domingo, 21 de junho de 2015

Borboletas.

O dia começou anoitecendo em um quarto escuro. Minhas pálpebras queimavam de cansaço enquanto eu acendia outro cigarro ruim do Jack. A casa era dele, o cigarro era dele, o quarto era meu.
"Aquela borboleta está se mexendo?"
Jack não sabia o que falava, estava sob o efeito de drogas pesadas. Todos nós estávamos, de um jeito ou de outro. A borboleta à qual ele se referia era um enfeite grudado na parede que só se mexia em dias como aquele.
Olhei pra borboleta e ela olhou pra mim.
"O que você está olhando, verme estúpido?", eu disse.
Jack riu. Ri de volta, sem humor. Não havia um pingo de alegria em mim naquele dia-noite, foi por isso que eu resolvi me drogar. Algum sábio alguma vez me disse que a droga não vicia, que o hábito de se drogar é uma simples adaptação do ser humano à realidade em que ele se encontra, que eu posso parar na hora que eu quiser.
Mas eu não acredito nisso, eu não sou burro.
Virei-me para Jack, interrompento-lhe algum pensamento fútil.
"Ainda tem beck aí?"
"Tem."
"Aperta um então."
"Aperta você, vadia."
Jack riu de novo. Ele não era a criatura mais inteligente do mundo, talvez não fosse nem do quarto. Naquela época eu ainda tinha algum cérebro, alguma consciência, algum limite, ao contrário do Jack. Dizem que essas são as características da velhice e da experiência, mas eu acho que é o contrário: quanto mais velho, mais burro e acostumado você fica. Mais destemido, mais despreocupado, mais idiota. É aqui que a gente erra. Quando jovem, o mundo é um perigo atrás do outro, tudo é importante demais e tudo deve acontecer rápido demais, temos que prestar atenção em tudo. Eu cheguei a prestar, pelo menos por um tempo, mas aí o tempo vai passando e a gente deixa de ligar. Talvez meu futuro fosse diferente se eu tivesse pensado nisso antes, mas provavelmente não. Meu futuro não teria modos de ser diferente.
Jack já estava de pé quando eu terminei de apertar o baseado. Acendi, dei duas tragadas e segurei a fumaça no pulmão.
"Libera o beck aí, policial." - Jack se achava muito engraçado.
"Lei do duende: quem aperta, acende."
"Lei do gnomo: o segundo é o dono."
"Mas fui eu que comprei o boldo."
"Com o meu dinheiro."
"Foda-se, já to chapado mesmo."
Joguei o beck pro Jack, que o pegou desajeitadamente, queimando a palma da mão.
"Filho da puta!"
"Parece até que você sentiu queimar... Haha"
Meu coração acelerou, o mundo queimou e eu voltei a dormir.

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