quinta-feira, 19 de fevereiro de 2015

Prólogo.

Ela sempre aparecia com joelhos ralados de tombos e quedas acidentais. Seus lábios eram ridiculamente vermelhos e seus olhos eram infinitamente verdes. Quando nós a víamos, o tempo parava. Um silêncio absoluto se fazia até que ela nos olhasse de volta. Ela sempre olhava. Às vezes demorava, mas olhava. Um sorriso bobo se projetava nas bochechas enquanto a vergonha a deixava vermelha. "Pare de encara-la, tonto, vai afugenta-la daqui!" Diria meu irmão, se nós pudéssemos ouvi-lo, mas não podíamos.
Mesmo assim, não faria diferença de jeito nenhum. A verdade, meu amor, é que nós não nos incomodávamos em te constranger. Nós gostávamos da blusa branca amarrotada que você usava, gostávamos da meia-calça rasgada e dos shorts não muito curtos. Você gostava de um único par de botas, e só usava outro calçado quando esse estava lavando, nós decoramos. Decoramos cada passo e cada verso do seu caminhar. Contamos o tempo das suas respirações e ansiamos pelas horas em que elas acelerariam. Nessas horas, você nos veria, mas nós já estaríamos vendo você.
Nós não ligamos de termos sido estranhos ou inapropriados. Só estávamos esperando que você nos entendesse como nós a entendíamos, nada mais do que isso. Nós queríamos ter tido a certeza de que nunca a teríamos em mãos e, assim, desistido na primeira ocasião, mas era tarde demais. Na minha cabeça, nós não seríamos o homem a falar com você. Na minha alma, você já era parte de nós.

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