sábado, 28 de fevereiro de 2015

Não.

Homens como eu não procuram mulheres como você. Eu respiro destruição. Tudo à nossa volta vai apodrecer com a minha presença, todo infinito vai sucumbir ao meu vazio. O que eu poderia querer de uma garota boba? Não, não quero que você me leve a mal, é melhor assim. Seus pais vão acabar procurando por você antes de meia-noite e isso vai me deixar irritado, então só volta pra casa, ta? De repente você consegue encontrar um menino tonto por aqui, mas eu acho difícil, olha esse lugar. Você sente isso? Aqui é o meu lar, é o meu mundo. Tudo aqui é triste, mas alegre. Tudo nesse buraco é um vazio de criatividade. Você não pertence, não quer pertencer. Eu não viria pra cá se fôssemos iguais, não mesmo. Eu iria pra casa de algum amigo jogar algum jogo de tabuleiro... Foda-se, sabe? Você não concorda? Então por que você não sai por aquela porta e a gente finge que nunca se encontrou?

quinta-feira, 26 de fevereiro de 2015

Olha a minha cara.

Pensa nas estrelas.
Aqueles pontinhos insignificantes que estão la fora no universo são bilhões de trilhões de vezes maiores do que o nosso planeta.
Nós somos insignificantes diante à imensidão do universo e AINDA ASSIM conseguimos fazer coisas magníficas.
Agora olha pro seu problema.
Ele não é enorme, aquelas estrelas são.
Ele só parece grande porque você ta olhando pra ele muito de perto.
É o que você devia pensar, certo?
Não.
Isso não funciona com você
porque você não consegue entender isso e, principalmente, porque não sabe admirar o céu.
E sabe o que é AINDA PIOR?
Não funciona mais comigo
(Você foi o meu motivo
pra olhar o céu à noite
e imaginar o infinito).
É isso que você deveria estar dizendo por aí
(se ao menos soubesse o que significa).

(a)

segunda-feira, 23 de fevereiro de 2015

Neutrons.

Sem ela? Ué. É a minha vida de antes, sabe? É sem sal. Não, não é desesperador ou agoniante, é neutro. Pode não parecer tão ruim, mas é bem pior do que parece. "O neutro é bom", mas o neutro nunca é bom. Talvez eu precise do desesperador agora, eles não me conhecem. Ninguém me conhece, talvez eu QUEIRA o desesperador por não aguentar mais ser neutro. Quem quereria ser cinza em um mundo preto e branco? Eu não quero, me dá asco. Eu quero ser um elétron, batendo e girando pra onde me der vontade. E daí se ela for um elétron também? Eu nunca disse que seria fácil, eu não quero o fácil. Eu já disse, eu quero o desesperador, o agoniante!


(a)

sexta-feira, 20 de fevereiro de 2015

Histórias bêbadas e caídas.

Eu sou só um velho bêbado e caído preso em um corpo qualquer. Eu não valho a pena. Não é auto-piedade, sério, eu não ligo mais. Acho que todos tem algum objetivo na vida e o meu é contar histórias, não ser bom. Eu gosto de contar histórias, e um dia eu vou contar sobre o dia em que eu declarei ao mundo que eu sou um velho bêbado e caído. Eu quero que vocês riam de mim, que se divirtam às minhas custas, pois eu não sou nada sem vocês. É por isso que eu conto as histórias e é por isso que eu as vivo. De que adianta o tombo se não há ninguém em volta pra rir? Eu não me envergonho, eu gosto dos seus sorrisos. Na verdade, se o corpo deixasse e a sanidade permitisse, eu viveria para cair. De repente assim eu conseguiria alegrar essas caras amargas que eu tanto amo ver pelas ruas, só o suficiente pra que vocês tivessem vontade de ouvir as minhas histórias.

quinta-feira, 19 de fevereiro de 2015

Partes.

Se tu és tudo de ruim no mundo, quem sou eu? Se tua inocência me fez delirar, se foi o que te fez ver, em mim, minha benevolência, onde ela está? Por que sou eu o único a pagar pelas indecências que cometo? Por que sou monstro? Por que não bom? Se existe um Deus, por que não responde às minhas preces? Por que deixara o mundo tratar de mim e por que me deixara sucumbir ao mundo? Tu confiaste em erros, Ele diria, tu caíste nos cantos da sereia. Por que me deixas cair ainda se minhas feridas não cicatrizaram? Se minha discórdia é latente e minhas esperanças quase nulas? Por que tamanha dor quando eu ofereço misericórdia? Por que há tanta covardia na justiça? Tu, por outro lado, outrora mentiu saber. Tu foste meu cais e meu porquê, meu porto seguro. Tu me desde aquilo que o mundo me roubou, tu me deste amor quando eu pedi apenas piedade. E pra quê?! Por que desacreditar o incrédulo? Por que tornar possível o inimaginável e fazer, de mim, Ícaro? Por que embeber minhas asas com teu fogo? Minha alma já era amarga e meu coração era podre, por que me deixar morrer?
Se eu era pouco antes, em nós eu encontrei miséria. Eu delirei sobre a sanidade e dancei sobre o sadismo e, abandonado pela benevolência da humanidade, eu abracei o mal. O que há de benigno em ti? Que parte d'Ele te permitiria, senão o próprio diabo?

- Que parte de mim não te amou?


(a)

Prólogo.

Ela sempre aparecia com joelhos ralados de tombos e quedas acidentais. Seus lábios eram ridiculamente vermelhos e seus olhos eram infinitamente verdes. Quando nós a víamos, o tempo parava. Um silêncio absoluto se fazia até que ela nos olhasse de volta. Ela sempre olhava. Às vezes demorava, mas olhava. Um sorriso bobo se projetava nas bochechas enquanto a vergonha a deixava vermelha. "Pare de encara-la, tonto, vai afugenta-la daqui!" Diria meu irmão, se nós pudéssemos ouvi-lo, mas não podíamos.
Mesmo assim, não faria diferença de jeito nenhum. A verdade, meu amor, é que nós não nos incomodávamos em te constranger. Nós gostávamos da blusa branca amarrotada que você usava, gostávamos da meia-calça rasgada e dos shorts não muito curtos. Você gostava de um único par de botas, e só usava outro calçado quando esse estava lavando, nós decoramos. Decoramos cada passo e cada verso do seu caminhar. Contamos o tempo das suas respirações e ansiamos pelas horas em que elas acelerariam. Nessas horas, você nos veria, mas nós já estaríamos vendo você.
Nós não ligamos de termos sido estranhos ou inapropriados. Só estávamos esperando que você nos entendesse como nós a entendíamos, nada mais do que isso. Nós queríamos ter tido a certeza de que nunca a teríamos em mãos e, assim, desistido na primeira ocasião, mas era tarde demais. Na minha cabeça, nós não seríamos o homem a falar com você. Na minha alma, você já era parte de nós.

quarta-feira, 11 de fevereiro de 2015

"eu tenho boas notícias."

Eu queria dizer que
eu não sinto a sua falta
a cada gole de cachaça e
que não sinto o seu cheiro
toda vez que tento dormir.
Queria fingir que a solidão
é uma gripe boba que
passa em dois ou três dias.
Queria sorrir pro acaso e
que ele dissesse pra mim
"eu tenho boas notícias".
Queria que o amor soubesse
a hora de parar de chorar
e de voltar a comer.
Queria que o café quente
não queimasse a língua
E que acordar não fosse
tão difícil quanto dormir.
Eu queria que dormir fosse
tão fácil quando lembrar,
que lembrar me fizesse sorrir
e que sorrir me fizesse esquecer.


(a)

segunda-feira, 9 de fevereiro de 2015

é.

- Tudo bem?
  - Mais ou menos, e aí?
- Sei lá.
  - Hoje o dia ta triste.
- Eu tenho acordado meio triste todo dia.
- É?
- É.
- Por que?
- Você sabe.
- Ah...
- ...
  - Ainda?
- É.
- Eu to tentando não pensar naquelas coisas.
- Eu to tentando não beber muito.
- Não quero me preocupar, sabe?
- Não quero levantar pra tomar banho.
- Não quero levantar pra nada.
- Nem eu, mas eu preciso pegar mais cachaça.
- Pensei que você tava tentando não beber.
- Muito.
- É?
- É.

domingo, 8 de fevereiro de 2015

Um pouco mais.

Acho que amar me deixou mais do que cético, acho que me matou. Eu sou o conhecedor de todas as dores do amor, muito prazer. Você também é? Por que todos vocês acham que já sofreram o suficiente? Eu definitivamente ainda não. Por tudo que eu passei não equivaler a tudo que eu os fiz passar (os tontos e desavisados), eu mereço sofrer ainda muito mais. Se o velho ditado popular estiver certo, "tudo que vai, volta", então eu tenho muito a me preocupar. Embora amando, usei e abusei da boa vontade de quem me amava quando não os correspondia, mantive-os ao meu lado para que meu ego fosse satisfeito - coisa que nunca foi e nunca será. De qualquer forma, deve existir algum castigo perverso no final disso tudo criado pelo próprio Criador para pessoas como eu. Se eu temo? Não, não existe temor algum em mim. Como eu disse, amar me matou. Os sonhos também sucumbiram a essa indiferença. Você pode achar que eu não sou feliz, que tudo está arruinado para mim, mas não é verdade. Pra ser sincero, eu me sinto mais humano agora que eu não penso tanto sobre meu futuro (porque não tenho um). Eu me sinto exatamente igual a vocês e, como igual, tudo que eu quero agora é amar um pouco mais.

Zero.

Enquanto ele caminhava, olhava as placas que diziam o jeito certo de caminhar. Seja feliz, elas diziam, peito pra frente e queixo pra cima. VISTA O TÉDIO e o homem continuou a se entediar. Vermelho para! e verde para continuar. Continuou a se irritar e tomou um comprimido, ficou nervoso por ter tomado o primeiro comprimido e tomou mais um. O psiquiatra disse pra ele relaxar e as placas diziam pra continuar a caminhar. Seja feliz, eles diziam, mas a rua era barulhenta demais e em casa era quieto demais e as festas tinham músicas ruins e as vielas eram muito perigosas. disque um, eles disseram, se você quiser vender. Disque dois, três, quatro se você quiser comprar. Disque cinco se você não quiser discar. procurava pelo BOTÃO ANTI-PÂNICO enquanto continuava a caminhar. Vista essa cor aqui! Verde é o novo preto. Na sua mão, o homem carregava um bom livro que estava sendo obrigado a ler. Quem leu SABE que é um bom livro para se carregar, então não há problema em nunca ter lido.  Começou a chover, mas as chances de chuva eram de Zero Por Cento então não poderia estar chovendo. Pegou mais um comprimido do bolso para parar de pensar, mas a televisão disse que estava tudo sobre controle. Sorriu, pegou o guarda-chuva e abriu. Virou a esquina porque lhe mandaram virar. Bebeu, fumou e cheirou porque o encorajaram a viver mas QUEM AINDA SABE viver quando tem tantas teclas para apertar? CHORE, e ele chorou. CUSPA, e ele cuspiu. ANDE, e o homem continuou a caminhar.

sexta-feira, 6 de fevereiro de 2015

Reflexo.

Olho pros meus braços, pros meus pêlos, ando com minhas pernas e piso com os meus pés. De repente, isso me parece tão estranho! Eu não lembro como cheguei aqui, como ganhei esse corpo, como evoluí. Eu não sou apenas esse pedaço de carne que o mundo me ensinou a ser. Eu moldo a realidade, faço e desfaço laços e ligações. Como eu fui parar aqui? Como eu fui me reduzir a tamanha mediocridade? Tudo que eu vejo é pelos meus olhos, tudo que eu toco é pela minha pele. Carne, carne, carne. Como eu vou deixar de ser menos bicho e voltar a ser mais humano?

quarta-feira, 4 de fevereiro de 2015

zeca

Enquanto caminhava, zeca respirava o ar da cidade e o ar da cidade respirava zeca. Já passava de meio dia e o cheiro de Comida se espalhava pelas ruas, mas zeca não ia comer. Zeca tentou olhar para o seu relógio, mas não tinha um. Por isso, encarou seu pulso longa e dolorosamente, imaginando o almoço que não o esperava. Acelerou o passo para não chegar atrasado a lugar nenhum, correu em vão porque não tinha motivo para não correr. As pessoas olhavam pra zeca e se esqueciam do cheiro da comida - ou talvez nem tivessem reparado pra começo de conversa - mas zeca não ligava. Ele olhou apressadamente para o pulso, pensando na hora e na fome. Se zeca tivesse uma maleta de trabalho, certamente já a teria jogado fora para aumentar seu desempenho na corrida. Passou por duas ruas. Duas não, três. Perdeu a conta depois da quinta... Ou foi da sexta? Virou a esquina e continuou correndo, o ar da cidade continuou a respirá-lo até que ele parou. Zeca olhou para os restos de Comida e os restos de Comida olharam para zeca. Achou uma Maçã boa e mastigou.
Zeca se apaixonou pela Maçã.
E a Maçã se apaixonou pelo mendigo.

Sous la peau.

Eu não escrevo para impressionar. Eu não escrevo para subverter, para revolucionar, para eternizar ou idealizar. Eu também não escrevo por escrever, coisa que eu considero indecência. Não escrevo para abstrair, para esquecer ou para me lembrar. Não escrevo notas auto-adesivas ou adesivos de auto-ajuda, não escrevo sobre o fim do mundo ou sobre o fim do dia.
Eu escrevo por mim;
Para mim;
Sobre mim;
Sob mim.

Volúpia.

Meu fogo
tua língua
meu suor
tua pele
minha boca
teu calor
meu salivar
tua malícia
meu gemido
tua voz
minha carne
teu salivar
meu desejo
teu fogo.

Entre.

Estou perdido
Entre as páginas amarelas
Entre as teclas do telefone
Entre as moedas do bolso
Perdido na ponta da língua
Nos ponteiros do relógio
Entre os degraus da escada
Absurdamente perdido
Entre a beleza das palavras
E a melodia da tua voz
No desejo entre teus lábios
E entre o bem e o mal
Desencontrado e tonto
Entre as batidas do peito
E as sacudidas da alma
Estou perdido entre
Algum passado remoto ou
Algum futuro esquecido
Estou completa e
Inconsolavelmente
Perdido.

domingo, 1 de fevereiro de 2015

Troca troca.

e eu que troco
o calar da noite
pelo alvoroço
e o doce fruto
pelo seu caroço
e aí me toco
quando o frio chama
e o vazio bate
no calor da cama
esse mal me abate
porque te troquei.