quinta-feira, 19 de março de 2015

O acidente.

Nós acordamos imóveis. Por dentro, choramos e choramos até enxarcar o travesseiro com as nossas lágrimas e acordar a vizinhança com os nossos gritos, mas permanecemos imóveis. Pensamos em tudo que já passamos e pensamos em pular de um edifício, mas não pulamos. Era muita coisa pra se jogar fora, mas era muita coisa ruim. Sonhamos que estávamos de frente com nosso malfeitor, perguntamos como havia acontecido e ele respondeu. Nos torturamos com as imagens que se formaram na nossa cabeça, formando-as propositalmente com o objetivo de nos torturar. Escrever não adiantava, beber não adiantava e dormir, obviamente, não adiantava.
"Estamos perdidos" dissemos, mas ninguém ouviu.

Descemos as escadas e ligamos para o terapeuta.

"Você sabe que eu não sou seu terapeuta de verdade, né?"
"Sabemos."
"E sabe que não tem mais ninguém na sala além de nós?"
"Sim."
"O que está acontecendo?"
"Não conseguimos dormir, doutor. Sempre que tentamos, nosso corpo estremece e começamos a sonhar com ela, com o acidente, com tudo."
"Isso começou depois do acidente?"
"Sim, doutor, a gente não sabe mais o que fazer."
"O que você lembra do acidente?"
"Eu não lembro de nada."
"O que aconteceu com o 'nós'?"
"Ahn?"
"Você se referiu a si mesmo como 'eu', o que mudou?"
"É que nós não estávamos lá, doutor."
"Que?"
"Nós ainda não existíamos, doutor."

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