segunda-feira, 31 de março de 2014

Caim.

Ah! Meu querido amigo... Como senti saudade de nossos dias de glória! Como almejei uma maneira de voltar àqueles tempos de conhaque, ópio e raparigas... E que raparigas! Mas tinhas que estragar as melhores recordações com teu veneno de inveja, não é? Tinhas que tentar sugar de mim a verdadeira felicidade - que hoje acredito não ser de teu conhecimento - por simples mimo! Ah, companheiro! Soubesses reconhecer tuas dádivas, soubesses valorizar o que tens, e não haveria de carregar meu desgosto, minha vergonha por ter acreditado! Logo eu, que adotei-me em traições desde cedo; maldito, mal vestido, quase sem consciência de todo o bem que ainda haveria de fazer pelo mundo, caí na mais antiga das armadilhas. Como a linda moça de capuz vermelho que confia no lobo, como o cervo que confia nas matas virgens, sem saber que ali espreitam os mais terríveis predadores. Tu, alma penada, infeliz, ganhaste de mim o que tantas meretrizes erroneamente acreditaram que tivessem: minha fidelidade. Tu, besta, me ganhaste como irmão, antes de me mandar às duras garras da solidão e do abandono! Antes tivesses dito a mim, e não a ela - a luz do meu amanhecer, a promessa de um novo amanhã - que não sou digno de compromisso! Tu não sabes o que é dignidade, e nunca soubeste. Tu me apunhalaras pelas costas antes de fazer o mesmo com a tua tão amada - por ambos de nós - e tão adorável companheira! Eu fui O Terrível Quasímodo, e tu, o exímio cavalheiro Febus, desconhecedor e incapaz da maldade, mas os tempos mudaram... É engraçado me lembrar o tanto que invejei tua bondade... Eu, por mais encantador e vigarista que fosse, jamais teria a decência e os modos que meu gêmeo exibia com tamanha graciosidade, jamais receberia - e muito menos faria florescer - o amor sincero pela minha pessoa. Tão oposto disso, aliás, que cheguei a pensar que jamais seria verdadeiramente digno de qualquer sentimento bom relacionado a mim, mas errei. Eu não sou de todo mal, e tu não és de todo bem. De fato, o passar dos anos não deixou sombra do Incorruptível Amigo em quem outrora ousei acreditar. Tu és, agora e sempre, (Soubera eu!) só mais um afável vagabundo, abraçado pelas vilanias do mundo, em quem a maldade tardou a amadurecer.
E eu sou finalmente aquele a quem tu deves perdão, mas nunca ousaste pedir.

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