domingo, 26 de fevereiro de 2012

(Não) Deixa.

Me deixa mentir pro mundo, me deixa brincar de Deus.
Me deixa zombar de tudo, me deixa brincar de ateu.
Me deixa controlar os passos que dou em sua direção,
Me deixa controlar as batidas que dá meu coração.
Me deixa dormir, Sonho, pois amanhã andarei ocupado.
Me deixa tomar um café pra me sentir mais descansado.
Me deixa sozinho na cama, e me deixa acordar assim.
Me deixa viver sem ela, pois ela se deixou viver sem mim.

sexta-feira, 24 de fevereiro de 2012

A Criatura.

Entro em um quarto escuro com minha própria alma.
O monstro olha pra mim de tal forma que chego a me identificar.
Talvez esse seja o verdadeiro eu afinal.
Minha carne ainda não apodreceu, e meus dentes ainda não caíram.
Meu cabelo ainda tem a cor de sempre.
Um monstro é o que me tornei.
Pego o maço do bolso, puxo um cigarro e acendo.
A criatura parece sorrir?
Enquanto respiro a fumaça, a criatura respira também.
É estranho vê-la respirar pela primeira vez desde que entrei no quarto.
Encaro-a.
Parece haver uma expressão de ódio com perturbação.
Ela não entende muito bem o que está acontecendo.
Ela sangra.
Meu próprio monstro sangra.
Não devo ser imortal afinal.
Rio.
Uma lágrima sai dos seus olhos, que começa a sorrir de novo.
É tão estranho assim que tal... coisa, tão cínica, tão vil, sinta algum tipo de emoção?
Ando para o outro lado do quarto e Ele me acompanha com o olhar.
Não fala, pois mal possui boca.
Mal vê senão o necessário.
Unhas quebradas, pele manchada.
De sua garganta, sai um lamento em forma de dor.
Nas suas roupas, um prostíbulo.
No seu caminhar, o passar dos anos.
Na sua voz, a morte.

quarta-feira, 22 de fevereiro de 2012

Podridão.

Fedor.
Está tudo podre sem você.
Entro na casa velha, que quase não tem mais porta.
Assim que piso na madeira, ela range de dor. Quase como se ganhasse vida de novo... Faz tanto tempo que alguém pisou nela pela última vez...
Continuo andando, deixando a marca do meu caminhar no chão. Poeira de tanto tempo.
Olho para o quadro na parede... Lembro-me de observá-lo por tanto tempo sentado naquele sofá, bebendo. Bebendo o suficiente para não me lembrar, e te olhando o suficiente para nunca esquecer.
A cadeira de balanço, onde eu ficava sentado, continuava lá... As coisas foram sendo corroídas aos poucos pela brisa que veio do mar, e os cupins, ao longo dos anos, foram os únicos que continuaram compartilhando as memórias daquela casa.
O pano em cima da mesa, manchado de café. Nunca gostei de café, sabe? Sempre achei amargo demais ou enjoativo demais, mas gostava de tomar café com você, segurando na tua mão.
Segurar na sua mão nunca perdeu a graça ou deixou de fazer meu coração bater mais forte.
Todas as piadas, as brincadeiras, as viagens... tudo se perdeu.
E agora encontro essa casa podre que sou eu.
Posso ter sido lar de muitas coisas boas, minha querida, mas tudo isso se foi.
Subo as escadas até o andar de cima. Vejo o quarto do bebê que nunca tivemos, e a cama de casal nunca usada. Tanta coisa desperdiçada...
Tropeço em um papel e quase caio, antes de me apoiar na pilastra de madeira não tão corroída assim.
Pego o papel.
"Não se esqueça que estarei sempre aqui por você."
De meus olhos, deixo escapar uma lágrima.
Pego uma caneta do bolso e escrevo no verso da folha:
"Eu sei que você acreditava nisso, e obrigado por tentar me fazer acreditar."
Guardo a caneta, dobro o papel e guardo no bolso.
Desço a escada, olho para a sala, desisto de ver o resto da casa.
Bato a porta para nunca mais voltar.

É sempre bom lembrar que tudo acaba.

terça-feira, 7 de fevereiro de 2012

A Criança Que Perdeu O Sorriso

Não vejo mais a Lua. A escuridão da noite não me assusta mais, e a luz da manhã só me lembra do quão igual tudo é sem você. Perdi tudo que tinha por não dar valor a mim mesmo. Eu choro, mas ninguém me ouve. Eu só queria que você me ouvisse, e me acolhesse no seu abraço. Desabafo com pessoas aleatórias, que não se importam, porque eu tenho medo que se importem comigo. Eu tenho medo de decepcioná-las assim como fiz com você. Eu não sei se sou bom, mas não acredito que tenha tanto de ruim assim em mim para merecer tal punição. Será que eu nasci pra ser assim? Será que meu lado humano se perdeu? Tudo que enxergo agora no espelho é o reflexo de tudo que eu sempre quis me tornar. No entanto, por que isso parece tão errado? Por que tanto esforço para me tornar um monstro, para descobrir que o que eu queria de verdade era só voltar a ser como antes? Em minha memória, não vêm mais lembranças. Será que já estou esquecendo do que foi você? Eu só choro, entristecido da saudade, por segundos, antes de me distrair com alguma outra coisa. Por que não posso simplesmente fazer meu coração bater de novo? Por que não posso simplesmente amar? Por que é tão difícil esquecer o que me faz mal? O que me torna o que eu sou agora, e por que não posso destruir?
Eu quero seu sorriso, suas lágrimas. Eu quero qualquer coisa que venha de você, mas quero que venha. Eu quero a memória no presente, e o presente eu não quero mais. Eu quero que tudo aquilo que fiz e disse seja refeito, e não me importo se isso muda quem eu sou hoje, porque quem sou hoje já não vale nada mais.  Será que, em alguma outra realidade, isso seria diferente? Preferia reclamar sem saber que era feliz, do que perceber que essa felicidade já passou, e não vai mais voltar. Perceber que você não vai mais voltar. E eu me sento aqui na cama, com lágrimas nos olhos, por não saber mais o que fazer. Eu não quero mais ninguém do meu lado, eu não quero mais ninguém perto de mim, porque a única pessoa que eu queria a vida levou. E a raiva que sinto de mim mesmo por desperdiçar o tempo que foi-me dado é quase tão grande quanto a raiva que sinto da morte por não ter me levado no seu lugar.
Hoje eu sou uma criança. Me sinto indefeso, estúpido e completamente ignorante sobre o futuro e a felicidade.
Somos todos imbecis, por passarmos a vida procurando algo que está bem debaixo do nosso nariz, e só percebermos quando isso vai embora.