sábado, 28 de maio de 2016

eu e Maria

Estou mancando.
Naqueles dias era tudo diferente, ainda dançávamos ao som da jukebox. Maria ainda era viva e todos se reuniam nos bares da praça pra viver e sorrir, sorrir, amar e beber.
Hoje é tudo sobre mim.
Um dia, meio cansada daquelas mesmas músicas talvez, uma moça colocou uma valsa pra tocar. Meio lenta, meio diferente, dava pra dançar sozinho, mas eu chamei Maria. Maria tinha os olhos verdes e o cabelo preto - que ela pintava das mais diferentes cores - e sorria pra mim sem motivo. Eu também sorria sem motivo enquanto meu peito tentava fingir que não ligava. A verdade é que, em momentos como este, percebo como a presença dela era importante para o meu bem estar.
Eu sinto falta de Maria.
Estando ali, nada mais importava. Eu e ela ao som da jukebox, apenas um minuto e meio fui feliz. Os jovens que jogavam sinuca começaram alguma briga acalorada pelo álcool, a música parou e um deles quebrou taco nas costas do outro. Pessoas começaram a sair de perto e a próxima canção era Johnny B. Good. Olhei para ela, rimos apavorados da situação e saímos do bar sem pagar a conta.
Naquela noite não fomos pra casa. Minha irmã, com quem eu morava, estava viajando, mas estávamos muito bêbados pra conseguirmos dirigir até em casa, então dormi com Maria olhando as estrelas. Se perguntassem pra ela, ela diria que foi dentro do carro e não dava pra ver estrela nenhuma, mas eu sou um romântico.
Ou fui.
Paro e meço minha pressão. Posso estar velho e doente agora, mas nem sempre estive assim. Queria eu ter sabido morrer enquanto era tempo, de uma vez só, pra encontrar Maria no céu. Hoje em dia eu não vou pro céu e, quanto a morte, virou uma velha amiga - que, por sinal, ainda me deve uma última visita. Esta, por outro lado, parece nunca acontecer.

sexta-feira, 20 de maio de 2016

Por quê?

Porque a madrugada fria só exibe a doce solidão presente no teu rosto quando a amargura fita o passado. Porque o passado ainda escorre pelos cantos dos teus olhos e o meu nome ainda faz vibrar teu ser, como um chamado - um eco de nós dois - que, nas madrugadas frias e na solidão dos domingos, ainda respira, mesmo com todos os esforços: meus, teus e nossos, para tenta-lo sufocar.

quarta-feira, 18 de maio de 2016

Falta.

Os meus calos têm resquícios de ti e minha boca quase te diz sem a minha permissão. Meus olhos guardam um vazio tênue, um espaço em branco reservado apenas para a tua imagem. A minha mente, por outro lado, não para de te ver em toda esquina, a cada rosto desconhecido, a cada sorriso... E quando o sorriso é teu, minha respiração para. Quando o rosto é teu, minhas folhas murcham e caem, quase que instantaneamente, enquanto tu segues. Quando te sonho, tenho febre  e, ao acordar, minha pele adormece, recusando a tua ausência. Tu és meu único porquê de bondade, e meu único quê também. Pois o mundo já tirou-me tudo, mas em ti guardo meu maior pesar. Não é a tua falta que sinto: é a minha.

segunda-feira, 16 de maio de 2016

Pertencer.

E o iminente se arrasta, levando consigo o mal da rotina. Por quanto tempo pode-se viver preso a uma ideia sem que, por júri público, esta seja considerada prisão? O que é menos livre do que nascer pra pertencer a uma máquina que não respira, não descansa e não evolui? O que é menos humano do que pertencer ao sistema?

terça-feira, 3 de maio de 2016

b&w

Tudo que eu respiro é cinza
o muco, o sangue, a dor
passo a mão na barba raspada
ando meio sem cor, não acha?
sem cor, sem som, sem vida
está frio aqui ou sou eu?
não há resposta
o café está esfriando
ou a água ainda não esquentou
eu não consigo mais dormir
ou não quero
e eu não vou lá pra fora
porque chove
ou não quero.
o brilho nos meus olhos foge
como todo o resto de mim
estou andando sobre o nada
enquanto a vida passa,
enquanto o mundo vai sofrendo
eu vou vivendo nesse preto e branco
estático e imutável, ultrapassado
como uma câmera velha
como um cachorro doente.