quarta-feira, 31 de julho de 2013

Poeta.

É romântico incorrigível
O eterno responsável
Por eterno mal estar

Destino e maldição terrível
De todo e qualquer respeitável
Poeta de fundo de bar

Ignóbil ser, insensível
Nega coração afável
Com doses de água do mar

Chora lamento indizível
E vê-se o quão lamentável
É, pro poeta, amar.

terça-feira, 30 de julho de 2013

Delírio.

Se não for direito meu segurar-te no peito, que a melancolia tome conta do cotidiano. Honrarei com meus princípios última e única vez, pois é agora que o coração sente. E, desse sentimento, ele envelhece e cai, seco como uma pedra, no chão frio do banheiro de Um Bar. Aquele no qual te conheci, se lembra?
Ainda não me acostumei a ouvir trilhas sonoras sem ninguém.
Mas estou no caminho.

P.

Oh! Vida...

Queria não te ter nas dores de segunda-feira.
Queria que teu desejo não fosse eu, e sim a falta de mim.
Queria sofrer sozinho, ficar sozinho.
Queria morrer sozinho no escuro. Queria dizer que tenho medo, queria dizer que te desejo.
Quero querer o que o tempo quer pra mim.
E não mais do que isso.

-T.

Gato.

Às vezes eu queria ser o meu gato.
Talvez os problemas da vida
Pareçam muito menores
Quando se é um gato.
Talvez ele nem goste muito
Desse negócio de pensar
E isso é uma das coisas
Que eu mais gosto no meu gato.
Talvez ele nem queira mais viver
Fazer protestos, coisa e tal
Talvez ele só queira descansar
Com a mulher e filhos,
E isso é uma das coisas
Que eu mais gosto no meu gato.
E se um dia ele mudar
E quiser viver algo diferente
Acho que ele vai fazê-lo
Sem voltar atrás,
Sem lágrimas,
E isso é uma das coisas
Que eu mais gosto no meu gato.
Mas o que eu mais gosto mesmo
É de não gostar de absolutamente nada
E tenho quase certeza
De que meu gato me entende.

Manual de Apreciação de Chá.

Chás são líquidos muito egocêntricos.
Por esse fato, demoram para perceber a presença de qualquer um no ambiente.
Por esse mesmo fato, não obstante do tempo em que notam a presença de um indivíduo, percebem que o mesmo deseja ingerí-los - mesmo quando não deseja.
Chás são, portanto, os líquidos com menor índice de interação social já registrado e, embora haja protestos diários de ingleses e demais criaturas excêntricas, não se chegou a nenhum resultado que se contraponha à pesquisa.
Isso ocorre porque todas as teorias a favor dos chás foram criadas por pessoas incrivelmente chatas, e ninguém nunca se atreveu a lê-las até o final.

segunda-feira, 29 de julho de 2013

Observação.

Talvez amigos não sejam amigos, e talvez a verdade seja só uma questão de sobriedade. Eu me sinto sozinho, perdido no mundo pelos pecados da minha vida. Talvez a vida seja só mais um pecado e sejamos senhores da nossa existência. De qualquer modo, se a vida é uma ilusão e persistência é só uma virtude, estamos todos mortos.

O Louco.

A loucura transpassa a face e desce em forma de lágrima. Singular, guarda com ela toda a vida de um pobre coitado, que se atreve a imaginar e cobiçar o futuro. Rouba o comprar dos mais favorecidos, mas não se satisfaz. Tira vidas, mas nada o detém. Nada dá a ele a certeza de que está bem, nada pode devolver o tempo que perdeu chorando.

sábado, 27 de julho de 2013

Inércia Literária.

Vivemos da física e da metafísica, vivemos da obrigatoriedade penal. Vivemos em cima de pontes, muros, estradas, vivemos em cima dos outros. Somos um paradoxo do infinito, e fabricamos coerências paradoxais. Existe um padrão em cada aleatoriedade, uma regra em cada desordem, uma certeza do imprevisível. É algo que não se entende, não se vê. É a resposta para todas as perguntas que não fizemos.
Vivemos em um mundo de palavras, mas demoramos pra entender:
Palavras não precisam fazer sentido.
Palavras são o portal.

terça-feira, 23 de julho de 2013

Viúva Negra.

Teus lábios negros me percorrem a espinha, e a escuridão dos teus olhos me adormece a esperança. Tua perseverança envenena meus sentidos e viras platéia para meu sofrer. Pego a lâmina, embebida de outros corações, e começo a trabalhar.
Minha consciência se demite enquanto o público regurgita.
Não pare agora! Não pare agora!
Só faltam mais algumas vértebras!
Me perdoe, mundo.
J'ai fait par amour.

quinta-feira, 18 de julho de 2013

Minha.

Me viciei no primeiro toque e me abri para seus perfumes. Ela fez meu coração parar, fez bater mais forte. Me arrastou para o fundo e me puxou da escuridão, me libertou de meus pecados e desenhou meu perdão em branco. Ela me tornou ausente de qualquer fraqueza, e me enfeitou em alegria. Eu não mais comia ou bebia, e meu único impedimento era sua falta. Me libertava a cada toque, me drogava com suas exigências e, sem mais nem menos, me vi apaixonado.
Então ela acabou.
Acabou a magia, acabaram as luzes.
Mergulhei na escuridão de sempre, cego com a claridade.
Meus sonhos viraram pó, e o pó se tornou meu sonho.

quinta-feira, 11 de julho de 2013

Rapadura.

Comi uma rapadura
No topo do morro
De joão ninguém.

joão ninguém reclamou,
A rapadura reclamou,
A rapadura me comeu.

segunda-feira, 8 de julho de 2013

Moedas.

Acordei para mais um dia de calçada com as roupas mais sujas do que meu passado.
Levantei-me do papelão macio e comecei a estender a mão para os "turistas" de rua.
Hoje o dia não está nada bom.
Duas horas trabalhando e não consegui o suficiente para um almoço.
Alguns vêm me perguntar como cheguei aqui, e a verdade é que eu não sei responder. Só mais uma dose, costumava dizer à minha mulher. Sou amante do álcool, e isso me torna um suicida indireto. Meus órgãos doem pelo seu excesso, então bebo para disfarçar a dor.
De vez em quando me vejo gritando enfurecido para crianças pela sua simples existência. Me pergunto o que me faz tão ruim assim para ser tratado como lixo. Já me indaguei o que faço para ser tratado diferente disso, mas prefiro a primeira pergunta.
Algumas coisas da vida não deveriam ser contadas.
Algumas coisas não deveriam nem mesmo ser vividas, quanto mais contadas.
A verdade é que sempre me achei melhor do que todo o resto, preferindo a morte do que o estado em que me encontro.
Na verdade, eu já estaria morto se a morte se desse ao trabalho de me oferecer uma carona.
Eu espero que o álcool me apague a lembrança de ser humano, pois não suporto ter que lembrar que já fui uma dessas crianças.

quarta-feira, 3 de julho de 2013

Mortal.

Ao enxergar a existência da mortalidade, a mortalidade me enxerga.
Deixa de ser apenas uma ideia abstrata e vem a ser um individual, que me tem tão claramente quanto a tenho. Seus olhos de perversidade, suas religiosas garras, seu bafo de vinho barato. Viva, faz comigo o que executava como ideia: destrói tudo de bom ao meu redor e deixa meu interior por ultimo; penetra em meu peito, dilacerando meus órgãos com a escuridão, deixando o vazio se embebedar de saudade.

Não me lembro da última vez que sorri.
É uma pena que o sorriso também tenha se esquecido de mim.

Desejo.

Por anos, quase desejei não tê-la matado.
Éramos jovens, e a pobre menina ainda não sabia viver. Só chegou a sair de casa sem permissão uma ou duas vezes antes de nos cruzarmos.
Era um parque de dia nublado quando nos encontramos. Ela bateu o olhar no meu e me olhou de cima a baixo. Senti sua hesitação, mas não desviei o rosto. Suas pupilas dilataram meus batimentos cardíacos, que há essa hora cantavam em arritmia. Em seguida, seu sorriso se abriu, revelando dentes feios e tortos, mas que me encantaram por sua sinceridade. Seus cabelos eram ondulados e vermelhos, e suas bochechas eram rosadas - mais tarde eu descobriria que a cor do rosto era consequência da minha presença.
Então, sem dizer adeus, desapareceu entre as plantas tão rápido quanto surgiu.
Foram os dois minutos mais bonitos da minha vida, e criei o hábito de procurá-la naquele mesmo lugar todos os dias.
E, como carinho de Deus, os minutos se repetiram, e continuaram se repetindo.
Nossas idades juntas não dariam mais do que três dezenas, e nossa perspicácia de mundo era a mesma de um pássaro doméstico. Não nos tocávamos e não trocávamos muitas palavras. Descobri que seu nome era Alice, e me lembraria da Alice de Lewis Carroll se não fosse pela cor de fogo de suas incontáveis mechas soltas.
Eu sabia que era um romance de criança, mas era meu primeiro romance de criança, então me deixei levar.
Um dia, com a ajuda de minha mãe, a escrevi um bilhete, que, junto com um mapa, mostrava a localização do que eu chamei de País das Maravilhas - em homenagem a Alice, obviamente. Entreguei o bilhete em mãos e a esperei na hora combinada, no local combinado.
Ela não apareceu.
Ela nunca mais apareceu.
Acho que parte de mim encarou isso como a pior rejeição já sofrida por um homem, e cheguei a acreditar que nunca seria amado de verdade por qualquer outro ser vivo.
Os fantasmas dessa ideia ainda me assombram.
Mais tarde descobriria que uma menina havia sido encontrada morta em um lago, próxima ao local indicado no mapa. De início, me recusei a acreditar que era ela e continuei indo ao parque. Ainda assim, uma ideia martelava na minha cabeça, e uma voz me lembrava do que ela havia dito em um dos dias que nos encontramos:
Eu não sei nadar.
Ao passar dos anos, a verdade ficou evidente demais para ser ignorada, e parei de procurá-la.
Nunca cheguei a confessar meu pequeno crime, mas no fundo eu sempre soube: foi meu o desejo que a matou.
Depois disso, não mais me atrevi a desejar.