhum enfeite funciona.

Inquietos.

Tua sombra governa os meus mais sofridos sonhos, e tua alma sobrepõe qualquer desejo da carne. Eu, tolo e infantil, troquei felicidade plena pelas vicissitudes do corpo, pela protuberância de um prazer terreno. Eu, e somente eu, sou culpado pela infelicidade - tão minha quanto tua - que governa as regiões mais obscuras do nosso mundo abandonado de fantasias. Tua lembrança me corrói a sanidade, e me deixa à beira da falência moral. Tu és meu mais profundo arrependimento, o grito mais ensurdecedor de meus sentimentos, meu mais inquieto amor.