segunda-feira, 6 de junho de 2016

O que as paredes não dizem

Hospitais públicos são, em sua grande maioria, lugares onde pessoas feias e doentes encaram outras pessoas feias e doentes enquanto esperam ser atendidas por alguém que quase nunca as compreende totalmente. Nesse aspecto, pode-se dizer que estou no lugar certo. Eu estou doente. Sou doente, talvez, mas não posso dizer com absoluta certeza e, pra completar, não sou bonito. Não tenho a vida perfeita e nem chego perto disso. Dizem que os riscos de infecção em hospitais públicos são bem altos se comparados a outros ambientes públicos (como ônibus, escolas, etc.), mas eu não ligo pra nenhuma dessas coisas: eu gosto desse lugar. Gosto de ser observado por essas pobres almas e gosto que tentem adivinhar o meu problema, como faço com eles. Gosto da emergência sempre lotada, isso me dá tempo pra escrever. Gosto do barulho de tosses pesadas e de imaginar o muco catarral se apossando aos poucos dos pulmões enfermos, das lágrimas de preocupação derramadas por parentes e amigos enquanto as horas passam sem notícia do possível falecido. Tudo é um pouco mais sincero aqui — desde as máscaras de riqueza criadas por peruas fúteis às de indiferença criadas pelos mais reclusos — nenhum desses disfarces sociais funciona como deveria. O meu, por outro lado, se encaixa muito bem. Eu não sou a vítima do tiroteio. Eu não sou o cidadão ferido por faca em um assalto, não sou a senhora doente de tanto fumar e não sou o viciado em drogas. Eu sou, no entanto, todos eles, enquanto os observo. Sou o humilde trabalhador com doença de pele, sou o recém nascido, sou o filho do pedreiro. Penso, inclusive, se toda a minha trajetória teve algum motivo só por ela ter me levado até esse ponto da história: não um clímax, mas uma calmaria. Como uma ressaca de vida que agora pesa o corpo e as mãos — principalmente estas, que misturam-se em alívio e culpa por encontrarem-se em um lugar que, bem ou mal, já derramou mais sangue do que meus olhos já presenciaram e meus dedos já sentiram. Por todas as paredes que já soquei, essa é a minha sentença: porque essas paredes choram em silêncio e oram pela crença de que a justiça será feita aos pecadores.
A essas quatro paredes pertenço;
Eu e todas minhas dores.

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