quarta-feira, 29 de outubro de 2014

Ônibus.

ponto de ônibus qualquer, dia quente. depois de tanta falta de transporte público quanto de paciência, me vem um ônibus lotado. merda, pensei. não sei se os motoristas fazem isso de propósito quando está calor, mas minha próxima carta será endereçada a eles. peguei aquele mesmo, não tinha muita opção. tinha sido um dia cheio, daqueles que parece que não vão acabar nunca, sabe? pois é, vida de pobre é isso. já sabia que os primeiros a descer seriam os de classe mais alta, então fiquei perto dos mimadinhos. rico escroto só anda de ônibus se for pra ir até a esquina, meu pai dizia - e estava certo. os primeiros a descer foram eles, então eu consegui pegar o trono que era meu de direito. não era lá grande coisa, tinha um homem fungando atrás, mas eu não tava nem aí. tudo está bem dentro de um ônibus desde que você não tenha que ficar em pé.
eu estava ali há um bom tempo, já até havia passado da central. o ônibus já tinha esvaziado e a viagem tinha sido tranquila. foi quando esse desgraçado sentou do meu lado. já não gosto de quem senta do meu lado, mas ele não tem culpa, pensei. ele não faz por querer. mas acho que faz. será? suava como um porco, parecia que tava fazendo de propósito. quando sentou, abriu um sorriso pra mim assim, como quem sorri pra qualquer um. EU não sou qualquer um, meu chapa. Com aquelas nádegas borbulhantes e aquela cara de senil, não pude nem sentir pena quando seus inúmeros braços - camadas e mais camadas de gordura - encostaram em mim, lambuzando meu assento: pele, suor, sujeira, meleca, pobre, nojento, gordo. depois de três pontos, o desgraçado levanta com aquela cara de retardo só pra deixar um pouco mais de líquido cair em mim. filho da puta, pensei, ele fez de propósito.

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