sábado, 18 de junho de 2016

Irresolução

Que a interrogativa não governe meu peito,
latejante pela aflição da desconfiança.
Que meu fascínio não me esgote o viço
que se consome a cada fissura aberta
nas lacunas do meu âmago,
nos hiatos da minha mente.
Serei eu meu individual sicário
isolando-me da multidão? serei eu
a parcela vil da escória que abomino?
Será o mundo subserviente às minhas intenções
que frustram ostensivamente meus rascunhos?

segunda-feira, 13 de junho de 2016

favor ignorar

repulsa pelo social
recobrada da empatia perdida em meados de uma vida há muito esquecida
súbito interesse pelo paranormal ou esquisito
visão realista de mundo
aceitação do caos
enjoo matinal
enjoo noturno
impulso pelo entorpecimento a qualquer hora do dia
sensação de vazio existencial (tomar tylenol)
pensamentos suicidas
cansaço físico e mental
pensamentos homicidas
ausência de fome
ausência de sono
fortes emoções por desconhecidos na rua
amargura
nostalgia

e assim caminha a vida,  nada importa e eu vou lá. nem feliz, nem triste: desgosto. tudo se resume a violência, discriminação e futilidade. tudo em dia é descartável e a moral não tem valor. almas são vendidas por muito pouco e a ordem não existe. se fosse pra escrever algo sério, eu escreveria, mas isso é tudo que eu consigo lhes dizer. eu sinto náusea. eu sinto dor. minha casa está tão destruída que eu não sei por onde começar a arrumar.

existencialismo antissocial

Pergunto-me se minha aflição é justificável, mas não consigo compreender todas as respostas que se apresentam. Tudo na minha cabeça é, de certa forma, confuso. Passo a maior parte do tempo sedado em frente a telas brilhantes com entretenimentos infinitos e ofertas imperdíveis. Cada passo é dado automaticamente e, de um dia pro outro, passam-se meses ou anos. Preciso que alguém me acorde desse vazio que se tornou o mundo, mas, ao mesmo tempo, não quero acordar. Não quero ser o único ciente do entorpecimento coletivo que afunda cada vez mais a nossa empatia. O sofrimento alheio não nos causa dor, a injustiça não pesa, o que nos tornamos? O que eu me tornei ao deixar acontecer? Será que quero descobrir?

segunda-feira, 6 de junho de 2016

O que as paredes não dizem

Hospitais públicos são, em sua grande maioria, lugares onde pessoas feias e doentes encaram outras pessoas feias e doentes enquanto esperam ser atendidas por alguém que quase nunca as compreende totalmente. Nesse aspecto, pode-se dizer que estou no lugar certo. Eu estou doente. Sou doente, talvez, mas não posso dizer com absoluta certeza e, pra completar, não sou bonito. Não tenho a vida perfeita e nem chego perto disso. Dizem que os riscos de infecção em hospitais públicos são bem altos se comparados a outros ambientes públicos (como ônibus, escolas, etc.), mas eu não ligo pra nenhuma dessas coisas: eu gosto desse lugar. Gosto de ser observado por essas pobres almas e gosto que tentem adivinhar o meu problema, como faço com eles. Gosto da emergência sempre lotada, isso me dá tempo pra escrever. Gosto do barulho de tosses pesadas e de imaginar o muco catarral se apossando aos poucos dos pulmões enfermos, das lágrimas de preocupação derramadas por parentes e amigos enquanto as horas passam sem notícia do possível falecido. Tudo é um pouco mais sincero aqui — desde as máscaras de riqueza criadas por peruas fúteis às de indiferença criadas pelos mais reclusos — nenhum desses disfarces sociais funciona como deveria. O meu, por outro lado, se encaixa muito bem. Eu não sou a vítima do tiroteio. Eu não sou o cidadão ferido por faca em um assalto, não sou a senhora doente de tanto fumar e não sou o viciado em drogas. Eu sou, no entanto, todos eles, enquanto os observo. Sou o humilde trabalhador com doença de pele, sou o recém nascido, sou o filho do pedreiro. Penso, inclusive, se toda a minha trajetória teve algum motivo só por ela ter me levado até esse ponto da história: não um clímax, mas uma calmaria. Como uma ressaca de vida que agora pesa o corpo e as mãos — principalmente estas, que misturam-se em alívio e culpa por encontrarem-se em um lugar que, bem ou mal, já derramou mais sangue do que meus olhos já presenciaram e meus dedos já sentiram. Por todas as paredes que já soquei, essa é a minha sentença: porque essas paredes choram em silêncio e oram pela crença de que a justiça será feita aos pecadores.
A essas quatro paredes pertenço;
Eu e todas minhas dores.