sábado, 27 de janeiro de 2018

Tempo.

Posso não saber quem você é, mas dificilmente sei quem eu mesmo sou. Também, né? Depois de tantas voltas e voltas, é reconhecível o meu direito como mulher de me sentir perdida. Tem um cigarro pra alegrar meu dia? Não, claro que você não tem. Fumar faz mal. Tabaco? Imaginei. Eu pessoalmente acho esse negócio de estar viva um pouco demais pra mim, não vale o custo. Ta vendo aqueles três homens que vira e mexe olham pra minha bunda? Será que eles acham que vão me comer ou só apreciam todas as bundas como uma cadela no cio aprecia o cachorro vira-lata por trás do portão? Só um minutinho, amor, já volto.
Não voltei. Não tenho tempo pra isso, sou uma mulher muito o-cu-pa-da. Ocupada em não viver, tarefa em tempo integral. Me esforço para me desocupar de tudo. É um paradoxo, como dizem. Ocupação: de-so-cu-par-me. Confuso. Arrumo um cigarro na rua porque sou uma mulher bonita, mas e quando eu não for? Só tenho mais grana pra passar mais dois meses, mas e depois?
Bobagem. Não gosto e nem acho que faz bem me preocupar, por isso eu sou uma pessoa zen. Afinal, a pré-ocupação está definitivamente na minha lista proibida de afazeres. Pensar. Tentei deixar de pensar como primeiro item. Não funcionou, aí eu coloquei como segundo item. Lembrando dos idiotas do bar, é melhor riscar pra não ter o risco de me tornar um deles. Paro e tento apreciar a vista. Depois o cachorro. Depois a bunda de outra mulher. Nada. Queria terminar o pensamento com alguma ironia, mas a vida não tem graça e eu também não tenho tempo.

quinta-feira, 25 de janeiro de 2018

Apareça.

Diga-me que está aí, escondido entre as consistências que impedem que o meu munto colida com o seu. Diga-me que compreende minhas verdades, que entende o que eu falo, o que eu penso, o que eu sinto. Diga-me que você existe. Diga-me que não é tudo em vão, que a superficialidade é apenas temporária e já vai passar - não: diga-me o contrário. Me leve a crer que a minha desesperança pode ser compreendida e é real. Diga-me que eu sou real, que não sou uma multidão de palavras sem sentido repetidas e reorganizadas até parecerem lamúria. São súplica. Estou pedindo-lhe quase em silêncio que apareça antes que eu me vá de vez. Diga-me por onde andou e o que aprendeu que eu ainda não sei. Convença-me de que eu não o sei. Respira-me vez em outra e dê-me novos ares para respirar. Já sou velho e cansado, mas apenas por desistência. Meu corpo resistirá mais do que a minha mente, tenho certeza. Salva-me do meu silêncio, do meu casulo. Diga-me que nem toda a minha angústia foi em vão, que consegue ler a si própria nas minhas palavras. Diga-me que a ideia de verdade é uma doença crônica enquanto o presente cospe na minha cara e me mostra que eu não tenho valor. O universo não tem o menor respeito pela dor, mas diga-me que vai passar - apesar de todos os indícios gritando o contrário.