sexta-feira, 22 de janeiro de 2016

Às vezes eu vomito sentimentos em um pequeno pedaço de guardanapo

Alegria-te pelo sorriso que eu te tenho
E chora-me torrencialmente
Desespera-nos na falta de nós
Afoga-me em medo e me engula
Por desejo de engolir-me-ter
Agonia-te por tristeza ser sentir
E sentir ser tudo que eu te peço.

segunda-feira, 18 de janeiro de 2016

Centavos.

De repente eu me sinto uma moeda de dez centavos que caiu num bueiro da rua mais movimentada do Rio de Janeiro. Eu com meu cigarrinho amassado no bolso de trás e dez reais jogados de qualquer jeito na carteira, eu com a roupa amassada de ontem e com o hálido de sexta-feira. Eu que me apaixono por cada par de seios que esbarra comigo na rua e me joga um sorriso despretensioso. Sou o mesmo cara que acabou de ser deixado no esgoto junto aos ratos, o mesmo verme que se matou sem morrer de verdade - ou que morreu de verdade sem precisar se matar. Sou um pontinho flutuante de poeira universal flutuando pelo universo, sou uma moeda de cinco centavos sendo arrastada pelo esgoto — e eu nunca me senti tão bem.

Lúcido.

Distancio-me da realidade chula e exploro as lacunas do meu subconsciente. Abro os olhos e lá estou eu; feliz caminho pelos pastos verdes vidrantes e sinto o vento vibrar a grama nos meus calcanhares. Não é grama e não é vento. O pouco que sei desse lugar é suficiente pra ser considerado um quase nada recheado de fantasia — estou sonhando. Dobro os joelhos e desliso a mão pelo capim. Posso sentí-lo crescendo e espetando a pele entre um dedo e outro, mas não exatamente. Tudo aqui é tão real quanto uma lembrança e tão palpável quanto a imaginação permite — não o suficiente. Arranco pedaços verdes de sonho e começo a correr em direção a um imenso precipício. O que acontece se eu estiver errado? Que garantia eu tenho de que não estou alucinando de novo?
Nada.
Então eu pulo.

Acordo no sofá cinza da minha casa. Não passa das três da manhã. Meu corpo está descansado, mas meu cérebro ainda sente o entorpecimento da queda. Levanto-me vagarosamente e ando em direção ao meu objetivo de vida — a geladeira. É estranho que o mundo seja bem menos do que desejamos que ele seja e que a luz do meu viver não seja nada mais, nada menos do que a lâmpada dessa geladeira velha e ranzinza. Procuro a manteiga, mas não encontro. Sento-me no chão — ainda com a porta da geladeira aberta — e começo a chorar. Nada é suficiente pra me fazer querer estar aqui. Eu preferia estar sonhando. Desabo em lágrimas e deito o rosto no azulejo frio da cozinha, iluminado pela geladeira vazia com meus olhos cheios de dor. A lâmpada que mostra a geladeira é a mesma que me expõe ali, no calar da noite — a geladeira é a minha vida. Fecho-me perante o mundo para economizar esforço, ando em direção ao banheiro e seco as minhas lágrimas. Penso em acender todas as luzes da casa, mas não preciso disso. Meu lar é a escuridão. Abro a última lâmina do pacote e desenho um enorme T em cada pulso.
Mas não sangro.

Acordo. Tudo está de volta ao normal. O mundo volta a girar e logo logo eu vou voltar a dormir. Ainda assim, tudo que eu vejo é tão real quanto uma lembrança e tão palpável quanto a imaginação permite.

Vir a viver e viver de vir a viver.

Ato I

Sou vi
mais do que sou sei.
Mais de viver cansei
Que de saber eu vi
E vi que nada sabia
Antes de saber ouvir
Por não saber saber.
Sou vir, ver e verei
Mas de ser saber
Não sei.

Ato II

De que me serve ser
Se ao saber viver
Eu não soube ver
Que não vi saber?
Eu mais vi sofrer
Sem poder não ver
Do que vivi viver!
Quero só não ver da dor
Que já vivi de ver
E já vi de viver
Mais do que eu sei dizer.
Quero não viver o eco
Que me faz querer não ver
Quão pouco vivo enquanto seco.

Ato III

Perco-me no não me ver
E entorpeço-me no não saber
Vivo sem saber viver
(Vir, ver, ouvir e haver)
Apenas no prazer de ser,
Vivo pra querer dizer
"Sou saber, prazer".

Nutritivo

Pego um pedaço de mim
E cuspo de volta no prato.
Pego um pedaço de ti
E engulo.

Bebo pessoas baratas
E caras,
Uso camisas baratas
E velhas.

Rasgo minhas roupas,
Coloco na boca e mastigo.
Engulo com água e choro.

Vegetais fazem bem.
Amar,
Nem tanto.

Meu quê

Meu quê de ti me espanta
E encanta a quem não deve
Quero que o quê me leve
Deste lugar sem jeito
Que me encolhe o peito
(Samba, samba)
E por favor, não vás embora
Que eu só quero agora fugir
Pelo mundo afora e sentir
Em mim, meu quê de ti
(Samba, samba)
Sem voz eu vou guiando
Meu coral e descascando
Vou-me desfazendo
Sem ter meu quê de ti!

Caixa

Enquanto minhas palavras fragmentam-se na dúvida de um futuro vazio, tuas certezas me concretizam como fracasso. Quebrei-me como um espelho - de mim surgiu uma imensidão de rachaduras, derivadas de um só ponto: tua presença. Meu sentimento é uma criança que decidiu brincar com o perigo antes de saber lidar com a dor, mas o óbvio se concretizou e, do meu universo pessoal, criou-se a antimatéria. Dividi-me em dois e perdi as duas metades: o sentir-me e não sentir evoluiram em seres que me dominaram e me regeram de aí em diante. Será que o próprio Criador sentiu o mesmo ao ver seus anjos rebelando-se? Será que a onisciência não pode ter descansado por tempo suficiente pra que a humanidade descobrisse o amor e por ele se instalasse o caos? Se da caixa que Pandora abriu sairam todos os males, por que não foi mencionado o amor, que destruiu paradigmas e civilizações, ideias e conexões existentes desde antes do próprio raciocínio?
Será o amor a própria caixa?

De forma alguma.

O que procuras em nós é o antídoto
Pra todo incômodo do teu passado vil
Subjetivado e objetificado em palavras
No pretérito imperfeito do subjuntivo:
Poderias ter-me querido e não quis
Ter-te-ia feito o bem que queres
Antes que o breu da morte nos levasse
Mas com pesar nos olhos hoje choras
Lágrimas tão lamurdiosamente fúteis
Toques tão desinteressantemente iguais.
Triste é teres escolhido ser repúdio
Quando dei-te meu querer por todo
- Tanto o fiz que eu hoje não desejo perto
Longe ou de forma alguma.